O Estado de São Paulo, n. 45979, 06/09/2019. Economia, p. B5

 

Governo fará corpo a corpo por R$ 64 bi

Idiana Tomazelli

Eduardo Rodrigues

Aline Bronzati

06/09/2019

 

 

Equipe econômica quer reverter no Senado a desidratação imposta pela CCJ ao projeto de PEC da Previdência aprovada na Câmara

Bem e mal. Pagamento de pensão abaixo do mínimo é ‘maldade menor’, diz Jereissati

A equipe econômica vai fazer um corpo a corpo no Senado Federal para tentar reverter as mudanças que drenaram quase R$ 64 bilhões da economia esperada com a reforma da Previdência, além de blindar o texto contra outros afrouxamentos nas regras da proposta. Em evento com empresários no Nordeste, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse lamentar a desidratação no texto. Na plateia, um dos espectadores era o relator, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

“Agradeço a Tasso por incluir Estados e municípios na reforma. Claramente lamento a desidratação do texto original, mas entendo”, disse Guedes.

Jereissati fez duas mudanças significativas no texto da reforma. Na semana passada, excluiu da proposta a definição do critério de renda para o recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. A medida era considerada pela área econômica necessária para poupar recursos gastos com o alto índice de ações na Justiça envolvendo o BPC. Sem um critério claro na Constituição, a avaliação é que o sistema Judiciário continuará decidindo de maneira difusa sobre quem tem direito ao benefício, onerando a União.

Nesta semana, Jereissati resgatou a vinculação de todas as pensões por morte ao salário mínimo, independentemente da renda do beneficiário. A proposta aprovada na Câmara permitia pensões abaixo do piso nacional – depois, uma portaria do Ministério da Economia assegurou o repasse de um salário para quem tem renda formal abaixo do piso. Como mostrou o Estadão/Broadcast, a revinculação de todas as pensões foi uma condição colocada pelo MDB, que tem 13 votos no Senado, para apoiar a reforma.

Ao lamentar a decisão de excluir esses pontos, Guedes afirmou que o fazia “tecnicamente”, porque por outro lado apoiava as medidas de compensação apresentadas por Jereissati numa proposta paralela, desenhada para não atrasar o cronograma de tramitação da reforma da Previdência.

‘Pilantrópicas’. Entre as medidas que têm o aval do ministro está a reversão da desoneração previdenciária de algumas instituições filantrópicas. Guedes disse inclusive que algumas delas não cumprem devidamente sua finalidade e atuam como “pilantrópicas”.

Mesmo assim, o ministro demonstrou ceticismo com a determinação do Congresso Nacional em aprovar as compensações. “Obviamente bondades serão aprovadas e maldades não (na PEC paralela). Aí amplia o buraco mais um pouquinho (na economia da reforma)”, resignou-se.

Ao fim do evento, Jereissati minimizou as declarações do ministro e disse que Guedes, ao conhecer todo o parecer, achou a proposta “espetacular”. O senador argumentou que retirou o artigo sobre o BPC porque considerava uma “maldade excessiva e desnecessária”.

“Todo mundo quer aprovar bondade. Ninguém faz maldade porque quer. Mas maldades exageradas e desnecessárias nós tiramos, como o BPC”, explicou. Jereissati classificou o pagamento de pensão abaixo do mínimo como uma “maldade menor”, mas disse que a mudança será compensada.

Peregrinação. O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, disse que o governo vai trabalhar para reverter as mudanças. “O governo espera reverter parte ou todas as desidratações no plenário. Esperamos que pelo menos não haja novas desidratações ao texto”, disse. “Vou peregrinar pelo Senado e conversar com os parlamentares”, acrescentou.

Ação no plenário

“O governo espera reverter parte ou todas as desidratações no plenário.”

Rogério Marinho

SECRETÁRIO ESPECIAL DE PREVIDÊNCIA E TRABALHO

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Entrevista - Paulo Tafner: 'Concessão já passou um poquinho da conta'

Vinicius Neder

06/09/2019

 

 

Para economista, corte de R$ 63 bi na economia prevista em dez anos é o limite; ‘qualquer coisa além não pode’

‘Concessão já passou um pouquinho da conta’

Paulo Tafner, economista

A concessão de “benemerências” na proposta de emenda constitucional (PEC) de reforma da Previdência em tramitação no Senado já “passou um pouquinho da conta”, na avaliação do economista Paulo Tafner. Com as mudanças aprovadas, na quarta-feira, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o impacto fiscal previsto em dez anos caiu de R$ 933,5 bilhões, conforme o texto aprovado na Câmara, para R$ 870,5 bilhões. Para Tafner, a diferença de R$ 63 bilhões “não é pouca coisa” e deveriam ser encarados como limite nas concessões.

Qual a importância de incluir novamente a Previdência de Estados e municípios na reforma, com a ‘PEC paralela’?

Os Estados estão quebrados. Essa é a realidade. E vários Estados já não conseguem pagar salários, aposentadorias e fornecedores. Não pagar fornecedor tem um impacto para as pessoas em geral. Significa, na ponta, não pagar salário de trabalhador da iniciativa privada, o que é até pior, em certo sentido. Como os salários médios no setor público são maiores, quando o Estado deixa de pagar a empresa que faz faxina, faz segurança, os atrasos de salários ocorrem sobre as pessoas mais pobres.

Por que a Previdência é importante nas finanças estaduais?

A causa originária dessa situação (da crise fiscal dos Estados) é a despesa previdenciária. Em praticamente metade dos Estados no Brasil, o gasto com Previdência é próximo de 50% ou mais no gasto total com pessoal. E a cada ano essa relação vai piorando.

Qual a avaliação sobre as mudanças feitas na PEC da reforma na esfera federal, incluindo a Previdência do setor privado?

O País passa por uma situação em que qualquer benemerência é prejudicial ao brasileiro, aos Estados e à população mais pobre. Achar que defende pobre fazendo benemerência não é verdade. Não acho adequada a mudança nas pensões. Só a mudança nas pensões são R$ 65 bilhões que se perde de economia (em dez anos). Isso para garantir que nenhum benefício de pensão seja inferior ao salário mínimo. Isso é uma bobagem, porque a PEC ( da forma como saiu da Câmara) diz que para quem não tem renda nenhuma está garantida a pensão de um salário mínimo. Para quem tem renda vai ser 60% do valor da pensão; 25% da despesa com Previdência são com pensão.

As flexibilizações chegaram ao limite?

Acho que até já foi além, já passou um pouquinho da conta. Perder R$ 60 e poucos bilhões é pesado, não é pouca coisa. É muito dinheiro. Isso já foi. Agora, vamos ver se o plenário do Senado não faz mais nenhuma concessão.

Aprovar a reforma do jeito que está é melhor do que aprovar a reforma desenhada no governo Michel Temer?

O texto do Temer que foi aprovado para ir à votação dava um impacto de R$ 410 bilhões. A PEC atual, já com as alterações do Senado, vai dar uma economia de R$ 860 bilhões a R$ 870 bilhões. É mais do que o dobro. Suponha que tivéssemos adotado a estratégia de aprovar a reforma do Temer até abril. Aprovar R$ 410 bilhões em abril, ou R$ 870 bilhões em outubro? Eu prefiro R$ 870 bilhões em outubro. Por isso que não pode perder mais, porque se não a conta muda. Esse é o limite. Qualquer coisa além disso não pode.