O globo, n.31433, 29/08/2019. Sociedade, p. 24

 

Menos florestas, mais pastos 

Ana Lucia Azevedo 

Johanns Eller 

29/08/2019

 

 

Desde 1985 até 2018, o Brasil perdeu 89 milhões de hectares de áreas naturais em todo seu território, algo como 20 vezes a área do Estado do Rio. Essa perda acompanhou o ritmo dos rebanhos, pois a abertura de pastos é o principal motor do desmatamento: no mesmo período, a área destinada à agropecuária teve um aumento de 86 milhões de hectares.

Os dados, obtidos por satélites e geoprocessamento, foram apresentados ontem pelo MapBiomas —um projeto colaborativo de universidades, empresas de tecnologia e ONGs para mapear e monitorar a cobertura e uso da terra no Brasil.

Maior foco de atenção por conta de sua extensão e biodiversidade, a Amazônia ilustra o problema nas áreas desmatadas: de cada dez hectares da floresta que são derrubados, três são abandonados, seis viram pasto e um é empregado na agricultura e demais usos, como urbanização e mineração.

— É um retrato do desperdício e da degradação causada pelo desmatamento — afirma o coordenador do MapBiomas, o engenheiro florestal Tasso Azevedo.

A abertura de pastagens tem se reduzido no resto do país, segundo o MapBiomas, mas não na Amazônia Legal. Em 2005 havia 45 milhões de hectares de pastagens lá. Em 2018 essa área cresceu para 53 milhões de hectares.

— A pastagem avança sobre a floresta, e a agricultura, sobre a pastagem. Mas, na Amazônia, a pastagem continua a crescer, com abandono de áreas e baixa produtividade —salienta Azevedo.

—Temos cerca de uma vaca por hectare ou mata transformada em pasto do tamanho de um campo de futebol na Floresta Amazônica. É uma produtividade baixíssima e um péssimo uso da terra.

Segundo o climatologista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas do mundo em Amazônia, essa dinâmica é o método principal da pecuária na floresta.

—A mata é queimada e ocupada por uma pecuária de baixa tecnologia, que não faz manejo de pasto. Os nutrientes vão todos embora e surgem problemas como erosão. Depois, novas plantas começam acrescer,o produtor botafogo de novo e recomeça o ciclo. Dez ou 11 anos depois,a maioria abandona essas terras e desmata novas áreas.

Ainda de acordo com Nobre, essa prática pecuária, de baixíssimo rendimento, atende a outros interesses.

— É um modelo de ocupação do espaço florestal na Amazônia que tem muito mais a ver com a posse de terra e outros valores culturais, em um modelo expansionista.

REGENERAÇÃO ENGANOSA

A nova coleção de dados do MapBiomas mostrou o tamanho das áreas regeneradas no país —classificação que engloba as capoeiras, áreas de campo sujo, vegetação rasteira e florestas secundárias, com espécies de pouca exigência e baixa diversidade. Um retrato de uma natureza degradada, que, no Brasil, cobre 44 milhões de hectares.

— A tragédia é o tamanho das chamadas áreas em regeneração. É uma enormidade —afirma Azevedo.

Na Amazônia, segundo os novos dados, a composição florestal é de 66% de mata primária —ou seja, a Floresta Amazônica original— e 26% de vegetação secundária, sem o mesmo valor ecológico. Todas são verdes, parecem a mesma coisa a um olhar desavisado, mas só uma delas é preciosa.

Dentro dessa vegetação secundária estão também as áreas desmatadas, abandonadas e onde o mato tomou o lugar de gigantes da Amazônia, como mogno, massaranduba, cedro e ipês.

Diferentemente da Mata Atlântica, onde há alguns projetos de reflorestamento, quase a totalidade das áreas em regeneração na Amazônia e no Cerrado são aquelas onde a vegetação cresceu por si própria, explica Azevedo.

— E, ainda assim, só conseguimos mostrar áreas em regeneração há mais de seis anos, quando a cobertura vegetal já pode ser diferenciada com mais precisão pelos satélites. Áreas recém-desmatadas não aparecem nessa conta. Desmatar é à vista. Mas regenerar e, sobretudo, recuperar é a prazo —destaca ele.

AVANÇO DA AGRICULTURA

No Brasil, as pastagens pararam de crescer a partir de 2005. As áreas de agricultura, por sua vez, estão em crescimento. É um processo de transformação de áreas de pastagem em áreas de agricultura.

Para Azevedo, no atual ritmo de perda de florestas o país não conseguirá cumprir suas metas voluntárias:

— Temos um compromisso do Acordo de Copenhagen, que é a meta de reduzir 80% do desmatamento ilegal na Amazônia em relação à média do que se registrou entre 1996 e 2005. Isso significaria que o desmatamento em 2020 não deveria passar de 3.800 km².

Segundo o pesquisador, o mais próximo que o país chegou dessa meta foi em 2012, quando foi aproximadamente 4500 km². No ano passado foi tivemos 7800 km², esse ano, os números parciais indicam que teremos mais.

Das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, cerca de 70% a 72% provêm do chamado uso da terra. O desmatamento sozinho responde por cerca de metade das emissões brasileiras.

*Estagiário, sob orientação de Cristina Fibe