O globo, n.31369, 26/06/2019. País, p. 06
Pela culatra
Bruno Góes
Daniel Gullino
Eduardo Bresciani
Gustavo Maia
Jussara Soares
Natália Portinari
26/06/2019
Para evitar derrota, governo promete recuo nas armas, mas cria novo projeto
Em um dia de idas e vindas, o governo se comprometeu com o Congresso a recuar de pontos polêmicos nos decretos das armas, mas uma série de dúvidas sobre o tema persistiam até a noite de ontem.
O acordo foi construído para evitar uma derrubada definitiva das medidas adotadas pelo presidente Jair Bolsonaro flexibilizando a posse e o porte de armas, tema que seria enfrentado pela Câmara ontem.
No fim da noite, outra iniciativa de Bolsonaro deixou o cenário ainda mais complexo no Congresso. O presidente enviou um projeto de lei que, se aprovado, dará ao Executivo a permissão de, por decreto, ampliar o porte de armas para outras categorias, além daquelas especificadas em lei, entre outras medidas. Foi justamente esta uma das principais questões levantadas por parlamentares para derrubar o decreto.
Desde cedo, o dia foi marcado por declarações desencontradas de integrantes do Palácio do Planalto. Pela manhã, o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, descartou qualquer possibilidade de o governo desistir das medidas. No início da tarde, porém, Bolsonaro “mudou de posição”, segundo Rêgo Barros. Três novos decretos foram editados, um deles revogando as medidas anteriores do governo na área.
No mesmo texto, ao contrário do prometido pelo governo durante o dia, retornava-se praticamente de forma integral ao conteúdo que estava prestes a ser derrubado pela Câmara ontem. Os decretos deixavam em vigor, por exemplo, a possibilidade de cerca de 20 categorias terem direito ao porte de armas, a liberação para a compra de até cinco mil munições e o acesso a armas de alto impacto, o que abriria brecha até para compra de fuzis.
Diante da reação negativa de parlamentares, o governo voltou atrás mais uma vez e prometeu revogar um dos decretos de Bolsonaro.
Desde cedo, o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) anunciavam que havia um acordo, para contemplar a edição de novos decretos e a tramitação de projetos de lei para debater o “porte rural” (a permissão para andar armado em toda a propriedade, e não só na sede), a flexibilização de regras para colecionadores, atiradores e caçadores (CACs), e a análise da extensão do porte a outras categorias.
Onyx chegou a ir ao Congresso e repetiu que a ideia era revogar os temas mais polêmicos.
— No acordo que foi construído, vai ser produzido agora à tarde, pela equipe do ministro Jorge Oliveira (Secretaria-Geral), o decreto em que nós vamos trazer todo o regramento atual, que existe desde 2004 — afirmou o ministro da Casa Civil.
O presidente da Câmara se mostrou satisfeito com o movimento do governo e afirmou que a revogação das medidas polêmicas, prometida novamente pelo Planalto, daria solução ao caso.
— Um terceiro (decreto) eu acho que ele vai refazer e vai reeditar um decreto, que teve validade durante o governo Lula. Então, ninguém nunca questionou esse (do governo Lula) —disse Maia.
INCERTEZA
O texto mencionado por Onyx e Maia é baseado no Estatuto do Desarmamento, justamente o que o presidente Jair Bolsonaro tentou alterar por meio dos decretos. O Palácio do Planalto não divulgou até o fechamento desta edição qual o texto que deve ser publicado.
Em paralelo, senadores ligados ao governo apresentaram outros projetos sobre o tema. Três parlamentares do PSL, incluindo Flávio Bolsonaro (RJ), e o líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), protocolaram proposta que trata de posse e porte de armas, com teor semelhante aos decretos revogados pelo governo. O texto também é assinado pelo líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), e por Soraya Thronicke (PSL-MS).
VAI E VOLTA
11:00
Porta-voz garante que decretos não serão revogados
15:00
Líderes na Câmara dizem que Onyx prometeu revogação
Governo faz revogação, mas edita três novos decretos
Governo anuncia oficialmente a revogação com mais um decreto
Entidades dizem que houve 'desprezo institucional'
26/06/2019
Para Fórum de Segurança Pública, reedição de decretos foi ‘mero artifício’; Instituto Sou da Paz considerou atitude um ‘deboche’
A decisão do governo Bolsonaro de revogar dois decretos sobre posso e porte de armas e, ao mesmo tempo, publicar outros três com teor semelhante foi criticado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública . Para a entidade, a decisão demonstra “desprezo institucional” pelo tema e falta de disposição para debater o assunto.
Julgamento adiado
Já o Instituto Sou da Paz considerou a atitude do governo um “deboche” e lamentou a “total falta de direção” na condução da política nacional de armas de fogo.
“Ao editar mais três decretos, somando seis novas normas em seis meses de governo, o presidente Jair Bolsonaro desrespeita as instituições da República e brinca com a vida de brasileiros e brasileiras vítimas da falta de controle de armas, e relega à absoluta insegurança jurídica o bom trabalho de policiais, promotores e juízes em aplicar as normas vigentes”, disse, em nota o Sou da Paz.
Atendendo um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, retirou da pauta de julgamento de hoje ações que questionam o decreto que flexibilizou o porte de armas no país. Não há definição de quando o assunto será analisado.
As ações alegam que Bolsonaro, ao liberar o porte para várias categorias profissionais, extrapolou os limites do que lhe é permitido fazer. Isso porque um decreto presidencial não poderia ir além das balizas estabelecidas pela lei que instituiu o Estatuto do Desarmamento.
Antes de Bolsonaro reeditar os decretos de armas ontem, a expectativa já era que o STF adiasse o julgamento. Os ministros estão divididos sobre o assunto. Alguns deles consideram prudente que a decisão seja tomada primeiro pelo Congresso. Outros entendem que o Supremo não deve abrir mão de seu papel de declarar a medida inconstitucional, se assim a compreender.