O globo, n.31379, 06/07/2019. Economia, p. 20

 

Trabalho infantil gera círculo de pobreza, dizem especialistas 

Sérgio Matsuura

06/07/2019

 

 

O Brasil tem 2,4 milhões de jovens (menores de 18 anos) em situação de trabalho infantil, segundo dados do III Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, divulgado no ano passado. Para especialistas, o maior problema é o prejuízo à escolarização, o que acaba perpetuando um círculo de pobreza. Desses 2,4 milhões, a maioria —1,9 milhão —está na faixa entre 14 e 17 anos, mas há mais de 100 mil crianças entre 5 e 9 anos nessa situação. As informações são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2016, do IBGE, mas com a metodologia usada até 2015. Na quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro, em vídeo postado em uma rede social, afirmou não ver problemas num “moleque de 9, 10 anos” trabalhar, pois “o trabalho dignifica o homem e a mulher, não interessa a idade”. Para especialistas, essa declaração expressa desrespeito a tratados internacionais firmados pelo país e à própria Constituição. —Não é normal uma criança de 10 anos trabalhar — diz Adriana Leandro, vice-presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 1ª Região. — Ter uma criança trabalhando significa que o país tem pobreza, tem evasão escolar, tem exploração infantil... O normal é a criança estudar e brincar.

IMPACTO NOS ESTUDOS

O Brasil é signatário de várias convenções da OIT sobre a regulação do trabalho infantil, que determinam idade mínima e listam as piores formas de trabalho, que devem ser proibidas para menores de idade. A legislação brasileira proíbe o trabalho para menores de 16 anos, mas abre exceção para jovens aprendizes a partir dos 14 anos.

— O trabalho como aprendiz segue regras, com carga horária favorável aos estudos e proibição de trabalho noturno ou em condições insalubres— diz Adriana. — Mas menores de 14 anos ainda estão imaturos. O trabalho compromete o desenvolvimento saudável dessas crianças.

O maior impacto talvez esteja na formação escolar. No Brasil, entre o 1,9 milhão de adolescentes entre 14 e 17 anos que trabalham, 370 mil estão fora da escola e não sabem ler e escrever. E a falta de escolaridade impede que essas crianças consigam empregos de qualidade.

— Os dados sobre exclusão escolar revelam o prejuízo que o trabalho infantil traz. Não há dúvidas sobre isso. Mesmo os que trabalham e estudam têm o desempenho escolar afetado pela dupla jornada —diz Isa Oliveira, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Dos 2,4 milhões de menores em situação de trabalho infantil no Brasil, 1,8 milhão deles são de famílias com renda per capita de até um salário mínimo, sendo 625 mil de lares com renda de até um quarto do salário mínimo. Na outra ponta, de famílias com renda per capita maior que 5 salários mínimos, apenas 9 mil jovens trabalham. —Essas crianças não terminam os estudos, ficam destinadas à pobreza — afirma a chefe de proteção do Unicef no Brasil, Rosana Vega.

BOLSONARO RETOMA TEMA

Em nota conjunta, o Ministério Público do Trabalho, a OAB, as associações nacionais de procuradores e advogados do trabalho e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil criticaram a fala do presidente. Na nota, lembram que o combate ao trabalho infantil é meta prioritária do Estado brasileiro, compromisso assumido na Constituição de 1988. Segundo a nota, o trabalho infantil “macula e mata a infância”. Ontem, Bolsonaro voltou a falar do tema em uma rede social. Ele disse estar sofrendo “ataques da esquerda” por defender que “nossos filhos sejam educados para desenvolver a cultura do trabalho desde cedo”. “Se eu estivesse defendendo sexualização e uso de drogas, estariam me idolatrando. Essa é a verdade!”, completou.