O Estado de São Paulo, n. 45944, 02/08/2019. Política, p. A7

 

Fux proíbe destruição de mensagens

Rafael Moraes Moura

Amanda Pupo

02/08/2019

 

 

Ministro do Supremo pede que cópia de inquérito sobre ação de hackers seja remetida à Corte; Justiça define prisão preventiva para grupo

Judiciário. Primeira sessão do STF após a volta do recesso; em sua decisão, ministro Luiz Fux atendeu a pedido do PDT

Vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux atendeu ontem a pedido do PDT e proibiu a destruição de material apreendido com os suspeitos de hackearem dados de autoridades. Quatro pessoas foram presas pela Polícia Federal no mês passado, na Operação Spoofing, que investiga a invasão de celulares.

Para Fux, há “fundado receio de que a dissipação de provas possa frustrar a efetividade da prestação jurisdicional”. O ministro também determinou que lhe seja enviada uma cópia do inquérito da Operação Spoofing, incluindo as provas que já foram colhidas na investigação.

“A formação do convencimento do plenário desta Corte quanto à licitude dos meios para a obtenção desses elementos de prova exige a adequada valoração de todo o seu conjunto. Somente após o exercício aprofundado da cognição pelo colegiado será eventualmente possível a inutilização da prova por decisão judicial”, disse Fux.

Em decisão divulgada à noite, o ministro Alexandre de Moraes também requisitou a remessa do material apreendido pela PF, estabelecendo para isso um prazo de 48 horas. Ele afirmou que notícias veiculadas na imprensa indicam “indícios de investigação ilícita” contra ministros da própria Corte.

‘Intimidade’. Ao recorrer ao Supremo, o PDT mencionou uma nota oficial do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, uma das autoridades hackeadas, segundo a qual o ministro da Justiça, Sérgio Moro, lhe havia informado que o material obtido com os hackers seria descartado “para não devassar a intimidade de ninguém”.

A hipótese de destruição das mensagens levantada por Moro provocou reação de ministros do Supremo. O ministro Marco Aurélio Mello disse que órgão administrativo não pode ordenar esse tipo de descarte. Dois outros ministros questionaram reservadamente também o fato de Moro ter acesso ao inquérito, quando apenas o juiz e o delegado deveriam ter conhecimento do conteúdo.

Prisão. Os presos na Operação Spoofing – Walter Delgatti Neto, Gustavo Henrique Elias Santos, Suellen Priscila de Oliveira e Danilo Cristiano Marques – foram, segundo as investigações, responsáveis pelo ataque virtual de cerca de mil contas de aplicativo de mensagens. Apontado como cabeça do grupo preso, Delgatti Neto, o “Vermelho”, relatou à PF que hackeou Moro, procuradores, juízes e delegados. Ele acumula processos por estelionato, falsificação de documentos e furto.

Ontem, a Justiça Federal do Distrito Federal decidiu que os quatro devem permanecer presos por tempo indefinido. A prisão preventiva foi determinada pelo juiz Ricardo Leite, após pedido da PF. O grupo está detido desde 23 de julho.

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Celular de Meirelles também foi invadido

Patrik Camporez

02/08/2019

 

 

O secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo e ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, também foi alvo do hacker Walter Delgatti Neto, que disse à Polícia Federal ter invadido mensagens do aplicativo Telegram de autoridades, entre elas o presidente Jair Bolsonaro.

Meirelles confirmou ter recebido mensagem do Telegram sobre a invasão. “Tomei a providência de desligar todas as sessões que não são do celular que eu estava usando. O episódio não se repetiu”, disse o ex-ministro.

O Estado teve acesso a uma lista de 60 nomes de políticos, autoridades da área da Justiça e celebridades que estavam organizados em “pastas” na área de trabalho do computador do hacker. Esse material está sendo analisado pela perícia da PF.

A ex-ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luciana Lóssio também estava na lista. À reportagem, ela disse que ficou surpresa. “Minha vida é um livro aberto.” Na lista de possíveis vítimas, também está a youtuber Dora Figueiredo, de 25 anos, que ficou espantada ao ser informada, pela reportagem, que seu nome estava no computador de Delgatti Neto. Ela afirmou que instalou o Telegram no celular, mas nunca o utilizou.

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Moraes vê 'desvio de finalidade' e suspende investigação da Receita

Lorenna Rodrigues

Rafael Moraes Moura

Amanda Pupo

02/08/2019

 

 

Ministro barra apurações do órgão sobre 133 contribuintes, entre eles, magistrados do próprio Supremo e do STJ

Crítica. Falta ‘critério’ nas investigações do órgão, diz Moraes

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou ontem a suspensão imediata de todos os procedimentos investigatórios instaurados na Receita envolvendo 133 contribuintes que entraram na mira do órgão por indícios de irregularidades. Entre eles, estão outros ministros da Corte e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e familiares.

Moraes também decidiu afastar temporariamente os auditores Wilson Nelson da Silva e Luciano Francisco Castro por “indevida quebra de sigilo”. Para o ministro, há “graves indícios de ilegalidade no direcionamento das apurações” em andamento na Receita Federal.

De acordo com fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast, Castro foi o responsável por dar início à apuração sobre o ministro do STF Gilmar Mendes e sua mulher, Guiomar Mendes, após a movimentação financeira do casal chamar a atenção para possíveis irregularidades.

Em fevereiro, o Estado revelou que a Receita começou a investigar agentes públicos a partir de dados fiscais, tributários e bancários. Além de Gilmar e sua mulher, o órgão passou a investigar também a advogada Roberta Maria Rangel, mulher do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e a ministra Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça, entre contribuintes alvo de apuração preliminar por indícios de irregularidades.

Na época, Gilmar disse que a Receita “não pode ser convertida numa Gestapo”, em referência à polícia do regime nazista que investigava e torturava opositores de Adolf Hitler.

“São claros os indícios de desvio de finalidade na apuração da Receita Federal, que, sem critérios objetivos de seleção, pretendeu, de forma oblíqua e ilegal, investigar diversos agentes públicos, inclusive autoridades do Poder Judiciário, incluídos ministros do Supremo Tribunal Federal, sem que houvesse, repita-se, qualquer indício de irregularidade por parte desses contribuintes”, disse Moraes.

A decisão do ministro foi divulgada ontem, no primeiro dia de atividades do Supremo depois do recesso de julho.

O Estado mostrou que a Receita criou a Equipe Especial de Programação de Combate a Fraudes Tributárias (EEP Fraude) com o objetivo de fazer uma devassa em dados fiscais, tributários e bancários de agentes públicos ou relacionados a eles. A partir de critérios predefinidos, o grupo chegou a mais de cem nomes, entre eles o ex-ministro Blairo Maggi, o desembargador Luiz Zveiter e o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Marcelo Ribeiro.

A decisão de Moraes foi tomada no âmbito do inquérito instaurado pelo Supremo para investigar ofensas, ameaças e “fake news” disparadas contra integrantes da Corte e seus familiares, que foi prorrogado por mais 180 dias, conforme antecipou o Estado ontem.

O prazo das investigações terminou no dia 18 de julho, durante o recesso do tribunal. Agora, as apurações sobre ameaças, ofensas e fake news se estenderão até meados de janeiro do ano que vem.

Reação. A Receita Federal informou “que dará rigoroso e integral cumprimento à decisão judicial”. O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sindifisco), por sua vez, divulgou nota em que repudia a decisão de Moraes, considerada “arbitrária” e “inédita”, tomada “ilegalmente na dupla função de Ministério Público e de magistrado”.

Para o sindicato, trata-se de um “verdadeiro tribunal de exceção, com objetivo claro de transformar poderosas autoridades públicas em contribuintes intocáveis”. 

Decisão

“São claros os indícios de desvio de finalidade na apuração da Receita Federal.”

Alexandre de Moraes

MINISTRO DO SUPREMO

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STF derrota e mantém demarcação de terras com a Funai

Rafael Moraes Moura

02/08/2019

 

 

Jair Bolsonaro tentou transferir atribuição para Ministério da Agricultura, mas medida provisória foi suspensa por Barroso

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal manteve ontem a demarcação de terras indígenas com a Fundação Nacional do Índio (Funai), conforme antecipou o Estado. Na retomada das atividades da Corte após o recesso de julho, o julgamento foi marcado por críticas do decano, ministro Celso de Mello, à reedição, pelo governo Jair Bolsonaro, de uma medida provisória nos mesmos moldes de um texto que já havia sido rejeitado pelo Congresso, o que é proibido pela Constituição.

Esta foi a segunda derrota imposta pelo plenário do Supremo ao governo. Em junho, no primeiro revés ao Palácio do Planalto, os ministros da Corte, também por unanimidade, limitaram a extinção de conselhos que havia sido determinada por Bolsonaro. Na ocasião, o tribunal decidiu que o governo não pode acabar com conselhos que tenham sido criados por lei.

Na sessão de ontem, o plenário confirmou uma liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso suspendendo trecho da medida provisória que transferia a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura.

Durante o julgamento, Celso de Mello fez o voto mais longo e foi o mais contundente nas críticas ao governo. “O comportamento do atual presidente, revelado na atual edição de medida provisória rejeitada pelo Congresso no curso da mesma sessão legislativa, traduz uma clara e inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição Federal e uma inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de Poderes”, disse Celso.

“Parece ainda haver na intimidade do poder um resíduo indisfarçável de autoritarismo, despojado sob tal aspecto quando transgride a autoridade da Constituição. É preciso repelir qualquer ensaio de controle hegemônico do aparelho de Estado por um dos poderes da República”, afirmou o decano.

Nos últimos meses, o ministro Celso de Mello – que se aposenta compulsoriamente em novembro do ano que vem, quando completa 75 anos – tem se tornado um dos principais porta-vozes do Supremo em defesa da liberdade de manifestação e do tribunal.

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Decano diz que corte tem de resolver 'problemas agudos'

Amanda Pupo

Vinícius Passarelli

02/08/2019

 

 

Celso de Mello cobra julgamento em plenário de decisão de Toffoli que vetou uso de dados do Coaf em investigações

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, disse ontem ser preciso que a Corte resolva “logo” os “problemas mais agudos” e defina o que o poder público pode ou não fazer em matéria de investigação penal, ao ser questionado sobre o processo que trata do compartilhamento de dados por órgãos de controle com investigadores.

Durante o recesso do Judiciário, que acabou ontem, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, suspendeu investigações em que foram usados dados detalhados de órgãos como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sem autorização judicial.

A previsão é que o plenário do STF analise o caso em novembro, mas Toffoli já indicou que pretende conversar com os colegas para tentar adiantar essa data. “Acho que é preciso resolver logo esses problemas mais agudos, mais sérios, para que o tribunal, então, no desempenho da sua função jurisdicional, possa definir aquilo que o poder público pode ou não pode fazer em matéria de investigação penal. Isso é importante, qualquer que seja o resultado”, disse o decano antes de entrar na sessão plenária do STF, que inaugura o segundo semestre na Corte.

Quando o Supremo permitiu, em 2016, que a Receita tivesse acesso a dados bancários sem autorização judicial, Celso e o ministro Marco Aurélio Mello foram os únicos a se manifestar de forma contrária. Agora, o STF terá de decidir se órgãos como a Receita e o Coaf precisam da supervisão de um juiz para passarem as informações a investigadores.

A medida tomada por Toffoli em julho, que é relator do processo pautado para novembro, suspendeu investigações em que os dados fiscais e bancários detalhados de contribuintes foram usados sem aval do Judiciário. Até que o plenário da Corte se manifeste, esses casos deverão ficar paralisados.

No segundo semestre, além do caso do compartilhamento de dados por órgão de controle, a Corte também vai tratar de outros temas polêmicos. A Segunda Turma deve analisar o caso da suspeição do ex-juiz e atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, no caso do triplex do Guarujá. Outra discussão que pode influenciar diretamente na Lava Jato é em relação à constitucionalidade da prisão em segunda instância.