Correio braziliense, n. 20496, 03/07/2019. Cidades, p. 17

 

Cautela internacional na área tombada

Helena Mader

03/07/2019

 

 

Urbanismo » Relatório sobre o estado de preservação de Brasília será debatido nesta semana durante encontro do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, no Azerbaijão. A capital é a única no Brasil a receber questionamentos da entidade

O Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco pediu ao governo brasileiro um relatório sobre o estado de conservação de Brasília, tombada desde 1987. O documento será debatido nesta semana em Baku, no Azerbaijão, onde é realizada a 43ª reunião da entidade. Neste ano, a capital foi a única entre todos os bens brasileiros inscritos na lista do patrimônio cultural a sofrer questionamentos por causa de mudanças recentes na legislação. Especialistas avaliam que não há risco de a cidade perder o título ou entrar na lista de patrimônio ameaçado, mas o debate sobre a conservação na reunião da Unesco mostra que a capital está sob vigilância internacional. Em 2019, há apenas um sítio brasileiro inscrito como patrimônio natural que sofreu questionamentos: a Chapada dos Veadeiros, em Goiás.

O relatório apresentado ao Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco esclarece mudanças recentes na Portaria nº 166/2016, editada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No documento, o órgão do governo brasileiro explicou à Unesco que a norma “é o principal instrumento para a preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília”. O texto definiu os parâmetros e os critérios para preservar o projeto da capital federal. No ano passado, o Iphan baixou a Portaria nº 421/2018, que mudou trechos da anterior, com adaptações de redação ou com adequações à realidade.

O texto de 2016 definia, por exemplo, que os prédios dos anexos da Esplanada dos Ministérios devem ter, no máximo, quatro andares. Mas muitos edifícios foram construídos com cinco pavimentos. A nova portaria também proíbe a construção de estacionamento subterrâneo no Eixo Monumental e endurece os critérios para ocupação do lote do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), no Sudoeste.

Em nota, o Iphan detalhou “que os relatórios sobre o estado de conservação dos bens são solicitados pelo Centro do Patrimônio Mundial aos países como informações complementares”. Isso acontece, segundo o instituto, “quando há alguma alteração ou questão que, do ponto de vista da gestão desses bens, possa apresentar impactos significativos dos valores que justificam sua excepcionalidade para a humanidade”. Ainda em nota, o Iphan informou que “o relatório apresentado foi satisfatório e atendeu às solicitações de informações quanto à gestão do bem”. “Acrescentamos ainda que não há nenhum risco sobre o sítio de Brasília”, finaliza o texto enviado à reportagem.

Constante

Para Daniel Mangabeira, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do DF, os questionamentos da Unesco sobre a conservação de Brasília “reforçam a constatação de que a preservação deve ser uma constante”. “Não podemos ter apenas ações pontuais. Essa deve ser uma política pública dos governos federal e do Distrito Federal”, argumentou. Para ele, os mecanismos de proteção estão bem definidos e há hoje uma boa relação entre o Iphan e os órgãos distritais.

Mas Daniel lembra que, historicamente, há uma omissão governamental com relação a alguns temas, como a preservação do patrimônio. “Temas culturais não são priorizados em nenhum governo, e isso é uma pena. Preservar o patrimônio é uma questão cultural, histórica, de sociedade. A arquitetura é um bem cultural e, quando os governos perceberem isso, daremos um grande salto rumo à civilidade”, acrescentou o presidente do conselho.

A secretária adjunta de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Giselle Moll, diz que o constante holofote internacional sobre o tombamento é importante para a preservação. “É excelente que todos estejam preocupados. Afinal, Brasília é uma joia da arquitetura moderna e do urbanismo e um exemplo de qualidade de vida que a gente quer preservar”, argumenta. Giselle elogia a atuação conjunta com o governo federal e a participação de entidades da sociedade civil. “Nunca houve uma integração de gestão tão grande como nos últimos tempos, e estamos dando continuidade a isso.”

Giselle Moll lembra que, às vésperas de completar 60 anos, Brasília enfrenta o desafio da preservação. “A área tombada tem 112 quilômetros quadrados. São muitos problemas e desafios que temos de superar, como a manutenção das estruturas. O concreto envelhece muito mal, e a gente precisa cuidar disso”, alerta. Segundo ela, a expectativa do GDF é enviar até o fim do ano o projeto de lei do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCub) à Câmara Legislativa. A minuta está no Iphan desde agosto do ano passado. “Vamos incorporar as recomendações do Iphan e daremos continuidade às discussões públicas”, reforça a secretária adjunta de Desenvolvimento Urbano e Habitação.

Incêndio

No caso da Chapada dos Veadeiros, o relatório elaborado pelo governo brasileiro presta contas sobre a expansão da área do parque de 65 mil para 240 mil hectares, realizada em 2017. O documento também detalha o caso do incêndio de 2017, o maior da história da região, e as medidas implementadas para recuperação da área.

Novo sítio

Neste ano, há uma candidatura brasileira para inscrição na lista de patrimônios mundiais. Paraty e Ilha Grande, no Rio de Janeiro, devem entrar na lista como patrimônio misto, ou seja, cultural e natural. A discussão sobre a inclusão das cidades deve ocorrer até sábado, no encontro do Azerbaijão. O Brasil tem hoje 21 sítios classificados pela Unesco como patrimônio mundial — 14 culturais e sete naturais. O primeiro a entrar na lista foi a cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, em 1980. Brasília ganhou o título sete anos depois.

Aval do Iphan

A Portaria nº 166/2016 define quais alterações na área tombada devem ser submetidas previamente ao Iphan pelo GDF. Confira quais são:

» Alteração de usos e classes de atividades

» Mudança de parâmetros urbanísticos referentes a altura, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento e afastamentos

» Alteração do sistema viário principal na área tombada

» Criação, desmembramento, remembramento e reparcelamento de lotes na área tombada

» Planos de ocupação para instalação de engenhos publicitários, quiosques e estruturas de telecomunicação na área tombada

» Alteração do projeto padrão de sinalização e do padrão de endereçamento urbano

» O Iphan, a seu critério e a qualquer tempo, poderá requisitar a análise de outras intervenções no espaço urbano que julgar pertinentes à preservação da área tombada