Valor econômico, v.19, n.4735, 23/04/2019. Política, p. A6

 

AGU é favorável ao inquérito sobre 'fake news'

Luísa Martins 

Mariana Muniz 

Flávia Motta

23/04/2019

 

 

A Advocacia-Geral da União (AGU), representante do presidente Jair Bolsonaro na Justiça, manifestou-se ontem pela manutenção do inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar casos de ataques, ameaças e "fake news" contra ministros da Corte.

A manifestação foi enviada nos autos da ação protocolada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) contra a continuidade da investigação, já que não há a participação do Ministério Público Federal (MPF) no processo.

Foi no âmbito desse inquérito que o relator, ministro Alexandre de Moraes, impôs (e, mais tarde, revogou) censura à revista "Crusoé" e determinou buscas em computadores de internautas que supostamente caluniaram ministros nas redes sociais.

O procedimento tem causado desgaste entre o Supremo e a Procuradoria-Geral da República (PGR). A chefe do MPF, Raquel Dodge, tem insistido que a Constituição não admite que o órgão que (no caso, o Supremo) seja o mesmo que investigue e acuse, sob pena da invalidar as provas colhidas durante as diligências.

O ministro-chefe da AGU, no entanto, discorda. Ele sustentou que, mesmo que isso contrarie a praxe, Toffoli tem a prerrogativa de abrir a investigação por iniciativa própria, isto é, sem ser provocado por pedido da PGR.

"Por se tratar de hipótese de delegação, trata-se de autorização normativa para a transferência de função originariamente atribuída à presidência da Corte para outro de seus ministros", escreveu Mendonça, sobre o fato de Toffoli ter designado um relator de sua própria escolha.

O advogado-geral também minimizou a não participação do MPF no processo. Segundo ele, "não há qualquer indício de que a Corte teria a pretensão de oferecer denúncia criminal". Essa é uma atribuição constitucional da PGR, mas a própria Dodge já adiantou que não irá ocorrer.

Ontem, pela primeira vez após a crise, ela e Toffoli encontraram-se pessoalmente. O presidente do STF disse que a procuradora demonstrou apoio à Corte e que sua discordância sobre o inquérito é pontual. "Expliquei que, quando o inquérito for concluído, será enviado ao MP para o prosseguimento devido. Ninguém vai usurpar a competência de ninguém", afirmou ele à TV Globo. Já Dodge, na saída, limitou-se a observar que o encontro foi "excelente".

Fontes dos dois órgãos dizem que a "trégua" é benéfica para as duas partes. Por um lado, é Dodge quem irá analisar o documento em que o delator Marcelo Odebrecht menciona Toffoli, epicentro da censura à "Crusoé". Do outro, no cenário em que a procuradora-geral busca sua recondução ao cargo, contar com o apoio do Poder Judiciário seria essencial.

Em participação em um fórum jurídico em Lisboa, ontem, Moraes justificou sua decisão de censurar a reportagem, segundo a qual Toffoli era apelidado de "o amigo do amigo do meu pai" nos e-mails internos da Odebrecht.

"Você não pode prejudicar a honra de uma pessoa quando há uma nota oficial da PGR que dizia não ter conhecimento de qualquer documento. Depois, constatada a existência do documento, o que vai ser investigado agora é o vazamento", disse ele.

Para o ministro, a divulgação de informações sigilosas é parte da tentativa de desmoralizar o STF, foco principal do inquérito. "É um verdadeiro sistema que vem se montando para retirar credibilidade das instituições."

Em relação a Dodge, Moraes afirmou que "é lícito que ela tenha a sua opinião", mas que "o Judiciário não precisa concordar" com as posições do MPF.

A ação da ANPR que pede a anulação do procedimento é de relatoria do ministro Edson Fachin, que já intimou Moraes e a se manifestar sobre o caso. Segundo interlocutores de Fachin, ministro tido como defensor das decisões colegiadas, o caso deve ser levado à apreciação do plenário, ocasião em que Toffoli e Moraes tendem a sair derrotados.