O Estado de São Paulo, n. 45995, 22/09/2019. Política, p. A8

 

Sem articulação, oposição investe em ações no STF

Matheus Lara

Vinícius Passarelli

22/09/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Levantamento do ‘Estado’ aponta que este ano Supremo recebeu 45 questionamentos de decisões do governo; maioria é de partidos

Sem articulação ou votos suficientes no Congresso, partidos de oposição ao presidente Jair Bolsonaro elegeram o Supremo Tribunal Federal como campo para atuar contra medidas tomadas pelo governo federal. Levantamento feito pelo Estado aponta que nos nove primeiros meses deste ano o STF já recebeu 45 pedidos de derrubada de algum tipo iniciativa determinada pelo Palácio do Planalto. O número supera com folga as contestações apresentadas, no mesmo período, contra os antecessores de Bolsonaro desde a primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.

O levantamento foi feito com dados do Supremo e abrange ações julgadas, arquivadas e ainda em tramitação desde 2003. Este ano, foram 29 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e 16 arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs), instrumentos jurídicos usados para contestar leis e atos normativos.

A maioria delas (27) tem a assinatura de partidos políticos, mas há também iniciativas de entidades de classe (12) e da Procuradoria-Geral da República (6). Entre os partidos, o destaque fica para a Rede. Com apenas uma deputada eleita em 2018 e três senadores, a sigla protocolou sozinha 11 ações, como a que questionou a transferência da gestão de demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura e a competência da Secretaria de Governo para supervisionar ONGs.

“Quem não tem cão, caça com gato”, resume o cientista político Cláudio Couto, da FGV, sobre a estratégia de “judicializar” a oposição ao governo. “A oposição toma isso como principal estratégia”. Couto vê ainda um segundo motivo para os números de contestações no Supremo: o alto grau de polarização política no País, que não deu trégua desde a campanha eleitoral do ano passado. “É um governo de posições mais radicais e isso acaba produzindo uma judicialização, é a consequência natural”, afirmou.

Para o também cientista político Kleber Carrilho, da USP, a judicialização se transformou em uma opção “racional” para a oposição no Congresso.

“Quem não tem voto, judicializa”, resumiu o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

Cautela. Com dificuldades de construir uma base de apoio no Congresso, Bolsonaro tem recorrido, em grande parte, à edição de decretos e medidas provisórias para colocar em prática os seus projetos – principais alvos de quem recorre aos ministros do Supremo.

Entre os decretos baixados pelo governo e contestados na Corte estão o que flexibilizou o acesso a armas de fogo e o que promoveu cortes no orçamento de institutos de pesquisas e universidades federais. No caso das medidas provisórias, uma das ações pede a derrubada da reestruturação da administração federal, que englobou a extinção de ministérios (como o do Trabalho) e a criação de superpastas, como a da Economia.

Apesar do alto número de contestações, o Supremo tem mantido uma postura cautelosa no julgamento das ações e foram poucas, até agora, as consideradas inconstitucionais.

Em junho passado, decisão do ministro Luís Roberto Barroso derrubou a MP que transferia da Funai para o Ministério da Agricultura a atribuição de demarcar terras indígenas. O tribunal também barrou a tentativa do governo Bolsonaro de extinguir todos os conselhos federais. As demais ações ainda não foram julgadas.

PGR. Além das ações propostas pela oposição, o governo Bolsonaro ainda enfrenta ações propostas pela PGR. Na semana passada, no último dia antes de deixar o cargo, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apelou ao Supremo para pedir a revisão do decreto das armas, uma das principais bandeiras de Bolsonaro. Também contestou o projeto Escola Sem Partido e mudanças nos conselhos nacionais do meio ambiente (Conama) e dos direitos da criança e do adolescente (Conanda), determinadas pelo governo federal.

A Advocacia-Geral da União (AGU), responsável por defender o governo, afirmou que o questionamento judicial de políticas públicas é “consequência do estado democrático de direito”. “Nesse sentido, a AGU vem desempenhando seu papel institucional nessas ações, defendendo as políticas públicas perante quaisquer instâncias do Poder Judiciário nacional”, diz o órgão.

“Mais do que ficar berrando no plenário, precisamos de ações concretas.”

Randolfe Rodrigues (Rede-AP), senador

Contestações

45

é o número de pedidos, no STF, de derrubada de decisões do governo nos nove primeiros meses deste ano, segundo levantamento do ‘Estado’; a maioria é de autoria de partidos