Correio braziliense, n. 20519, 26/07/2019. Política, p. 2

 

Democracia sob ataque

Renato Souza

Rodolfo Costa

Alessandra Azevedo

26/07/2019

 

 

Apurações da PF mostram que os quatro presos em São Paulo hackearam integrantes dos Três Poderes, como os presidentes da Câmara e do Senado, ministros do STF e do STJ, procuradora-geral e até o presidente da República, Jair Bolsonaro

Com a prisão de quatro suspeitos de invadirem celulares de autoridades de todo o país, a Polícia Federal começa a avaliar a dimensão do ataque. A análise do material apreendido deixou claro que integrantes dos Três Poderes foram alvos da investida. Entre as vítimas estão o presidente da República, Jair Bolsonaro; a procuradora-geral da República, Raquel Dodge; os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre; além de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). As informações apontam que cerca de mil pessoas tiveram suas contas no Telegram invadidas. Os investigadores ainda analisam o conteúdo encontrado e colhem o depoimento dos acusados para entender as motivações e a amplitude do caso.
De acordo com o Ministério da Justiça, Bolsonaro foi informado do fato “por uma questão de segurança nacional”, o que indica a gravidade com que o Executivo está avaliando a situação. Ao comentar o caso, em uma solenidade de entrega de medalhas da Olimpíada Internacional da Matemática sem Fronteiras, em Manaus, o presidente afirmou que não trata de assuntos sensíveis por meio da troca de mensagens. Ele disse, ainda, não ter receio sobre o conteúdo de mensagens que possam ser vazadas. “Não estou nem um pouco preocupado se, porventura, algo vazar aqui do meu telefone. Não vão encontrar nada que me comprometa”, declarou. O chefe do Planalto citou, por exemplo, que informações relacionadas à Venezuela não são tratadas por telefone. Pelo Twitter, ele pediu punição aos autores da invasão. “Um atentado grave contra o Brasil e suas instituições. Que sejam duramente punidos! O Brasil não é mais terra sem lei”, emendou.
O presidente do Supremo, Dias Toffoli, foi informado por Moro que integrantes da Corte também tiveram os celulares hackeados. De acordo com informações repassadas pelo ministro da Justiça, mensagens de SMS e do Telegram dos magistrados foram obtidas pelos criminosos. Pela assessoria, o STF informou que não vai se manifestar.
O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, também foi um dos alvos. Ele também soube do ataque por meio de Moro. Davi Alcolumbre, por sua vez, repudiou as ações ilegais e destacou não ter preocupações com a eventual exposição do conteúdo. “Recebi a informação de que meu aparelho de celular teria sofrido tentativa de hackeamento. Embora tranquilo, pois não tenho nada a esconder, manifesto minha indignação com a invasão de minha privacidade e não posso deixar de reafirmar minha repulsa às atividades desses criminosos virtuais, pois elas também representam uma afronta aos poderes da República e à população brasileira”, declarou. No governo também se fala em ofensiva para desestabilizar os Três Poderes. Já Rodrigo Maia demonstrou surpresa ao ser informado que teve o celular acessado ilegalmente.
Procuradoria
A PGR divulgou que Raquel Dodge não teve arquivos de seu telefone interceptados pelos criminosos, apesar de ter sido uma das autoridades na mira dos invasores. “Ao analisarem o caso específico da procuradora-geral, técnicos da Stic (Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação da PGR) perceberam uma característica que chamou a atenção e que posteriormente foi um dos elementos centrais para se desvendar como se deram as invasões. É que, diferentemente de outros aparelhos que tiveram o aplicativo invadido, o de Raquel Dodge estava com a caixa postal desativada”, informou a instituição. Ainda de acordo com a PGR, 25 integrantes do Ministério Público Federal (MPF) tiveram os celulares invadidos.
As informações preliminares indicam que se trata de um grupo especializado em estelionato virtual. Fontes na PF apontam que é necessário periciar o material para saber de quais celulares, de fato, os invasores conseguiram interceptar conteúdos das conversas realizadas por meio de aplicativos.
Os alvos
» Jair Bolsonaro 
presidente da República
» Rodrigo Maia 
presidente da Câmara
» Davi Alcolumbre
Presidente do Senado
» Raquel Dodge 
procuradora-geral da República
» João Otávio de Noronha 
Superior Tribunal de Justiça
» Sérgio Moro 
ministro da Justiça
» Paulo Guedes 
ministro da Economia
» Deltan Dallagnol 
procurador da República no Paraná
» Ministros do STF
24 integrantes do MPF

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Hacker diz que passou dados a site

 

 

 

 

 

26/07/2019

 

 

 

Em depoimento à Polícia Federal, Walter Delgatti Neto, o Vermelho, um dos detidos pela corporação, disse que repassou ao The Intercept Brasil mensagens trocadas por procuradores da Lava-Jato e pelo ministro Sérgio Moro. Desde 9 de junho, o site publica trechos de supostos diálogos entre as duas partes, que foram usados para lançar suspeitas sobre a parcialidade do então juiz em casos da força-tarefa. De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, o acusado declarou que entregou as mensagens de forma anônima, sem cobrar recompensa financeira. O repasse dos conteúdos, segundo ele, ocorreu pelo aplicativo Telegram ao jornalista Glenn Greenwald, um dos fundadores do portal.
Walter Delgatti está sendo defendido por um advogado público federal e continua preso na Superintendência da PF em Brasília. Ele, assim como os outros três — Gustavo Henrique Elias Santos, Suelen Priscila de Oliveira e Danilo Cristiano Marques —, foi alvo de um mandado de prisão provisória, emitido pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília. Pelo Twitter, Glenn Greenwald disse que não fala sobre sua fonte.
O hacker usava sua conta no Twitter para compartilhar notícias publicadas na imprensa em torno do caso. Além disso, criticava o governo atual e exaltava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na conta dele, criada em 2010 no microblog, compartilhava posts contra o presidente Jair Bolsonaro e publicações de apoio ao petista. Ele também compartilhou mensagens publicadas por parlamentares do PT. A primeira postagem dele em relação às publicações do Intercept ocorreu em 9 de junho, justamente a primeira reportagem sobre o assunto divulgada pelo site.
O suspeito retuitou uma mensagem do deputado Helder Salomão (PT-ES) afirmando que as declarações de que era perseguido, feitas por Lula, estavam sendo provadas. Em maio, quando os diálogos ainda não eram públicos, ele publicava críticas às manifestações favoráveis a Bolsonaro e à reforma da Previdência. A frequência com que postava no Twitter aumentou após a revelação dos supostos diálogos.
A conta dele não tem tuítes referentes ao período de 2012 a 2018. Antes disso, em 2011 e 2010, as postagens se limitavam a comentários corriqueiros sobre ações do dia a dia, como comer e dormir. Após um longo período de inatividade, as mensagens voltaram, em 27 de maio deste ano, duas semanas antes das primeiras publicações das supostas conversas travadas por Moro e pelos procuradores. De acordo com o jornalista Lauro Jardim, do jornal O Globo, alguns dos tuítes foram feitos de Brasília. A PF deve investigar se ele esteve fisicamente na capital ou se outra pessoa do DF teria acessado a conta do hacker .
Expulsão
O presidente do DEM, ACM Neto (BA), emitiu nota, ontem, em que anuncia a expulsão de Walter Delgatti Neto, filiado ao partido. De acordo com o comunicado, o hacker descumpriu os deveres éticos previstos estatutariamente pela sigla. “Enfatizo, ainda, que Walter Delgatti não tem participação ativa na vida partidária da legenda”, disse.
ACM Neto também mencionou que o DEM não pode se responsabilizar pelas atitudes dos milhares de filiados. “Condenamos, de maneira veemente e dura, o cometimento de qualquer ato de irregularidade por quem quer que seja — filiado ao DEM ou a outras legendas”, destacou.