Valor econômico, v.19, n.4681, 01/02/2019. Política, p. A7

 

Caso Flávio Bolsonaro pode repercutir no Coaf 

André Guilherme Vieira 

01/02/2019

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) pode dar início hoje a uma discussão com potencial para modificar o atual entendimento do papel do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Hoje, o órgão de prevenção à lavagem de dinheiro vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública de Sergio Moro recebe e identifica transações suspeitas de crime e as comunica às autoridades para abertura de investigação, sem necessidade de autorização judicial. O STF pode impor essa obrigação.

Relator do pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) para retirar do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) investigação sobre movimentações financeiras suspeitas do parlamentar, o ministro Marco Aurélio Mello definirá se o caso será mantido com os promotores fluminenses. A investigação está suspensa desde 17 de janeiro, quando o vice-presidente da Corte, ministro Luiz Fux, acolheu liminar da defesa de Flávio Bolsonaro no plantão do recesso judicial.

Marco Aurélio já deixou claro que cassará a liminar e que vai remeter os autos à primeira instância da Justiça estadual do Rio de Janeiro. O ministro seguirá a jurisprudência do STF sobre a prerrogativa de foro. A Corte estabeleceu que o privilégio existirá somente para o exercício do mandato e a atos a ele relacionados.

Marco Aurélio disse ao Valor que considera inconstitucional que uma autorização para realizar análises e comunicações de dados sigilosos não seja previamente solicitada ao Judiciário.

"Minha posição já foi revelada no Plenário. Pela Constituição, a privacidade quanto a dados somente é afastável por ordem do Judiciário e, mesmo assim, visando investigação criminal ou instrução de processo", afirmou o ministro à reportagem.

Marco Aurélio se referiu ao artigo 5º, inciso 12 º da Constituição, que estabelece ser " inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".

Filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro movimentou R$ 632 mil entre 1º de agosto de 2017 e 31 de janeiro de 2018. Foram R$ 337 mil em créditos e R$ 294 mil em débitos. Segundo relatório do Coaf, o valor é incompatível com a renda de Flávio que, à época, recebia vencimentos de R$ 27 mil como deputado estadual no Rio de Janeiro.

Uma eventual mudança preocupa o Ministério Público, a Polícia Federal e outros órgãos de controle. O procurador da República Roberson Pozzobon afirma que os relatórios de inteligência financeira produzidos pelo Coaf não caracterizam quebra do sigilo bancário.

O integrante da força-tarefa da Operação Lava-Jato no Ministério Público Federal (MPF) do Paraná considera que os dados reportados pelo órgão são informações de inteligência que não podem ser usadas como prova nas investigações criminais e denúncias.

"A efetividade do Coaf se dá justamente pelo recebimento de dados do sistema financeiro e pela reunião de indícios de lavagem em uma base de dados. Com esses elementos, elaboram-se relatórios que são apenas conjuntos de informações de inteligência, eles não são prova".

Na avaliação de Pozzobon, se a lógica de funcionamento do Coaf for invertida, submetendo a unidade de inteligência financeira ao crivo do Judiciário, haverá um esvaziamento do órgão.

"Não faz sentido, porque o Judiciário só atua quando provocado, tem de haver um pedido anterior. Como o Judiciário faria essa avaliação? Isso travaria todo o sistema".

Atualmente, o fluxo de informações do Coaf tem duas mãos de direção. Primeiro o órgão realiza uma varredura no sistema financeiro e, quando encontra padrões atípicos, que sugerem tentativa de burla, os comunica às autoridades competentes, como a Receita Federal, o Ministério Público e a Polícia Federal.

Também é praxe que investigadores solicitem informações complementares ao Coaf para auxiliar ou ampliar a instrução de procedimentos já em andamento.

Uma recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão de controle e fiscalização de promotores e procuradores da República, traçou diretrizes para o tratamento e metodologia dos dados originados em relatórios do Coaf.

A recomendação de caráter geral nº 4, de 7 de agosto de 2017 estabelece que os relatórios de inteligência espontâneos encaminhados pelo Coaf devem ser registrados como 'notícia de fato' e distribuídos para os órgãos com atribuição para instauração de 'procedimento apuratório cabível'. Segundo a recomendação, dados relacionados a agentes públicos devem ser encaminhados aos órgãos de investigação criminal e de improbidade administrativa.

As notícias de fato devem obedecer prazos e regras de controle.

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Supremo terá pauta polêmica 

Luísa Martins 

01/02/2019

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) abre o ano Judiciário de 2019 hoje com expectativa de um primeiro dia movimentado - e de um semestre dedicado a temas controversos, como prisão após condenação em segunda instância, aborto e descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.

A solenidade de abertura está marcada para as 10h, com previsão de discursos do presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli, e da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entre outras autoridades convidadas.

Para o primeiro dia de trabalho, são aguardadas diversas decisões com impacto no mundo político, inclusive no que diz respeito ao governo federal. O ministro Marco Aurélio Mello deve enviar à primeira instância do Rio de Janeiro a investigação sobre movimentações financeiras atípicas supostamente realizadas pelo senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.

Ainda sobre o presidente, Fux deve suspender o andamento das duas ações penais em que Bolsonaro é réu por injúria e incitação ao crime, referentes ao episódio em que agrediu verbalmente a deputada Maria do Rosário (PT-RS), em 2014. Isso porque, segundo a Constituição, um presidente não pode ser responsabilizado por atos anteriores à sua investidura no cargo.

A partir de hoje, os ministros Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso também podem conceder liminares pleiteadas no Supremo para, respectivamente, suspender a extinção do Ministério do Trabalho e devolver à Fundação Nacional do Índio (Funai) a atribuição de demarcar terras indígenas - duas medidas que atingem a reestruturação administrativa do novo governo.

Outros processos que deverão ser declinados à primeira instância logo nos primeiros dias têm como alvos o ex-presidente Michel Temer, que perdeu o foro privilegiado ao passar a faixa para Bolsonaro, em 1º de janeiro. Na mais recente denúncia, de relatoria do ministro Barroso, o emedebista é acusado de receber propina para beneficiar empresas do setor portuário. Outras três investigações - entre elas a que o acusa de propina da Odebrecht - estão com o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato na Corte, e também devem "descer".

Marco Aurélio também deve voltar a determinar que a escolha da presidência do Senado, que ocorre hoje, seja realizada por meio de voto aberto. Durante o recesso, Toffoli derrubou a decisão do colega por entender que as regras deveriam ser definidas pelo próprio Legislativo, sob pena de violar o princípio da separação dos poderes.

Afora essas decisões monocráticas, o Supremo tem 44 sessões plenárias agendadas para o primeiro semestre - a primeira delas será na próxima quarta-feira, dia 6. Em 10 de abril, os holofotes se viram à ministra Rosa Weber, a maior incógnita do julgamento das ações sobre prisão após sentença de segundo grau.

A retomada do julgamento sobre a constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para consumo próprio será em 5 de junho, com o voto do ministro Alexandre de Moraes. Já há três votos previstos para descriminalizar (Barroso, Fachin e Gilmar Mendes), mas Moraes já indicou que irá divergir dos colegas.

Outro tema social polêmico está na pauta de 22 de maio, quando o STF decide sobre a possibilidade de aborto em casos de gestantes infectadas pelo zika vírus, responsável por casos de microcefalia em bebês. A relatoria é da ministra Cármen Lúcia.

Toffoli também agendou sessões temáticas, como a de 28 de março, em que serão julgados processos sobre questões ambientais. Para o dia 3 de abril, serão discutidas ações sobre direitos dos indígenas, enquanto matérias previdenciárias estão marcadas para o dia 25 de abril. Pontos judicializados sobre a reforma trabalhista também terão uma data específica para serem analisados: 12 de junho. Entre os temas a serem julgados, está a equiparação de direitos entre terceirizados e empregados.