O Estado de São Paulo, n. 46041, 07/11/2019. Economia, p. B3

 

Governo vê ganho de R$ 12 bilhões com PEC

Adriana Fernandes

Idiana Tomazelli

07/11/2019

 

 

Estimativa se refere a repasse em um ano de recursos do pré-sal a Estados e municípios

Colnago. Para secretário, PEC abre caminho para resolver pendência envolvendo Lei Kandir

O governo estima que a chamada proposta de emenda à Constituição (PEC) do pacto federativo poderá representar, só no seu primeiro ano de vigência, a transferência de R$ 12 bilhões para Estados e municípios de recursos da exploração do petróleo que hoje são da União. Enviado anteontem ao Congresso, o texto prevê a divisão desses recursos ao longo dos próximos 15 anos.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o secretário especial adjunto de Fazenda do Ministério da Economia, Esteves Colnago, afirmou que esse seria o valor pago pelo governo de acordo com as últimas estimativas da Agência Nacional de Petróleo (ANP), que tem simulações e projeções dos royalties.

De início, os Estados e municípios devem receber 30% do que fica hoje com a União em termos de royalties e participações especiais de petróleo. Esse porcentual subiria 5 pontos a cada ano, até chegar a 70%. As projeções da ANP apontam receitas crescentes até 2028, que se estabilizariam num valor elevado até 2032.

A regulamentação da distribruição dos recursos vai prever que eles só poderão ser usados para novos investimentos, e não para o pagamento de pessoal e custeio da máquina.

Com a partilha da receita proveniente da exploração de petróleo – a promessa da equipe econômica é transferir pelo menos R$ 400 bilhões nos próximos 15 anos –, o governo espera ter o apoio para resolver uma disputa de anos com os Estados em torno do ressarcimento da Lei Kandir, que desonerou o ICMS das exportações.

“O petróleo está dando uma oportunidade para o Brasil fortalecer a federação por meio de uma receita futura”, disse ele.

Os Estados cobram uma fatura entre R$ 400 bilhões e R$ 700 bilhões pelas perdas passadas, por conta da Lei Kandir. O caso está no Supremo Tribunal Federal (STF), onde o governo negocia um acordo jurídico.

Colnago afirmou que será a partir desse debate que se decidirá, por exemplo, qual a fatia exata de cada Estado no bolo de recursos futuros. Ao mesmo tempo, será revogado o dispositivo que prevê a compensação da Lei Kandir. “É a oportunidade que tínhamos de colocar na PEC todo esse final de discussão que está no Supremo.”

A equipe econômica também incluiu na PEC um artigo que proíbe o governo federal de abrir linha de crédito para Estados e municípios pagarem precatórios (valores devidos após sentença definitiva na Justiça ). Os governos regionais encerraram o ano passado devendo R$ 113,5 bilhões em precatórios.

A medida, admitiu o secretário, acaba com a obrigação da União – incluída em emenda constitucional por parlamentares em 2017 – de abrir um linha de crédito para Estados e municípios pagarem precatórios. Essa determinação tem causado também impasse jurídico entre o governo federal e os Estados. Liminar recente, concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, obrigou a União dar um empréstimo para o Maranhão.

Educação. A PEC do pacto federativo ainda transfere para Estados e municípios a parcela que fica para os cofres federais do salário-educação, contribuição social paga por empresas destinada ao financiamento de 12 programas ligados ao ensino básico. Em contrapartida, governadores e prefeitos terão de assumir a totalidade das obrigações que são bancadas com os recursos, que vão desde a compra de merenda escolar e de material didático ao transporte de alunos e obras em escolas e creches.

“Passa o recurso e a atribuição. Isso é o pacto. O recurso está indo, mas a obrigação também. O Estado é que vai gerir o livro didático que tem que adotar, o tipo de merenda. Se alguma coisa tem o selo do pacto federativo, é essa medida”, afirmou o secretário.

Segundo Colnago, a expectativa inicial, depois de conversas com parlamentares, é de apoio à mudança no salário-educação. A medida pode abrir também espaço de R$ 9,3 bilhões no teto de gastos, mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação do ano anterior.

Ao retirar do Orçamento federal os pagamentos dos programas da rubrica do salário -educação – que são gastos obrigatórios –, o governo ganha margem para aumentar as chamadas despesas discricionárias, que incluem custeio e investimentos.

Oportunidade

“O petróleo está dando uma oportunidade para o Brasil fortalecer a Federação por meio de uma receita futura.”

Esteves Colnago

SECRETÁRIO ESPECIAL ADJUNTO DE FAZENDA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA

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Orçamento tem espaço para investimento 

Adriana Fernandes

Idiana Tomazelli

07/11/2019

 

 

Sem tempo para aprovar até o final do ano a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial, que aciona uma série de “gatilhos” para conter o avanço nas despesas, a equipe econômica vai mandar ao Congresso uma mensagem para modificar o projeto de Orçamento de 2020 para abrir mais R$ 12 bilhões de espaço para gastos de custeio e investimento.

O secretário especial adjunto de Fazenda, Esteves Colnago, disse que esse espaço será obtido com fim do adicional de 10% da multa do FGTS que as empresas pagam na demissão sem justa causa e com a revisão das previsões de despesas de pessoal.

Cada um desses dois itens garantirá cerca de R$ 6 bilhões de diminuição de despesas obrigatórias para o ano que vem, o que abre espaço no teto de gastos, mecanismo que impede o crescimento das despesas acima da inflação. Dessa forma, amplia-se o volume de gastos discricionários (investimentos e custeio) no Orçamento.

O secretário informou que, com a mensagem modificativa, o volume total de despesas discricionárias no Orçamento de 2020 sobe de R$ 89 bilhões para um patamar entre R$ 101 bilhões e R$ 102 bilhões, mesmo nível observado esse ano.

O assunto foi discutido ontem com o relator do Orçamento, deputado Domingos Neto (PSD-CE), que aguarda a mensagem para concluir seu parecer preliminar que precisa ser votado na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso para fazer a proposta caminhar. Neto inclusive segurou seu parecer para que o governo tivesse tempo de preparar a mensagem modificativa.

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'É como um rebaixamento para a 2ª divisão'

José Maria Tomazela

07/11/2019

 

 

Proposta do governo de extinguir municípios divide moradores de Quadra, 3.587 habitantes

A proposta do governo federal de extinguir municípios com menos de 5 mil habitantes com grande dependência dos repasses federais não agradou os moradores de Quadra, cidade de 3.587 habitantes, no sudoeste paulista. “Seria um retrocesso, é como voltar ao século passado”, disse o comerciante Elias Dias Carvalho, de 60 anos, dono do Bar do Eli Baiano, na praça central da cidade. Vereador pelo PSB, ele disse que a Câmara deve se posicionar contra a proposta na próxima sessão legislativa – são duas por mês, sempre à noite. Moradores discutiam o assunto, ontem, nos bares e “churrasquinhos” da Praça Chico Vieira.

O estudante Tiago Soares, de 22 anos, acha que a cidade será rebaixada e ficará dependente de outro município, “Será vergonhoso para Quadra, é como um rebaixamento para a segunda divisão.” Seu colega, Gustavo Guto, de 21 anos, defende a medida. “Acaba com a farra dos cargos políticos. Se a outra cidade der conta, não vejo mal.”

Os agricultores José Milton Barbosa, de 57 anos, e Isac Pereira Ramos, de 70 anos, também têm opiniões conflitantes. Eles discutiam a proposta ontem em um banco da praça. “Precisa voltar a distrito, sim, para reduzir as mordomias e o gasto de dinheiro público”, defendeu Barbosa. “Está bom como está. Quando Quadra era distrito de Tatuí, isso aqui era um lugar esquecido. Veja como está hoje, uma cidade com bons postos de saúde, asfalto nas ruas. Antes, era só terra vermelha.”

A prefeitura, maior empregadora da cidade, com mais de 300 funcionários, usa esse argumento para defender a permanência de Quadra como município. “Quadra se emancipou em 1993 e, nesses 23 anos, a mudança é inegável. A população quase dobrou e nosso orçamento, do ano passado para este, cresceu 5%, chegando a R$ 20 milhões”, afirmou o secretário de Planejamento e Gestão, Alexandre Luiz Soares.

Ele reconhece que o município, agrícola e sem indústrias, depende dos repasses estaduais e federais, e também dos empregos gerados pelos serviços públicos. Ontem, o prefeito Luiz Carlos Pereira (PSDB) tinha viajado para Brasília, na tentativa de conseguir recursos para a cidade.

“Nossa receita própria, com IPTU, ISS e taxas, mal atinge 10% do orçamento. Metade de tudo o que arrecadamos vem do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Outra parcela significativa é a cota do ICMS”, explicou o gestor. Ele explica que isso acontece porque a base da economia é rural.

Os moradores locais continuam dependendo de Tatuí, cidade mais próxima, onde ficam o fórum, o cartório de registro de imóveis e as faculdades. Os estudantes de Quadra são obrigados a viajar para fazer curso superior. A cidade tem apenas uma agência bancária. Soares reconhece que o habitante de Quadra depende de Tatuí até para nascer. “Temos unidades de saúde, mas não temos hospital com maternidade. Há muito tempo não nasce ninguém aqui.”