O Estado de São Paulo, n. 45971, 29/08/2019. Metrópole, p. A22

 

Marcas paralisam importação de couro do Brasil

Amanda Pupo

Gilberto Amendola

Giovana Girardi

Isadora Duarte

29/08/2019

 

 

Queimadas na Amazônia levaram empresa a suspender abastecimento até que haja segurança de que produto não causa dano ambiental

A VF Corporation, empresa responsável por marcas como Timberland, The North Face, Kipling e Vans, informou na noite de ontem que decidiu não continuar se abastecendo diretamente de couro e curtumes do Brasil “até que haja segurança de que os materiais usados nos produtos não contribuam para o dano ambiental no País”. A informação foi confirmada pela empresa em nota ao Estado, na noite de ontem.

A suspensão de importação ocorre em meio ao aumento de queimadas na Região Amazônica. O assunto surgiu durante a manhã de ontem, quando foi divulgado o conteúdo de uma carta do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O documento mencionava “suspensão de compras de couros a partir do Brasil de alguns dos principais importadores mundiais”.

Pouco depois, o presidente do CICB, José Fernando Bello, disse que se tratou de um “erro de pré-avaliação” da entidade e o fornecimento estaria normalizado. Segundo o órgão, parte da matéria-prima beneficiada pelos curtumes tem origem na região da Amazônia.

O Estado questionou diretamente sobre o assunto a VF Corporation, que detém 18 marcas de vestuário e calçados. A nota da empresa informa que, desde 2017, busca aprimorar o abastecimento global de couro por meio de “estudos para garantir que os fornecedores de couro estejam de acordo com nossos requisitos de abastecimento responsável”. A empresa, então, informa que, como um resultado detalhado desse estudo, não conseguiu “assegurar satisfatoriamente que nossos volumes mínimos de couro comprados de produtores brasileiros sigam esse compromisso”.

“Sendo assim, a VF Corporation e suas marcas decidiram não continuar abastecendo diretamente com couro e curtume do Brasil nossos negócios internacionais até que haja a segurança de que os materiais usados em nossos produtos não contribuam para o dano ambiental no país”, acrescentou.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro chegou a se manifestar sobre o assunto pelo Twitter. “Mais cedo, jornais publicaram que 18 marcas suspenderam a compra de couro brasileiro. Àqueles que torcem contra o país e vergonhosamente divulgaram felizes a notícia, informo que o Centro de Indústria de Curtumes do Brasil negou tal suspensão. As exportações seguem normais.”

Antes do posicionamento da VF, Bello afirmou que não havia a intenção de os importadores boicotarem compras do produto. Segundo ele, o importador teria explicado que continuaria com os pedidos em andamento, mas que gostaria de “esclarecimento adicionais” sobre a origem do couro.

Também ontem, a maior produtora mundial de salmão, a empresa norueguesa Mowi ASA (MOWI.OL), declarou que poderá parar de comprar soja brasileira para ser usada na sua produção, se o País não coibir o desmate. “É importante que nós e todos que compram bens do Brasil digam claramente que a floresta tropical deve ser preservada e a situação atual é inaceitável”, disse Catarina Martins, diretora de sustentabilidade.

Hoje, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, entidade que reúne mais de 200 representantes do agronegócio, de entidades de defesa do meio ambiente, da academia e do setor financeiro, deve entregar um manifesto a Bolsonaro, pedindo que retome o controle do desmatamento para garantir que o Brasil possa ser um “líder agroambiental”.

Lava Jato. A Advocacia-Geral da União (AGU) dobrou o valor do fundo bilionário da Lava Jato que sugere ser destinado a prevenção e combate de incêndios na Amazônia Legal, de R$ 500 milhões para R$ 1 bilhão. A mudança foi encaminhada em manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Alexandre de Moraes vai decidir sobre o destino dos R$ 2,5 bilhões originados de um acordo entre a Justiça americana e a Petrobrás. A AGU sugere que o montante seja executado em parte pela União e em parte pelos Estados da Amazônia.

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Relatos indicam que os incêndios são criminosos

André Borges

Gabriela Biló

29/08/2019

 

 

Produtores rurais dizem que foram avisados por donos de outras propriedades sobre queimadas

O fogo que se alastra pela região sul do Amazonas, uma das áreas com mais focos de incêndio hoje em toda a Amazônia, pode ter sido motivado por fazendeiros locais, segundo moradores relataram ao Estado. Em Santo Antônio do Matupi, na altura do km 200 da Transamazônica, a reportagem flagrou um incêndio de grandes proporções anteontem, que avançava pela floresta.

A área pertence ao município de Manicoré, que registrava 355 focos de queimadas, o maior número no Estado, segundo os dados mais atualizados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Ao se aproximar da queimada por uma pequena estrada de terra, a reportagem conseguiu conversar com dois donos de sítios. Ambos, inconformados com a queimada, afirmaram que, ao meio-dia, foram avisados por donos de outras propriedades locais de que eles deviam se preparar, porque iriam tocar fogo em toda a área. E assim teriam feito. Quando a reportagem chegou ao local, por volta das 14 horas, as chamas já tinham queimado todas as áreas abertas dos sítios e avançavam de forma descontrolada para a floresta.

O produtor rural José Silva de Souza diz que teve de retirar seus cavalos às pressas. “O que está acontecendo aqui é que os caras passaram em casa meiodia, dizendo que iam atear fogo. Quando eu cheguei aqui, já estava esse fogaréu todo”, disse Souza ao Estado. “Consegui retirar meus cavalos. Não pude fazer mais nada.”

Questionado sobre a autoria do fogo, Souza apontou proprietários de terras vizinhas como responsáveis. “Foram eles (fazendeiros vizinhos) que mandaram avisar que iam tocar fogo. Não tem como dizer que foi outro. Mandaram ir lá em casa avisar que iam atear, ao meio-dia”, afirmou o produtor rural.

O anúncio do incêndio pelos produtores locais também foi confirmado à reportagem pelo dono de outro sítio vizinho, conhecido como Cabral, que preferiu não gravar entrevista. Ele também disse que foi avisado pelos vizinhos da propriedade sobre o fogo, que àquela altura já havia avançado sobre suas terras e sobre parte da floresta. “Não podem fazer isso aqui, desse jeito. É ilegal”, declarou.

Sobre os motivos de alguns fazendeiros incendiarem as áreas, Cabral disse que o objetivo desses proprietários é “limpar” a vegetação para a pastagem. “A ideia é retirar toda a vegetação que esteja sobre a mata e, em seu lugar, manter apenas a grama para o gado”, afirmou. A prática é comum e ocorre todos os anos, segundo ele.

Neste ano, porém, conforme relatos recolhidos pela reportagem com diversos moradores da região, houve um aumento descontrolado dessa prática motivada pela percepção de que a fiscalização estaria mais branda.

Revolta. Moradores e pequenos empresários locais de Santo Antônio do Matupi e região afirmam ainda que há vários produtores locais indignados com a criação, nos anos mais recentes, de unidades de conservação ambiental pelo governo federal. São muitas as situações de fazendas e sítios que não têm regularização fundiária.

Com a criação de unidades de conservação, parte dessas propriedades foi incluída nos territórios das florestas protegidas, ficando em situação irregular. Vários chegaram a negociar indenizações com o governo, mas ainda não receberam o dinheiro.

Veto a queimadas

Por 60 dias, o governo deixará de permitir queimadas no País, conforme medida que será publicada hoje no Diário Oficial da União. O Código Florestal permite queimadas em casos específicos, com aval de órgão ambiental.