Correio braziliense, n. 20484, 21/06/2019. Opinião, p. 11

 

Com mais integração, a saúde melhora

Claudio Lottenberg

21/06/2019

 

 

O artigo 198 da Constituição Federal aponta três diretrizes que devem organizar o sistema de saúde. A primeira é a descentralização. A terceira destaca a participação da comunidade. Mas quero mesmo chamar a atenção para a segunda, que fala sobre o “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”. Nesse contexto, valorizar e incentivar o atendimento integral, que considera as necessidades de cada indivíduo, hoje com o forte apoio da tecnologia do mundo digital, é fundamental para que os cuidados à saúde deixem de ser fragmentados e possam atender realmente às necessidades de toda pessoa, no nível de atenção de que ela precisa, com maior eficiência e efetividade e menos redundâncias e desperdício.

Determinantes sociais têm papel direto nos indicadores de saúde de diferentes populações. É grande equívoco ignorar o cenário das questões relacionadas à educação e aos hábitos e tratar a saúde como um projeto vinculado estritamente à assistência e à tecnologia. Não levar esse fato em consideração tem como consequência a aceleração dos gastos em saúde — que atingem quase 10% do Produto Interno Bruto — sem a eficiência de que gostaríamos.

Mas por que ainda deixamos tanto a desejar? É porque um sistema adequado não pode se restringir à atenção primária. Embora tenha alta resolutividade sem a participação de estruturas mais complexas, a atenção primária precisa se integrar com o atendimento secundário e terciário. Saúde é um processo que nasce de hábitos e de qualidade de vida e se amplia por todo o eixo da assistência até o exercício da alta complexidade, em hospitais de referência. Por isso, é importante se entender que os cuidados de saúde devem ser abordados de acordo com o grau de complexidade, com o devido direcionamento dentro do sistema e, sobretudo, de forma não fragmentada.

Quando o hospital assume o papel das outras estruturas menos complexas, pressionamos a parte mais onerosa para a solução das questões de saúde mais simples, justamente o que não deveria ser o seu foco. Talvez, por isso, que o modelo hospitalocêntrico esteja sob questionamento e as chamadas ACO (sigla de Accountable Care Organizations) sejam parte da solução. Os prestadores de serviços em saúde devem demonstrar suas preocupações em relação ao valor em saúde, à performance e à segurança, na busca do uso racional dos recursos. Nem mais nem menos, mas o cuidado certo. De 2017 a 2018, os itens de despesas que mais cresceram, com aumento de 31,3%, foram as terapias, como radiologia intervencionista, radioterapia, terapia renal e quimioterapia. Depois, os serviços ambulatoriais, com 19,7%. Mas qual é o impacto disso tudo nos desfechos dos pacientes?

As despesas per capita de operadoras de planos de saúde com exames, consultas, terapias, internações e serviços ambulatoriais de beneficiários de planos médico-hospitalares fecharam 2018 com alta de 17,3%, segundo o Índice de Variação de Custos Médico-Hospitalares do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar. O crescimento da frequência de utilização e o aumento dos preços de materiais, medicamentos, honorários, taxas e diárias, além da incorporação de novas tecnologias e o envelhecimento da população, colaboraram para isso. Temos um problema e a solução passa por nova mentalidade do setor, que impõe mudanças culturais e comportamentais. É necessidade de toda a cadeia produtiva, que é cobrada por uma medicina mais acessível e sustentável.

Uma das virtudes da era digital é sua capacidade de, simultaneamente, agregar processos e extrair conhecimento para melhores decisões. Só que, em vez de usar a tecnologia para implantar uma sequência integrada que considere as diferentes linhas de cuidado, seguimos trabalhando de forma fragmentada, com o uso desorientado de recursos. O modelo de pagamento também amplia o problema, pois não responsabiliza os prestadores pelo desfecho, mas, sim, pela produção. Para mudar, temos que ousar sem temor. Ao colocar o paciente no centro do cuidado, e trabalhar por ele, todos ganham. (...)

Claudio Lottenberg

Oftalmologista, presidente do UnitedHealth Group Brasil e do Instituto Coalizão Saúde