O globo, n.31367, 24/06/2019. País, p. 04

 

Cargos a preencher 

Natália Portinari 

Bruno Góes 

24/06/2019

 

 

Governo frustra parlamentares ao ignorar indicações pedidas há 3 meses

A nova estrutura anunciada no fim da semana passada pelo Planalto para melhorar as relações com o Congresso assume com um desafio: o novo ministro da Secretaria de Governo, o general Luiz Eduardo Ramos , que assumirá a articulação política no lugar do ministro da Casa Civil,Onyx Lorenzoni , tem em mãos indicações feitas por parlamentares para cargos nos estados que até agora não saíram do papel.

O GLOBO levantou que ao menos 75 nomes foram indicados à Casa Civil desde março, quando o próprio governo sinalizou que gostaria de receber a sugestão de nomes técnicos para preencher cargos. Todas as ideias foram ignoradas pelo Planalto até o momento.

Há indicações de parlamentares de cargos nos estados em órgãos como Ibama, Funasa, Incra, Codevasf, Secretaria de Patrimônio Urbano e outros braços dos ministérios.

A demora em efetivar as demandas acertadas com parlamentares são apontadas por congressistas como um dos motivos que dificultam o clima para o Planalto entre deputados e senadores. O governo vem sofrendo derrotas sucessivas e nesta semana pode ver ser rejeitado pela Câmara o decreto das armas, uma das bandeiras de campanha do presidente Jair Bolsonaro.

A responsável por coletar as indicações é Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso. Ela reclamaa interlocutores que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, não conseguia fazer valer o poder de sua caneta e que um dos problemas é o fato de outros ministros não aceitarem as indicações. A deputada também ressalta que há um processo rigoroso de seleção e que as nomeações seguem os critérios do decreto do “banco de talentos”, que exige ficha limpa e experiência.

Para não negociar com a cúpula dos partidos, a Casa Civil havia optado por pedir aos coordenadores de bancadas estaduais no Congresso para compilar os nomes em seus estados. O ex-coordenador do Maranhão, Hildo Rocha (MDB), conta que enviou uma lista de doze nomes há mais de um mês. Nenhum foi nomeado, sem que houvesse uma justificativa para o parlamentar.

— Não teve nada. Que eu saiba, do Maranhão, nenhum foi nomeado. Não rolou nada, zero. O governo precisa parar de prometer e não entregar.

Os coordenadores das bancadas de Rondônia e Espírito Santo fazem coro às reclamações — suas indicações também não andaram no governo federal.

— Está tudo parado, não foi nomeado ninguém — diz Lucio Mosquini (MDB), coordenador da bancada de Rondônia — Está demorando muito e os parlamentares acabam desistindo, porque dá mais problema do que resultado. Ninguém está atrás de carguinho. O governo vai perdendo esse compromisso de alinhamento quando não cumpre a parte dele.

— Isso tem incomodado, porque eu virei interlocutor do governo e gerei uma expectativa de algo que foi discutido em março e não foi para frente — diz Da Vitória (Cidadania), coordenador do Espírito Santo. — Nunca vi em lugar nenhum um tempo de avaliação como esse. Compromisso é algo sério, só devemos fazer se for cumprir.

Coordenador da bancada do Rio de Janeiro, o deputado Hugo Leal (PSD) diz que foi apresentado a uma planilha de cargos regionais pelo governo e fez encaminhamentos de pedidos de colegas.

— Eu fazia o encaminhamento. A informação que eu tenho de pessoas mais próximas ao governo é que não saiu nada. Mas também não é minha função monitorar. Passei para pessoas mais próximas ao governo.

Aliados atendidos

Há nomeações saindo a conta-gotas em alguns estados, mas de nomes ligados ao PSL, partido de Bolsonaro, ou a figuras do próprio governo. Maura Jorge, candidata do partidoao governo do Maranhão nas últimas eleições, foi nomeada na última quarta-feira para a superintendência da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) no estado. Na lista encaminhada pelo deputado Hildo Rocha, por exemplo, este era um dos cargos pleiteados.

No Rio Grande do Sul, o ministro da Casa Civil indicou um aliado, André Cecchini, para a superintendência do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) em abril. O grupo controla um orçamento de R$ 1,5 bilhão e é um dos cargos mais cobiçados do estado. Também foram nomeados um diretor ligado ao DEM, Claudio Oliveira, e outro ligado ao MDB, Francisco Paz. O último, segundo deputados gaúchos, seria um indicado do ministro da Cidadania, Osmar Terra.

Na Bahia, o vice-líder do governo, José Rocha (PL), indicou Maria Quitéria (Avante) para a Gerência de Assuntos Estratégicos da Companhia das Docas do Estado da Bahia (Codeba). Ligada à esquerda, foi exonerada por Onyx logo após a nomeação, em março. José Rocha, porém, contornou a situação, e Quitéria continua nomeada no cargo até o momento.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Em meio a derrotas no Congresso e STF, iniciativas de aproximação falharam 

Gustavo Maia 

24/06/2019

 

 

Uma iniciativa vista como gesto de aproximação do governo com o mundo político foi rechaçada na última sexta-feira pelo presidente Jair Bolsonaroao mesmo tempo em que ele mudou de mãos a articulação política do Palácio do Planalto. Para o presidente, a ideia de criar um conselho com dirigentes de partidos foi “natimorta”.

O governo acabara de entrar no quarto mês quando Bolsonaro, cobrado pela falta de interlocução com as siglas e em busca de apoio para a aprovação da reforma da Previdência, deu início a uma série de reuniões com dirigentes e lideranças de diversas legendas, em 4 de abril. Na ocasião, fez um convite para que os chefes das legendas integrassem um conselho que se reuniria mensalmente, para levar propostas ao Executivo. Os primeiros convidados foram representantes de PRB, PSD, DEM, PP, PSDB e MDB.

A intenção era que o grupo servisse como “aconselhamento para o governo”, nas palavras do ministro-chefe da Casa Civil, então articulador político do Planalto, Onyx Lorenzoni. Sem qualquer sinal de que a iniciativa seria concretizada, o presidente foi questionado sobre o conselho na última sexta-feira, dois meses após o convite.

— Natimorto. Não deu certo. Vimos depois do anúncio que ia apenas burocratizar e não daria certo — respondeu Bolsonaro, sem dar detalhes sobre a desistência, durante entrevista coletiva em Brasília.

Outra iniciativa que poderia azeitar a relação de Bolsonaro com o mundo político foi exposta em fevereiro pela primeira vez, mas até agora não andou. Proposta pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, a assinatura de um “pacto de entendimento e metas” entre os chefes do Executivo, Legislativo e Judiciário foi encampada por Bolsonaro. Inicialmente, o texto incluía cinco pontos: reforma da Previdência, reforma tributária, pacto federativo, segurança pública e desburocratização da máquina.

A Casa Civil da Presidência ficou responsável por fazer uma nova versão e apresentá-la aos possíveis signatários, o que ocorreu no último dia 28 de maio, durante café da manhã no Palácio da Alvorada, a Bolsonaro, Toffoli e aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Na saída do encontro, Onyx afirmou que o pacto foi “praticamente validado por todos” e estimou para o dia 10 desse mês — duas semanas atrás — o ato para formalizar a assinatura. A iniciativa, no entanto, encontrou resistência entre lideranças na Câmara e também entre ministros do STF, sendo adiada indefinidamente.

Ao ser indagado no sábado se o pacto ainda estava nos seus planos, Bolsonaro destacou a necessidade de diálogo, mas minimizou a importância da assinatura de um documento conjunto.

— Com todo o respeito, nem precisava ter um pacto, isso tem que ser do coração teu, do teu sentimento, da tua alma. Temos que conversar entre nós, sim, até o Judiciário também entra nessa conversa. A questão é que tem que vir de um sentimento nosso — declarou.