Valor econômico, v.19, n.4734, 22/04/2019. Política, p. A5

 

Plenário do STF tende a derrotar Toffoli e Moraes 

Luísa Martins 

22/04/2019

 

 

Se o inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar casos de ameaças e "fake news" contra integrantes da Corte chegar ao plenário - como têm defendido alguns ministros -, a tendência é que o colegiado determine seu arquivamento ou, pelo menos, entenda ser fundamental a participação do Ministério Público Federal na condução do processo. Aberto em 14 de março por iniciativa do presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli, a investigação é alvo de ao menos sete pedidos de anulação. O argumento central é o de que o inquérito é genérico e dá margem para decisões arbitrárias do ministro Alexandre de Moraes, relator designado por Toffoli.

De acordo com interlocutores dos ministros, consultados pelo Valor, Toffoli e Moraes sairiam derrotados em plenário. Os ministros Edson Fachin, Celso de Mello, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello tenderiam a votar ou pelo arquivamento do inquérito, ou pela correção dos seus rumos. Apenas Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski devem apoiar Toffoli e Moraes.

Na semana passada, a censura à revista digital "Crusoé", articulada por Toffoli e Moraes, causou duplo desgaste: um interno, entre os ministros, já que muitos discordaram da medida; e outro entre o Judiciário e a Procuradoria-Geral da República. A operação que resultou em buscas nos computadores de sete tuiteiros que supostamente caluniaram ministros também não foi bem recebida, tanto por uma ala do STF quanto pelo MPF.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tem insistido que a Constituição não admite que o órgão que julga (no caso, o STF) seja o mesmo que investigue e acuse, sob pena tornar inválidas as provas na hora de um eventual juízo de condenação.

Os pedidos de arquivamento do inquérito estão sob a relatoria do ministro Fachin, que já intimou Moraes a se manifestar. Fachin, segundo auxiliares, costuma apreciar decisões colegiadas. Portanto, há expectativa de que ele submeta esse debate ao plenário da Corte. A questão é que o agendamento de uma data cabe ao próprio Toffoli - por sua vez, o "dono" do inquérito contra as "fake news".

Ao recuar, na última quinta-feira, da censura que ele mesmo havia imposto à revista, Moraes amenizou os ânimos da Corte, mas a fissura ainda não cicatrizou. Segundo fontes ouvidas pelo Valor, presidente e relator "foram longe demais" ao determinar a retirada do ar da reportagem, segundo a qual o codinome "amigo do amigo de meu pai", usado por Marcelo Odebrecht em e-mails, se referia a Toffoli. Prova disso, dizem essas fontes, foi a manifestação pública e enfática do decano, Celso de Mello, contra a medida.

Em entrevista ao Valor, publicada na quinta-feira, Toffoli disse que não se tratava de censura: "Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim". O argumento de Toffoli causou perplexidade em segmentos do Judiciário. O entendimento prevalente da Corte é o de que a censura manchou a imagem de um STF que sempre prezou pela livre manifestação do pensamento, como no caso da liberação das biografias não autorizadas e da permissão de conteúdos de sátira durante as eleições.

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Ofensiva de ministro foi 'infeliz', diz pesquisador

César Felício

22/04/2019

 

 

O fogo cerrado sobre o Supremo Tribunal Federal, alvo de um pedido de CPI ainda a ser deliberado pelo Senado e de articulações de senadores pelo impeachment de ministros, coloca a democracia em situação de risco. O conflito envolvendo o Judiciário agravou-se depois da abertura do inquérito feito pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, para apurar "fake news", que culminou na censura por alguns dias de reportagem da revista digital "Crusoé" e no bloqueio de perfis em redes sociais. O inquérito desgastou ainda mais a imagem do STF. A apreensão sobre a qualidade da democracia brasileira após estes episódios parte do cientista social Luiz Werneck Vianna, professor da PUC do Rio de Janeiro e estudioso do Judiciário.

Para Werneck Vianna, a ação de Dias Toffoli de tomar a ofensiva foi "infeliz", uma vez que catalisou um movimento prévio de cerco ao Judiciário. "Faz sentido enfraquecer o Supremo? Faz, quando o que se pretende é alterar a Constituição. Nossa Constituição tem inspiração na social-democracia. O Supremo é o guardião da Carta. A aposta do neoliberalismo do ministro da Economia, Paulo Guedes, é a de fazer um desmonte da nossa história", disse ao Valor.

O pesquisador relembra iniciativas que podem desestabilizar o Judiciário, como gestões que alteram a composição da Corte. Deputados do PSL apresentaram projetos para revogar a "PEC da Bengala", que estabeleceu a aposentadoria compulsória aos 75 anos. A ideia é abaixar a idade, de modo a permitir ao presidente Jair Bolsonaro indicar mais ministros. Na regra atual, Bolsonaro poderá indicar dois integrantes nas vagas de Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, que se aposentarão. Durante a campanha, Bolsonaro defendeu a ampliação de 11 para 21 membros do STF, mas a ideia foi abandonada.

Para Werneck Vianna, há uma "demonização" do ministro Gilmar Mendes para se enfraquecer o Supremo. Gilmar é um dos principais alvos de ativistas nas redes sociais, por ser crítico da Operação Lava-Jato e um dos defensores da revisão do entendimento do início do cumprimento de pena após trânsito em julgado na segunda instância.

O cientista social afirma que falta no atual STF uma liderança que construa pensamentos hegemônicos. Em tempos recentes, de acordo com Werneck Vianna, este papel foi exercido por Nelson Jobim (ministro entre 1997 e 2006) e Sepúlveda Pertence (esteve na Corte de 1989 a 2007). "Houve a entrada no colegiado de ministros que são mais homens da academia do que juízes, atuam mais como professores, defendem teses. É o caso do [Luiz Roberto] Barroso. A unidade do Supremo se quebrou", afirmou. Segundo Werneck Vianna, "não há no Supremo de hoje liderança intelectual, ou histórico que sustente uma posição de protagonismo". O pesquisador cita Celso de Melo como uma liderança moral, mas ressalva que o ministro não busca protagonismo no STF.