O globo, n.31426, 22/08/2019. País, p. 08

 

Mantega terá de usar tornozeleira eletrônica 

Dimitrius Dantas 

22/08/2019

 

 

Alvo da 63ª Operação da Lava-Jato, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega será obrigado a usar tornozeleira eletrônica, segundo decisão do juiz Luiz Antonio Bonat, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, que negou o pedido de prisão do Ministério Público Federal (MPF). Foram expedidos mandados de prisão contra o advogado Nilton Serson, que está nos Estados Unidos, e o ex-vice-presidente jurídico da Odebrecht Maurício Ferro, detido ontem, às 7h, em sua casa em São Paulo. Ele é um dos únicos da cúpula da empreiteira que nunca fecharam acordo de delação premiada.

A investigação é sobre a suspeita de pagamento de propina pela Odebrecht a Mantega e ao também ex-ministro Antonio Palocci em troca de vantagens durante os governos petistas. A PF investiga os crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Segundo os investigadores, o pagamento de propina visava à aprovação de medidas provisórias que instituíram o programa Refis da Crise, entre outros objetivos. Palocci já cumpre prisão em regime aberto, podendo sair de casa para trabalhar com tornozeleira eletrônica. Foi determinado o bloqueio de R$ 555 milhões dos investigados.

Ao pedir a prisão de Mantega, o MPF aventou a possibilidade de o ex-ministro fugir para a Itália, já que possui nacionalidade italiana, e alegou que ele é titular e beneficiário final de pelo menos duas contas na Suíça.

ATO ILEGAL, DIZ DEFESA

O juiz Bonat considerou que não há informações sobre o risco de fuga e que a restrição de saída do país e a apreensão do passaporte são medidas suficientes. Ele acrescentou que os valores mantidos pelo ex-ministro no exterior já estão bloqueados, e que não há informação do envolvimento de Mantega em fatos criminosos após o afastamento do cargo de ministro da Fazenda, em janeiro de 2015.

O advogado de Mantega, Fabio Toffic, afirmou que a obrigação de usar tornozeleira é um constrangimento desnecessário e ilegal. E que seu cliente jamais deixou de colaborar com as investigações. A defesa de Palocci informou que o ex ministro “irá colaborar com a Justiça para o pleno esclarecimento dos fatos”.

Delações de executivos da companhia apontaram “Italiano” como o apelido de Palocci, e “Pós-Itália” como o de Mantega. A investigação leva em consideração uma ação penal que apura a informação de que Palocci e Mantega agiram de forma ilícita para favorecer os interesses da Braskem, a empresa petroquímica pertencente ao grupo Odebrecht. De acordo com a investigação, Mantega solicitou a Marcelo Odebrecht propina de R$ 50 milhões como contrapartida para as edições de duas Medidas Provisórias. O pedido, segundo a PF, foi aceito por Marcelo e pago pela Braskem.

A participação do advogado Nilton Serson se daria, segundo a investigação, por meio de contratos fictícios de advocacia com a Braskem. Ex-diretor-jurídico da empresa, Maurício Ferro teria pagado R$ 78 milhões a Serson em 18 contratos de fachada. Também há indícios de que Serson recebeu US$ 10 milhões do setor responsável pelo pagamento de propinas da Odebrecht em contas mantidas no exterior.

Os advogados de Nilton Serson disseram que ainda estão analisando o caso. Em nota, a Braskem afirmou que tem colaborado e fornecido informações às autoridades como parte do acordo firmado em dezembro de 2016.

Em nota, a defesa de Maurício Ferro diz que a decisão que motivou sua prisão não traz fatos novos e informou que as informações da denúncia já foram esclarecidas. “Recebemos a notícia da prisão temporária com surpresa. Suas contas no exterior são declaradas desde 2016. Maurício Ferro irá prestar todos os esclarecimentos e confia que sua prisão será revogada pela Justiça”, diz o advogado Gustavo Badaró.

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PF encontra chaves do sistema de proprina da Odebrecht 

Dimitrius Dantas 

22/08/2019

 

 

Durante o cumprimento de mandados de busca e apreensão de ontem, a Polícia Federal encontrou na casa do ex-diretor jurídico da Braskem Maurício Ferro quatro chaves de criptografia que podem abrir duas pastas secretas do Drousys. Trata-se do sistema de computador de controle de pagamentos ilegais do setor

de Operações Estruturadas, o “departamento de propina” da empreiteira. Ferro foi apontado por delatores da Odebrecht como o responsável por “dar um jeito” nas chaves.

As chaves são, na prática, pendrives que, quando conectados a um computador permitem acesso a determinados arquivos ou pastas. Segundo o delegado Thiago Giavirotti, o funcionamento é similar ao de um certificado digital.

—Fisicamente, é um pendrive. É possível plugar em qualquer computador de uma forma segura e usar sua área de trabalho com uma chave de acesso — afirmou Giavirotti.

A própria Odebrecht afirmou ao Ministério Público Federal que Ferro foi a última pessoa a ter acesso às chaves de acesso ao sistema. Em relatório produzido pela PF, peritos descobriram que o conteúdo de três pastas tiveram seus arquivos apagados.

“A ocultação por executivo da Odebrecht das chaves de acesso a um dos sistemas de contabilidade informal do grupo empresarial constitui fato grave e que coloca em risco a investigação ou a instrução”, afirmou o juiz Luiz Antonio Bonat no despacho que autorizou os mandados de prisão e busca e apreensão.

Sem as chaves, os investigadores não conseguiram até hoje acessar duas pastas do sistema. Esses arquivos fazem referência exatamente ao pagamento de vantagens indevidas mais recentes.

O Drousys e o Mywebday eram os dois sistemas usados por funcionários do setor de Operações Estruturadas da Odebrecht para organizar pagamentos ilegais a políticos. O Mywebday era usado para controlar e organizar os pagamentos a agentes públicos. O programa detalhava, em códigos, desde o nome do executivo responsável pelo pedido de pagamento ilegal e o propósito da transferência até a cidade onde ocorreu o repasse, o destinatário de valores e o doleiro usado para viabilizar a ação.

O Drousys servia para comunicação entre funcionários do departamento de propina e o mundo externo, isto é, operadores financeiros — como doleiros e controladores de contas mantidas no exterior. O sistema traz dados semelhantes aos disponibilizados pelo Mywebday, mas com algumas lacunas de informação.

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Cunhado e adversário de Marcelo Odebrecht 

Bela Megale 

22/08/2019

 

 

Familiares de Marcelo Odebrecht e executivos do grupo baiano colocam na conta do herdeiro a prisão de seu cunhado, o advogado Maurício Ferro. Detido ontem em São Paulo, Ferro foi vice-presidente jurídico na Odebrecht e é casado com Mônica Odebrecht, com quem tem cinco filhos.

Marcelo nunca se conformou com o fato de Maurício não ter feito parte do acordo de delação premiada que abarcou 77 executivos e ex-executivos do grupo. Ao sair da prisão, em dezembro de 2017, ele decidiu abrir artilharia pesada contra o cunhado. Vasculhou mais de 480 mil emails que tinha guardado dos tempos em que era presidente da Odebrecht e encaminhou à força-tarefa e à PF diversas mensagens que incriminavam seus inimigos, entre eles o cunhado. Em diferentes ações penais da Lava-Jato, Marcelo entregou ao Ministério Público Federal (MPF) cerca de 180 mensagens que recebeu de Maurício.

Nos depoimentos aos procuradores, Marcelo também destacava que não sabia responder sobre as negociatas da Braskem — braço petroquímico da Odebrecht —e que elas deveriam ser perguntadas diretamente a Maurício, que atuou por anos no jurídico da empresa.

Àquela altura, a relação de Marcelo com o pai, que já estava por um fio, foi rompida de vez. Emílio Odebrecht confidenciou a amigos que não acreditava na postura do filho de implodir a família e acusar de crimes o pai de seus cinco netos. Com isso, parou de buscar uma reaproximação com Marcelo. Os dois não se falavam desde os tempos em que o herdeiro da Odebrecht estava preso, há mais de dois anos. Em um dos últimos encontros que tiveram, quase chegaram às vias de fato. Neste ano, nem quando Emílio passou por uma delicada cirurgia cardíaca, houve qualquer tentativa de aproximação.

A prisão de Ferro diante dos olhos da mulher, Mônica, e dos cinco filhos, na casa deles, em São Paulo, caiu como mais uma bomba na família. Afastado da empresa desde o início do ano e dedicado à sua defesa, Ferro foi pego totalmente de surpresa. Ele havia pedido para deixar o cargo de vice-presidente jurídico do grupo após se tornar réu por suspeita de corrupção. Ontem, o advogado seguiu para o mesmo prédio em Curitiba onde o cunhado amargou dois anos e meio atrás das grades.

Maurício e Mônica fazem parte de uma longa lista de credores da Odebrecht, entre executivos e ex-executivos do grupo que atuaram como delatores no maior acordo de colaboração já feito dentro da LavaJato. Juntos, eles têm a receber R$ 438 milhões em incentivos e remunerações que não foram pagas pela empresa, cujo pedido de recuperação foi formalmente aceito pela Justiça em junho deste ano com dívidas de R$ 98,5 bilhões. Mônica, que também é advogada, tem a receber R$ 3,5 milhões. Já Maurício pede R$ 5 milhões.