O Estado de São Paulo, n. 46004, 01/10/2019. Política, p. A8

 

Juristas divergem sobre direito de petista recusar semiaberto

Ricardo Galhardo

Vinícius Passarelli

Pedro Prata

Pepita Ortega

01/10/2019

 

 

Juíza pede certidão de conduta carcerária de ex-presidente; em carta, ele diz que não aceita ‘barganhar’ seus direitos

Curitiba. Lula concede entrevista na Polícia Federal

A juíza federal Carolina Lebbos, da Vara de Execuções Penais do Paraná, solicitou ontem à Superintendência da Polícia Federal no Estado que informe “a certidão de conduta carcerária” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A manifestação da juíza foi em resposta ao pedido de procuradores da força-tarefa da Lava Jato para que ela conceda o regime semiaberto a Lula. O petista afirmou, porém, em carta lida pelo seu advogado, que não aceita “barganhar” seus direitos e sua liberdade e que caberá ao Supremo Tribunal Federal “corrigir o que está errado”.

Preso em regime fechado desde 7 de abril de 2018 pela sentença do processo do triplex do Guarujá (SP), Lula cumpre a pena em uma sala especial na sede da PF em Curitiba. A defesa de Lula vinha sustentando que, por determinação do ex-presidente, não pedirá progressão de regime para o semiaberto.

Especialistas consultados pelo Estado divergem quanto à legalidade de um preso negar a progressão de regime.

Lula não afirma na carta, explicitamente, que recusa a progressão de regime. No entanto, o texto reforça o discurso adotado pelo ex-presidente de que não utilizará de nenhum artifício jurídico para deixar a prisão que não seja sua declaração de inocência.

Para o criminalista e doutor em Direito Penal pela USP Conrado Gontijo, um preso não tem liberdade para tomar a escolha de acatar ou não a progressão de pena. “A Lei de Execuções Penais de uma forma muito clara no artigo 112 prevê que a pena privativa de liberdade deve ser executada de forma progressiva”, disse.

Já o criminalista Fernando Castelo Branco acredita que o ex-presidente tem o direito de recusar a progressão. “Não é uma imposição. Então, como direito, não sendo uma atividade a qual ele está obrigado a acatar, diferentemente do inverso que seria a prisão, ele tem toda a possibilidade de recusa.”

Ontem, o advogado do petista, Cristiano Zanin, disse que a Justiça ainda não havia encaminhado a intimação sobre a progressão da pena. “Ele (Lula) não aceita qualquer condição imposta pelo Estado porque não reconhece a legitimidade do processo que o condenou”, afirmou Zanin. A defesa do petista protocolou um pedido de urgência no STF para o julgamento do pedido de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça.

Os procuradores da Lava Jato avaliam que o petista “encontra-se na iminência de atender ao critério temporal”, ou seja, o cumprimento de um sexto da pena na condenação no caso do triplex. Em seu despacho, a juíza ainda autorizou o recálculo da multa de R$ 4,1 milhões imposta ao ex-presidente, valor questionado judicialmente desde agosto. O pagamento da multa é um dos condicionantes para a progressão de pena.

Livro de Janot

O procurador Moacir Morais pediu ao Conselho Nacional do MP a apreensão do livro Nada Menos que Tudo, de Rodrigo Janot. O ex-PGR disse que planejou matar Gilmar Mendes – ele relata o caso na obra, sem citar nomes.

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Lula livre?

Eliane Cantanhêde

01/10/2019

 

 

Lula livre ou Lula preso? Esse é o debate da semana, capaz de envelhecer prematuramente a confissão chocante de Rodrigo Janot e deixar em segundo plano a retomada da reforma da Previdência, a derrubada de mais um lote de vetos do presidente Jair Bolsonaro e o fica não fica do senador Fernando Bezerra na liderança do governo.

A história é razoavelmente simples: a legislação diz que presos com bom comportamento podem evoluir para o regime semiaberto depois do cumprimento de 1/6 da pena, como é o caso de Lula pelo triplex do Guarujá. Logo, já pode ser beneficiado pela progressão de pena e não será ilegal se a Justiça conceder a troca de Curitiba para São Bernardo.

Porém, nada com Lula é simples, tudo é complexo e questionável. Quinze procuradores pediram que o ex-presidente saia da prisão, entre eles Deltan Dallagnol, chefe da Lava Jato e apontado por petistas como líder da força-tarefa anti-Lula. E o que fazem Lula e seus advogados? Passam dias discutindo o que é mais conveniente politicamente para o preso, até Lula escrever uma carta “ao povo brasileiro”, à mão, num tom entre vitimista e heroico e desdenhando: “Não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade”.

Por que os procuradores pediram a liberdade de Lula? E por que Lula deu de ombros e respondeu que não? Nem Dallagnol e seus colegas querem ser bonzinhos com Lula, nem Lula, ou qualquer outro preso, prefere ficar trancafiado a ganhar a liberdade. Principalmente com nova namorada. Aliás, que “barganha”? Ninguém barganhou nada. Cumpriu o tempo, sai.

O que está por trás, nos dois comportamentos de certa forma estranhos, é um cálculo que também é jurídico, mas principalmente político: os dois lados apostam suas fichas no Supremo. A liberdade em função de uma tecnicidade jurídica é diferente de uma vitória no plenário da alta Corte.

É ali, com os 11 ministros em tom grave e paramentados com suas capas pretas, que será o grande embate das forças pró-Lava Jato e anti-Lava Jato. E Lula, sempre ele, estará no centro dos debates, divergências e resultados.

Amanhã, o plenário já esquenta as baterias, concluindo o julgamento curioso, muito curioso, que devolve para a fase das alegações finais os processos em que os condenados reclamam que, como delatados, tinham o direito a falar após os delatores, em nome do “amplo direito de defesa”.

Para não virar uma festa, os ministros pretendem definir uma tal de “modulação”, mas não é nada fácil. Até ontem, a maior probabilidade era que só tivessem direito a rever suas condenações, logo, sentenças, aqueles cujos advogados já tivessem entrado previamente com pedidos nesse sentido. E não se descarta que a proposta da ministra Cármen Lúcia entre no bolo: a revisão só valeria para os que tiveram real “prejuízo” por não serem os últimos a falar. Como e quem vai avaliar o prejuízo? Em quanto tempo? Ninguém tem a menor ideia.

Depois, vem por aí uma enxurrada de julgamentos que parecem feitos sob medida para Lula. O primeiro deverá ser o pedido de suspeição do então juiz Sérgio Moro, pedido agora bastante reforçado com as revelações das conversas entre procuradores e entre eles e o juiz.

Só então, sentindo o terreno, viria o grande lance: derrubar a prisão após condenação em segunda instância. No caso de Lula, não mais pelo triplex, mas pelo sítio, que deverá ser, logo, nova condenação dele.

No mundo político, a questão é saber se Lula se anima e se tem força para liderar a resistência a Bolsonaro nas ruas. Quem lembra a reversão de expectativas na prisão de Lula aposta que, apesar de seus 30% nas pesquisas, ele não move mais as massas. Sai da cadeia, vai para casa e fica tudo como está. A ver.