O Estado de São Paulo, n. 46042, 08/11/2019. Economia, p. B1

 

Governo avalia mudar regras para o pré-sal após novo leilão sem disputa

Denise Luna

Fernanda Nunes

Mariana Durão

08/11/2019

 

 

Petróleo. De cinco blocos oferecidos, só um foi arrematado pela Petrobrás, em associação com estatal chinesa; ministro da Economia afirma que ‘entendeu recado’ da falta de concorrência e que pode rever preços e também modelo de concessão nas próximas licitações

Leilão. Na 6ª Rodada de Partilha do pré-sal, 17 empresas foram habilitadas a participar pela disputa por cinco blocos

Pelo segundo dia consecutivo, as grandes petroleiras estrangeiras sumiram do leilão de áreas de petróleo promovido pelo governo brasileiro. A ausência foi entendida por autoridades e analistas como um recado de que o atual modelo se esgotou. Os leilões desta semana seguiram o regime de partilha, que foi duramente criticado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A intenção, segundo ele, é adotar também nas áreas de petróleo do pré-sal o regime de concessão, utilizado no Brasil desde 1999 para a venda de blocos localizados na camada pós-sal.

“Entendemos o recado e podemos pensar em rever preços ou mudar para concessão”, disse. No modelo de partilha, a Petrobrás tem direito de preferência em todas as áreas no limite de até 30% de participação e vence a disputa quem oferecer um porcentual de óleo maior para a União. Já no regime de concessão, a estatal perde esse privilégio e ganha quem oferecer o maior lance em dinheiro.

Mesmo tendo exercido ontem seu direito de preferência no leilão em três dos cinco blocos ofertados, a Petrobrás comprou, em conjunto com a chinesa CNODC, apenas o bloco de Aram, o maior e mais caro da rodada. As duas empresas vão pagar R$ 5,05 bilhões pela área e foram as únicas, das 17 habilitadas, a participar da 6.ª Rodada de Partilha de Produção.

Surpresa. A falta de concorrência surpreendeu o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, que dava como certa a venda de pelo menos três dos cinco blocos. “Queria que o leilão tivesse tido mais competitividade. Fui surpreendido pelo fato de a Petrobrás não ter exercido seu direito de preferência em três áreas? Sim”, afirmou, reforçando o coro para mudanças nas regras para atrair mais concorrência.

Segundo Oddone, chegou ao fim a “era dos bônus bilionários”, já que as áreas nobres do pré-sal estão se esgotando e os leilões terão de partir para novas fronteiras, onde o risco do produtor é maior e, por isso, o valor cobrado (bônus de assinatura) terá de ser menor.

Para Guedes, o regime de partilha é uma “herança institucional ruim” de governos passados. “Conversamos cinco anos sobre cessão onerosa e, no fim, deu “no show”, vendemos para nós mesmos”, reclamou, referindo-se ao fato de a Petrobrás ter sido a única compradora expressiva nos dois leilões realizados esta semana: do Excedente da Cessão Onerosa e a 6ª Rodada de Partilha de Produção.

“Com esse modelo de partilha não tem leilão. O que a Petrobrás quer, ela leva. O que sobra, fica com as demais. As concorrentes só levam se fizerem consórcio (com a Petrobrás)”, disse o ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e consultor David Zylberstajn.

Para analistas, os R$ 5,050 bilhões do leilão de ontem somados aos R$ 69,9 bilhões do megaleilão de quarta-feira são um saldo positivo, mas que poderia ter sido muito melhor. Somente este ano, o governo já arrecadou R$ 85 bilhões em leilões de petróleo, o que vai levar à redução expressiva do déficit fiscal.

Guru informal de Paulo Guedes, o professor Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial (CEM) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e expresidente do Banco Central (BC), também atribuiu a questões regulatórias o fracasso dos leilões.

“Para os megainvestimentos, como são esses do excedente da cessão onerosa, faz diferença, sim, a questão de concessão versus partilha. Talvez (a falta de lances) tenha sido um sinal interessante para chamar a atenção de que precisamos continuar avançando. Assim como flexibilizamos a questão do operador único (na regra original, só a Petrobrás podia operar) e do conteúdo local, falta rever essa questão da partilha, que é um modelo ineficiente”, afirmou Langoni.

A mudança regulatória para o pré-sal já era alvo de análise no Congresso Nacional antes mesmo da realização dos dois leilões do pré-sal. Com o resultado negativo, ganhou força a ideia de alterar as regras. 

MOTIVOS PARA FRUSTRAÇÃO DOS LEILÕES

• Transição energética vai derrubar preço do petróleo

O mundo ingressou num período de transição energética e, muito em breve, antes que os contratos dos últimos leilões cheguem ao fim, os combustíveis fósseis vão ser substituídos pelas fontes renováveis.

• Investidor prefere modelo de contrato do pós-sal

Com exceção do megaleilão de pré-sal, nas últimas licitações foram ofertadas áreas exploratórias e não de produção. Isso significa que o comprador não tem a certeza de que vai encontrar petróleo. É comum gastarem milhões de reais para chegar a lugar nenhum. Por isso, nesses casos, preferem contratos simples, sem muitas amarras que encareçam o projeto. O regime de concessão, e não o de partilha, é o preferido das petroleiras.

• Liderança da Petrobrás

Por lei, a Petrobrás tem o direito de operar os blocos da sua preferência. Isso faz com que as demais investidoras apresentem seus lances no escuro durante as rodadas, sem saber se o valor oferecido é compatível com a posição que terão no negócio.

• Insegurança na negociação com a Petrobrás

Ficou difícil para executivos das subsidiárias brasileiras convencerem suas matrizes que o présal vale a pena a qualquer preço.

• Intervenção do Estado

As empresas se incomodam com a presença da PPSA. Representante da União no pré-sal, cabe a essa empresa aprovar cada passo dos seus sócios nos projetos, principalmente as compras.

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Entrevista - Roberto Castello Branco: "A Petrob´ras não quer privilégio ou preferência'

Mariana Durão

08/11/2019

 

 

Para executivo, falta de interesse de investidor pode ter sido causada pelo sistema regulatório complicado do País

‘A Petrobrás não quer privilégio ou preferência’

Roberto Castello Branco, presidente da Petrobrás

O sistema regulatório do Brasil é complicado e isso acaba pesando na avaliação de qualquer companhia, disse ao Estadão/Broadcast o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, ao ser questionado sobre o motivo da ausência das grandes petroleiras internacionais no leilão do excedente da cessão onerosa e na 6.ª Rodada de Partilha de Produção.

O executivo afirma que a Petrobrás não quer ter nenhum privilégio ou preferência e que “abomina monopólios”. A incerteza sobre a compensação financeira a ser paga à Petrobrás foi apontada como um dos motivos do escasso interesse no leilão da cessão onerosa. “Temos de ter um ambiente mais pró-mercado”, defendeu, afirmando que concorda com o ministro da Economia, Paulo Guedes, para quem o modelo de partilha adotado no pré-sal brasileiro é uma herança institucional ruim.

Como o sr. avalia o resultado do leilão de hoje (ontem)?

Por lei, a Petrobrás é obrigada a manifestar com antecedência se tem interesse no bloco X, Y ou Z. Isso não significa que a Petrobrás vai fazer uma proposta, porque depende de uma avaliação criteriosa. Achamos que o ativo mais atrativo em termos de risco e retorno era o campo de Aram.

E os outros blocos em que a Petrobrás manifestou interesse?

Nos outros, mesmo que mais alguém manifestasse interesse não iríamos exercer o direito de preferência (em Norte de Brava e Sudoeste de Sagitário ). Aliás, a Petrobrás não quer nenhum privilégio, nenhuma preferência. Ela abomina monopólios e o exemplo disso é que estamos vendendo 50% do nosso parque de refino e nos comprometemos com o governo em sair totalmente da distribuição e transporte de gás, reduzindo nossa participação como compradores de gás de outras fontes.

Como o sr. interpreta a ausência das grandes petroleiras internacionais nos leilões do pré-sal? Isso é um recado sobre o modelo ou o problema são os ativos?

Em geral são ativos bons. Talvez tenha sido toda a complicação que é o sistema regulatório no Brasil. Isso deverá fazer com que o governo reflita sobre a estrutura regulatória e resolva mudá-la. O Brasil é muito complicado e essas complicações não existem em outros lugares. Você vai para a Guiana, que tem bons ativos no fundo do mar, não tem nenhuma complicação (regulatória). Vai para os Estados Unidos, no shale gas, não tem conteúdo local, regime de partilha, PPSA, cessão onerosa, preferência para uma empresa. Isso acaba pesando na avaliação de qualquer companhia.

O que precisa mudar?

Somos a favor da simplificação. Agora, a decisão é do governo. Petrobrás não é governo.

O sr. concorda com a declaração do ministro Paulo Guedes (Economia) de que o modelo de partilha é uma “herança institucional ruim”?

Sim, concordo. Como falei, as coisas que funcionam bem são as coisas simples. O mercado não gosta de coisas complicadas. O Brasil tem riquezas minerais muito valiosas, o que é uma condição necessária para atrair investimentos, mas não suficientes. Temos de ter uma ambiente mais pró-mercado.

O diretor de Exploração e Produção da Petrobrás mencionou que a estatal pode usar linhas de financiamento para arcar com o custo dos leilões. Pode dar detalhes?

Isso é questão interna. Posso dizer que vamos chegar ao fim do ano com o mesmo endividamento de setembro. Não vamos aumentar em nem mais um dólar a dívida.