Valor econômico, v.19, n.4728, 11/04/2019. Política, p. A10

 

PEC aprovada por Senado agrada governo 

Ribamar Oliveira 

11/04/2019

 

 

O Ministério da Economia não vê problema na proposta de emenda constitucional (PEC) 61/2015, aprovada pelo Senado na noite da terça-feira, informou uma fonte credenciada do governo ao Valor. A área econômica entende que a medida vai na direção da descentralização dos recursos da União para os Estados e municípios defendida pelo ministro Paulo Guedes.

A PEC permite que as emendas individuais dos parlamentares ao Orçamento da União sejam diretamente transferidas aos governos estaduais e prefeituras sob a forma de doação, sem necessidade de assinatura de convênios. Hoje, a União só libera o dinheiro da emenda parlamentar depois de o Estado ou o município beneficiado assinar um convênio, comprometendo-se com uma série de normas para a aplicação dos recursos.

Como a transferência dos recursos poderá ser feita por meio de doação, a proposta aprovada pelo Senado resultará em mais dinheiro diretamente nos caixas dos Estados e dos municípios, que poderão aplicá-los livremente em qualquer despesa, inclusive no pagamento de pessoal e de custeio da máquina administrativa. A medida é vista como uma grande ajuda aos Estados e municípios que enfrentam, em sua maioria, grande dificuldade financeira.

A transferência sob a forma de doação, no então, só poderá atingir metade das emendas individuais dos parlamentares, advertiu ontem especialista consultado pelo Valor. Isto porque outro artigo da Constituição estabelece que 50% do valor das emendas individuais terão que ser destinados, obrigatoriamente, às ações e serviços públicos de saúde. Neste caso, as emendas terão finalidade de despesa definida e, para serem liberadas, terão que ser objeto de convênio entre a União e o governo estadual ou a prefeitura beneficiada.

No Orçamento deste ano, as emendas parlamentares individuais somam R$ 9,1 bilhões. Se a emenda aprovada pelo Senado já estivesse em vigor, os Estados e municípios poderiam contar com até R$ 4,55 bilhões em seus cofres em doações feitas pela União, com base nas emendas individuais dos parlamentares. Para 2020, o valor das emendas será reajustado pela mesma inflação que corrigirá o teto de gastos.

A PEC do Senado, no entanto, não é autoaplicável e vai necessitar de regulamentação depois que for aprovada pela Câmara dos Deputados, de acordo com especialistas ouvidos pelo Valor. A razão disso é que a proposta não define o momento em que os recursos deverão ser transferidos pela União ou em que prazo.

Como o texto constitucional estabelece que as emendas individuais também estão sujeitas ao contingenciamento do Orçamento, que é adotado para garantir o cumprimento da meta fiscal do ano, os especialistas advertem que o governo não poderá transferir todo o dinheiro de uma só vez ou no início do exercício, assim que o Orçamento for sancionado pelo presidente da República. Todas essas questão poderão ser regulamentadas por lei específica ou pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) a cada ano.

A PEC 61/2015 foi inicialmente proposta pela então senador Gleisi Hoffmann (PT-PR). Ela determinava que os recursos das emendas individuais seriam repassados diretamente ao Fundo de Participação dos Estados (FPE) e ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), independentemente da celebração de convênio.

A proposta de Gleisi chegou a entrar na ordem do dia do Senado para ser votada, mas terminou engavetada em outubro de 2017. Na terça-feira passada, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) apresentou uma emenda à PEC 61/2015, que foi votada, imediatamente, em primeiro e segundo turno.

A aplicação dos recursos a serem doados pela União aos Estados e municípios, a partir das emendas individuais, de acordo com a proposta, não será fiscalizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), mas pelos órgãos de controle interno no âmbito estadual ou municipal e pelos Tribunais de Contas dos Estados e dos municípios. O TCU só fiscalizará os recursos transferidos para finalidade de despesa definida, que terá que ser objeto de convênio.

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MPs começam a tramitar, mas podem ser alteradas 

Raphael Di Cunto 

11/04/2019

 

 

Com dois meses e meio de atraso, o governo finalmente conseguiu que o Congresso Nacional instalasse as comissões mistas que analisarão as primeiras medidas provisórias (MPs) editadas pelo presidente Jair Bolsonaro. As reuniões inicias, contudo, já deixaram claro que o governo terá dificuldades para aprovar as propostas.

Na MP que promove a reforma administrativa, com a redução para 22 ministérios, o relator será o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE). A intenção do Executivo é que ele negocie para barrar as principais mudanças. "A questão é: o senhor vai tratorar ou será do diálogo? Porque se for tratorar nada será aprovado aqui", disse o deputado Hildo Rocha (MDB-MA). "Fique tranquilo, não vai haver tratoramento nem diálogo que se prolongue demais", respondeu.

Os partidos desejam alterar a proposta e há 541 emendas ao texto. "A única certeza é que essa MP não ficará como está", disse o líder do PP na Câmara, deputado Arthur Lira (AL), que participará da comissão. Ele é um dos 10 líderes entre 26 titulares do colegiado, o que demonstra a importância da matéria. Entre as mudanças discutidas estão a volta dos ministérios da Segurança Pública, que acabou fundido com o da Justiça, do Trabalho, repartido em três pastas, e da Indústria, incorporado pela Economia.

Também está em discussão o retorno da Fundação Nacional do Índio (Funai) para a Justiça - o governo transferiu para a Agricultura - e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para a Economia - está na Justiça, sob a alçada do ministro Sergio Moro. "O retorno do Coaf é favas contadas. Não tem um país do mundo em que ele fica na Justiça", disse Lira.

Na outra comissão mais importante para o governo, que analisa a MP que muda as regras de acesso a benefícios previdenciários e assistenciais e de combate a fraudes no INSS, o deputado Paulo Martins (PSC-PR) foi escolhido relator. Próximo ao governo, ele já antecipou que promoverá mudanças no projeto, como negociar um prazo intermediário para que os beneficiários suspeitos de irregularidades apresentem defesa a autarquia. O prazo hoje é de 30 dias, mas o governo quer reduzir a 10.

Parlamentares da oposição e dos partidos independentes pediram a palavra para criticar a MP e cobrar a realização de mais audiências públicas. Para o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), líder da oposição no Congresso, o governo deseja, sob o pretexto de combater fraudes, cortar benefícios para população mais carente para economizar. Hildo Rocha criticou o fim do modelo onde os sindicatos atestam o exercício de atividade rural para os segurados especiais (pescadores artesanais e agricultores familiares) e disse que as prefeituras não tem estrutura para fazerem a validação. "Os prefeitos não vão querer assumir isso", afirmou.

Outra MP que estava com a instalação prometida para ontem, mas que acabou cancelada, é a que proíbe o desconto na folha de salário da contribuição sindical mesmo para os trabalhadores que consentirem com o pagamento. Numa negociação entre os partidos, o relator deve ser o deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), considerado "neutro" e que assumirá na próxima semana.

Segundo o deputado Paulinho da Força (SD-SP), presidente licenciado da Força Sindical, as centrais sindicais almoçarão com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na próxima semana para decidir como proceder. "O Rodrigo está defendendo que deixe a MP caducar", disse. A MP perde a validade se não for aprovada até julho.

A estratégia anterior das centrais sindicais era instalar a comissão mista rapidamente e rejeitar a proposta já na comissão, para conseguir arrecadar o dinheiro este ano, mas os sindicalistas reavaliaram com receio de retaliações - deputados reclamam que estão sendo abordados por sindicalistas com protestos contra a reforma da Previdência - e com o argumento de que a Justiça tem autorizado os pagamentos em suas decisões.

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CCJ endossa arquivamento da CPI da Lava-Toga 

Renan Truffi 

Vandson Lima 

11/04/2019

 

 

O Senado deu mais um passo para enterrar de vez a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Cortes Superiores, a chamada "CPI da Lava-Toga", que abriu uma crise entre Legislativo e Judiciário. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa decidiu aprovar, ontem, um relatório que endossa a decisão do presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) de arquivar a comissão de inquérito.

A maioria dos senadores, 19 votos a 7, referendou o voto do relator, senador Rogério Carvalho (PT-SE), que seguiu o entendimento de Alcolumbre sobre a questão. Com a decisão, o parecer da CCJ tem de ser analisado agora pelo plenário do Senado, mas o clima entre os parlamentares que articulavam a CPI é que não haverá condições de reverter a derrota.

Em seu relatório, Carvalho defendeu que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem se demonstrado "aquém" de enfrentar os "desmandos" e "desvios" do Poder Judiciário, mas que essas questões seriam "adequadamente tratadas" num debate sobre o novo Estatuto da Magistratura e não em um "esgarçamento" das relações entre as instituições.

"A aguda crise econômica e institucional que temos enfrentado nos últimos anos impõe a todos muita serenidade e discernimento. Não será o esgarçamento das relações entre os poderes que conduzirá à pacificação e à superação dos gargalos institucionais identificados", escreveu o senador do PT.

O embate opôs senadores do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, e do DEM, que possui ao menos três ministros no governo. Enquanto o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), e a senadora Juíza Selma (PSL-MT) defenderam a instalação da CPI, os senadores Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Marcos Rogério (DEM-RO) colocaram-se contra a proposta.

Major Olímpio disse que o Senado está "se apequenando" e prometeu buscar novas assinaturas para outro requerimento com o mesmo objetivo. "[O pedido de criação da CPI] está transbordante de objetos determinados. A CPI é um instrumento da minoria. Quem está se apequenando neste momento é o Senado. Estamos abrindo mão das nossas obrigações constitucionais. O presidente Bolsonaro nunca falou [sobre retirada de assinaturas], jamais tomou qualquer iniciativa de interferência", afirmou.

Major Olímpio tem sido criticado por integrantes da base do governo, nos bastidores, por atuar como "fio desencapado" na crise entre Legislativo e Judiciário, em vez de apaziguar os lados de um conflito que não interessaria ao Palácio do Planalto.

Partidos tradicionais, como PT, PSDB e MDB estiveram do mesmo lado para colocar fim ao episódio de confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF). Todos os senadores dos três partidos que são titulares da CCJ votaram pelo arquivamento da CPI.

Ainda assim, o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), aproveitou para ironizar a participação do PSL. "É a primeira vez que vejo um governo estimulando a CPI. Nós poderíamos agora buscar à forra, mas a democracia não pode viver de arroubos", disse. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) também apontou a suposta contradição do governo Bolsonaro. "É o governo fazendo oposição a si mesmo"