O globo, n.31426, 22/08/2019. Mundo, p. 24

 

Embaixador nos EUA gere mais de 30 parcerias 

André Duchiade 

22/08/2019

 

 

Ex-ocupantes do posto cobiçado por Eduardo Bolsonaro descrevem rotina complexa de interlocução com múltiplos atores dos poderes Executivo e Legislativo e das sociedades brasileira e americana

O candidato. Conhecimento técnico é fundamental para um embaixador, mas a capacidade de negociação é o atributo mais importante para o cargo

Joia da carreira de poucos e experientes diplomatas, representar o Brasil nos Estados Unidos — posto para o qual o presidente Jair Bolsonaro pretende indicar seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) — é um atarefa de grande complexidade. Exige habilidade de negociação, um conhecimento sofisticado das relações bilaterais, a capacidade de interpretara conjuntura americana e um talento para circular em diferentes espaços, dos poderes Executivo e Legislativo a investidores e centros de pesquisa.

Segundo o Itamaraty, existem mais de 30 mecanismos bilaterais de interlocução e Brasil e EUA. A diversidade de áreas e temas vai da não proliferação nuclear à cooperação econômica e comercial, domei o ambiente à aviação civil, da agricultura à ciência e tecnologia. A embaixada tem 23 diplomatas, oito servidores de outras carreiras diplomáticas e 42 contratados locais. Questionado sobre o orçamento anual, o ministério não informou os salários, dizendo que afolha de pagamento não recai na embaixada, mas no ministério.

Como operador dos interesses brasileiros no mais alto nível, o embaixador terá, como primeiro interlocutor, o Executivo — ao qual, alega o Planalto, Eduardo teria mais acesso do que outros candidatos. É incerto o tempo que Donald Trump — ocupado com uma

campanha presidencial, uma guerra comercial coma China, a perspectiva de um acrise global e outros afazeres exigidos do homem mais poderoso do mundo — dedicaria ao representante do Brasil, mas é seguro que não seria ele o funcionário do governo com quem o futuro embaixador mais conversaria.

—O contato sedá principalmente pelo Departamento de Estado. O interlocutor mais frequente é o secretário de Estado adjunto para Assuntos Interamericanos. Falar com o secretário de Estado não é fácil, porque ele viaja muito e, quando están acidade, só consegue falar quando há assuntos graves—afirmou o embaixador aposentado Rubens Ricupero, que chefiou o posto entre 1991 e 1993.

Segundo Ricupero, é igualmente importante o contato com o Escritório do Representante Comercial da Casa Branca (USTR), o Departamento de Comércio e setores de outros departamentos, como o de Agricultura.

APROXIMAÇÃO BIPARTIDÁRIA

O diálogo com o Executivo se estende aos setores de segurança,defesa, saúde e ciência e tecnologia. Além disso, são necessárias aproximações com representantes do Legislativo, o que significa dialogar também com a oposição à Casa Branca, seja ela quem for.

O embaixador aposentado Roberto Abdenur, queche fiou a representação em Washington de 2004 a 2007, afirmou que aproximações bipartidárias são importantes porque leis de interesse brasileiro dependem do Congresso.

—Não é fácil ter acesso direto a deputados e senadores, mas uma via são os assessores diretos deles, muitos dos quais são importantes elementos de ligação e detêm grande influência — afirmou Abdenur.

Nestas aproximações, disse ele,é fundamental ter conhecimento técnico, porque é muito difícil o embaixador ter capacidade de influenciar o processo decisório caso não conheça os assuntos. Diplomatas concordam, contudo, que essa bagagem não é o principal desafio,m assim a capacidade de negociação, que não se adquire só por meio de estudo ou de assessorias técnicas, mas exige traquejo adquirido em processos internacionais de negociação.

Uma peculiaridade da capital americana é sediar um grande número de organizações internacionais ligadas à economia, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento( BID ). O embaixador brasileiro passa parte de seu tempo acompanhando autoridades como governadores que vão tratar com essas instituições.

—Acompanhei governadores e ministros que queriam obter empréstimo sou resolver problemas—disse Ricupero. — E aí há um aspecto delicado, porque o embaixador precisa tratar todos como iguais, mesmo os de oposição.

IMPACTO GLOBAL

São necessários também contatos com brasileiros emigrados — a quem Eduardo Bolsonaro se referiu de modo crítico — e com a sociedade civil americana, incluindo a academia, a imprensa e centros de estudos. Washington tem 400 think tanks, que promovem conferências e se manifestam sobre temas como meio ambiente, direitos humanos, populações indígenas e mudanças climáticas.

Nesses fóruns, o embaixador precisa entrar em controvérsias e defender o posicionamento nacional diante de plateias que incluem legisladores e investidores. Também precisa responder à imprensa, no momento muito crítica do Brasil, aproximando-se de editores e diretores de redação.

Do conjunto dessas atividades, afirmou Adbenur, o embaixador deve oferecera Brasília“análises lúcidas, objetivas e sem nenhum elemento ideológico” sobre apolítica interna e externa americana, indicando para onde os EUA estão indo e quais riscos e oportunidades oferecem.

— O que acontece em Washington irradia-se para todas as outras embaixadas do Brasil no mundo, indo além das relações bilaterais —afirma Abdenur.

“O embaixador precisa tratar todos como iguais, mesmo os de oposição”

Rubens Ricupero, embaixador aposentado

“O que acontece em Washington irradia-se para todas as outras embaixadas do Brasil no mundo”

Roberto Abdenur, embaixador aposentado

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'Não tem recuo', afirma presidente sobre indicação 

22/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que a indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a embaixada do Brasil em Washington está mantida e que não haverá “recuo”. Na véspera, ele havia levantado a hipótese de retirar a indicação caso não houvesse apoio no Senado para aprová-la, dizendo que não queria submeter o filho a um “fracasso”.

— O Eduardo vai ser apresentado ao Senado. Não tem recuo. E o Eduardo está se preparando. Vai ser uma sabatina em que todos vocês estarão lá. É igual urubu na carniça, né? E ele tem de fazer uma sabatina melhor até do que se fosse o Ernesto Araújo—disse.

O presidente afirmou que a formalização da indicação pode ser feita após o 7 de Setembro, mas ressaltou que a data será decidida por Eduardo.

Na terça, Bolsonaro criticou parecer da Consultoria Legislativa do Senado, divulgado pelo GLOBO, que considerou a nomeação nepotismo. Ele disse que os consultores “agem de acordo com o interesse do parlamentar” que pede o parecer, e alegou que a legalidade da indicação estava baseada em uma súmula do Supremo sobre nepotismo.

A súmula de 2008, porém, dá margem a diferentes interpretações,já que admite a indicação de parentes para cargos políticos, como secretários de estados e municípios e ministros, mas não para cargos comissionados, e não especifica em qual definição se enquadra a função de embaixador. Um julgamento para dirimir essa dúvida está pendente no STF.

Ainda na segunda, outro parecer da consultoria do Senado, encomendado pelo líder do governo, Fernando Bezerra Coelho, não descartou que a eventual nomeação seja nepotismo, eque a questão deve ser decidida pelos senadores.

Já ontem o juiz André Maurício Júnior, da Justiça Federal na Bahia, arquivou sem ao menos julgar ação em que o deputado Jorge Solla ( PT- BA) pediu para evitar que o presidente nomeasse o filho para embaixador. O juiz argumentou que não há como avaliar juridicamente eventual dano causado coma nomeação antes que ela seja realizada.