O Estado de São Paulo, n. 46049, 15/11/2019. Política, p. A8

 

Jungmann: MP resiste a federalizar o caso Marielle

Ricardo Brandt

15/11/2019

 

 

Segundo ex-ministro, PGR pediu busca e apreensão em agência dos Correios ano passado para ter acesso a documentos da investigação

Indícios. Ex-ministro Jungmann em entrevista ao ‘Estado’: ‘Interesses políticos no crime’

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) resistiu de forma “injustificável” à federalização da investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), segundo o ex-ministro da Defesa e Segurança Pública, Raul Jungmann. Em entrevista ao Estado, Jungmann disse que a Procuradoria-Geral da República (PGR) precisou de um mandado de busca e apreensão numa agência dos correios do Rio, em agosto do ano passado, para ter acesso aos documentos da investigação.

Na opinião do ex-ministro, se o caso tivesse sido investigado na esfera federal já se saberia hoje quem foram os mandantes do crime e qual sua motivação. Marielle foi executada em 14 de março de 2018 junto com o motorista Anderson Gomes. A investigação apontou os ex-PMs Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz como autores dos disparos. Ambos negam participação no crime. “Se tivesse remetido o processo para a PGR desde o primeiro momento, nós hoje, muito provavelmente, saberíamos tanto quem foram os executores como o mandante”, disse o ex-ministro.

O MP-RJ repudiou as declarações de Jungmann e afirmou que o acionou formalmente para dar explicações à Justiça.

Logo após o crime, a então procuradora-geral, Raquel Dodge, sugeriu a federalização da investigação. O MP-RJ foi contra e conseguiu manter a apuração sob sua competência. Desde então, o caso passou por várias reviravoltas, com troca de delegados e promotores e suspeitas de obstrução. No último dia de mandato, Dodge apresentou denúncia criminal contra o ex-deputado e conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) Domingos Brazão e quatro pessoas – um delegado federal, um policial federal aposentado, um PM e uma advogada – por tentativa de obstrução da Justiça. No mesmo dia, a PGR pediu a federalização das investigações.

Buscas. Para conseguir acesso ao processo, a PGR precisou pedir um mandado de busca e apreensão, de acordo com Jungmann – a Polícia Federal (PF) estava sob a administração do seu ministério. Ele disse que os promotores do Rio enviaram à PGR dois números de protocolo para acompanhar o andamento da remessa dos documentos da investigação do caso. Segundo ele, nenhum dos dois códigos foi localizado pela PGR.

Para piorar, diz Jungmann, na mesma época “começava um processo de greve” nos Correios. “E a única forma de trazer esses autos para Brasília foi fazer uma retirada via busca e apreensão no próprio Correios”, afirmou o ex-ministro.

Embora relate uma resistência das autoridades cariocas com a federalização, Jungmann destacou que ainda faltam provas sobre os “interesses políticos no crime”. “Efetivamente não chegamos até essas provas. Agora, se fizer um retrospecto de tudo que disse, fica claro que a morte de Marielle é uma imbricação entre interesses lá do Rio de Janeiro de ordem política e que envolve as milícias.”

Para o ex-ministro, há indícios claros de que os promotores resistiram de forma “injustificável” à federalização da apuração. “Se você olha no retrospecto, você vê que ao longo do tempo houve sempre uma enorme injustificável resistência de uma federalização desse crime, que acho que era algo que deveria acontecer, que era obrigatório, pelas condições do Rio de Janeiro”, diz Jungmann.

Paralisação. O processo ficou parado por quase um mês devido à divulgação do depoimento de um porteiro do condomínio Vivendas da Barra, que disse que a entrada de Élcio no local no dia do crime foi autorizada por “seu Jair”, em referência ao presidente Jair Bolsonaro, que também mora lá. Segundo o MP-RJ, o porteiro mentiu, pois a gravação da portaria do condomínio mostra que a entrada de Élcio foi autorizada por Lessa. Os promotores devem ouvir o porteiro mais uma vez.

‘Injustificável’

“Se você olha no retrospecto, vê que ao longo do tempo houve sempre uma enorme injustificável resistência de uma federalização desse crime, que acho que era algo que deveria acontecer, que era obrigatório, pelas condições do Rio de Janeiro. Deveria ter acontecido desde a primeira hora.”

Raul Jungmann

EX-MINISTRO DA DEFESA

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Delegado agiu para enterrar outro inquérito, diz delator

Paulo Roberto Netto

Ricardo Brandt

15/11/2019

 

 

Segundo ex-presidente da Fetranspor, Hélio Khristian teria recebido propina para dar fim à apuração previdenciária

Colaborador. Lélis Teixeira fez acordo de delação premiada

O delegado aposentado da Polícia Federal Hélio Khristian de Cunha Almeida, acusado de obstruir as investigações no caso da morte da vereadora Marielle Franco, foi delatado por Lélis Teixeira, ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Rio de Janeiro (Fetranspor), por suposta participação em esquema para enterrar um inquérito sobre crimes previdenciários que envolviam a entidade que representa as empresas de ônibus.

No relato de Teixeira, Hélio Khristian teria recebido de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões de propina para dar fim a uma investigação que corria na Delegacia Previdenciária da PF no Rio. O caso ocorreu em 2017, afirmou o delator. O Estado teve acesso à delação premiada de Teixeira que está em segredo de Justiça. Ele relatou ter sido informado pelo então diretor financeiro da Rio-Ônibus, Enéas Bueno, sobre a abertura de um inquérito na PF, a pedido do Ministério Público Federal, que apurava a Fetranspor.

A informação sobre a investigação teria sido repassada por um advogado. Os alvos da apuração seriam as donos de empresas de ônibus do Rio.

Segundo a delação de Teixeira, o advogado teria oferecido uma “ajuda”, que seria destinada ao delegado de Polícia Federal responsável pelo caso – Hélio Khristian, lotado na Delegacia Previdenciária, no Rio. O delator disse que o esquema foi acertado por Enéas Bueno em um almoço com o delegado, em um restaurante próximo à Praça Mauá. A propina, conforme o ex-presidente da Fetranspor, teria sido quitada em parcelas.

Marielle. Hélio Khristian foi denunciado em outubro pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em um dos seus últimos atos no cargo. Segundo a procuradora-geral, o delegado teria obstruído as investigações do assassinato da vereadora com a participação do conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) Domingos Brazão, suspeito de ser o mandante do assassinato.

Marielle foi morta com nove tiros em março de 2018. De acordo com Raquel, foram colhidas provas de que Brazão teria influenciado no caso para evitar que os culpados pelos assassinatos da vereadora fossem identificados enquanto se buscava incriminar o miliciano Orlando Araújo e o vereador Marcelo Siciliano. A estratégia, segundo a então procuradora-geral, foi plantar informações falsas por meio da PF, via Hélio Khristian, para que elas chegassem à Polícia Civil do Rio.

Condenação. Hélio Khristian foi condenado, em 2016, pelo Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) por integrar esquema de simulação de inquéritos para cobrança de propinas de investigados. No ano seguinte, o tribunal anulou a condenação após a defesa alegar que o delegado foi condenado por um crime diferente do que foi denunciado.

Procurada, a defesa de Hélio Khristian não foi localizada.

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Promotoria chama críticas de 'levianas e aciona ex-ministro'

Ricardo Brandt

15/11/2019

 

 

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) divulgou nota em que “repudia, com veemência”, afirmações de Raul Jungmann sobre as investigações do caso Marielle e classifica as declarações do ex-ministro como “levianas”. Segundo o MP,

Jungmann foi acionado formalmente para dar explicações sobre quais são as “condições” do Rio de Janeiro que justificariam a federalização da investigação do caso Marielle. “Só assim será possível dissipar qualquer aura de leviandade e permitir que se apure e puna quem esteja atuando à margem da lei”, diz o texto.

Segundo a nota, “se houve pedido de busca e apreensão” nos Correios, a ordem “não se deu no âmbito do MP-RJ”.

“Não houve ofício com pedido de acompanhamento do trânsito de procedimento sobre suposta obstrução de Justiça”, afirma o MP. Ao responder ao questionamento da eficácia da investigação, a nota diz que “essa afirmação não vem acompanhada de qualquer elemento de convicção, sendo oportuno lembrar que o Parquet fluminense denunciou os executores do crime, que respondem a processo no IV Tribunal do Júri da Capital”.