Valor econômico, v.19, n.4682, 04/02/2019. Política, p. A6

 

Planalto muda estratégia no Congresso 

Fabio Murakawa 

04/02/2019

 

 

Depois de privilegiar as bancadas temáticas na formação de seu ministério, governo Jair Bolsonaro agora recorrerá à negociação com líderes partidários e, principalmente, com bancadas do Estados em sua relação com a Câmara dos Deputados. A estratégia começará a ser testada já nos próximos dias, às vésperas do envio da proposta da reforma da Previdência ao Congresso Nacional.

A vitória no Senado de Davi Alcolumbre (DEM-AP) fortalece a posição do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. No Palácio do Planalto, a expectativa é a de que a proximidade entre ambos facilite a tramitação de projetos impopulares como as reformas. Mas o governo sequer definiu ainda seu líder na Casa e a vitória de Alcolumbre, no sábado, depois de dois dias de sessões, foi com 42 votos, apenas um a mais que a maioria absoluta.

Onyx entende que a hora é de falar com os partidos. Ao mesmo tempo, os interlocutores do Planalto procurarão dividir as conversas com os parlamentares levando-se em conta os Estados de origem de cada um. A ideia é criar "blocos estaduais suprapartidários", usando em alguns casos a força de governadores aliados ou alinhados com a agenda do governo para influenciar nas votações.

Um interlocutor do governo usa como exemplo a bancada do Ceará. Dos 22 deputados do Estado, o governo acredita que dez (filiados a PDT, PT e PSB) são oposição e, portanto, votos perdidos para a reforma. Os 12 restantes podem formar uma bancada de apoio, na visão do Planalto. "Se não conversar muito educadamente com muita atenção e carinho nós vamos ter problemas", admite a fonte. "Vamos entrar em campo e ouvir as demandas de todos os aliados."

Os líderes partidários serão chamados a conversar nos próximos dias sobre a liderança do governo no Congresso e no Senado. Devem participar das conversas o novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-SP) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A as bancadas do PSL nas duas Casas também serão ouvidas.

Sobre o cargo de líder no Congresso, o governo cogita fazer um revezamento anual entre senadores e deputados.

Essa ideia ainda tem que ser amadurecida, de acordo com interlocutores. E precisa necessariamente do aval do presidente Jair Bolsonaro, que se recupera em São Paulo da cirurgia para a retirada da uma bolsa de colostomia.

O PSL, que já tem o líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (GO), não deve ficar com nenhum dos dois postos. Filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) disputa com Major Olímpio (PSL-SP) a liderança do partido no Senado.

Os nomes dos deputados Alceu Moreira (MDB-RS), Arthur Lira (PP-AL), Capitão Augusto (PR-SP) e José Rocha (PR-BA) circulam no Palácio do Planalto entre os candidatos a líder do governo no Congresso.

"Até quarta ou quinta, haverá muito diálogo. E vamos esperar presidente voltar e dar o seu aval", diz uma fonte do governo.

No Senado, as conversas estão em fase mais incipiente do que na Câmara. Ex-líder do PSDB no Senado e derrotado na tentativa de se reeleger em outubro, o catarinense Paulo Bauer assume hoje o cargo de Secretário Especial para o Senado Federal. Ele estará sob o guarda-chuva de Onyx.

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MDB perde poder após 3 décadas e tenta renovação

Fabio Murakawa 

Malu Delgado 

04/02/2019

 

 

Alijado do comando das duas Casas no Congresso pela primeira vez desde 1985, o MDB tenta juntar os cacos depois da turbulenta eleição no Senado. A derrota de Renan Calheiros (MDB-AL) para Davi Alcolumbre (DEM-AP) deve exigir que a legenda antecipe uma reformulação para sobreviver às próximas eleições, em 2020. O controle do Legislativo era visto como o último nicho de poder do MDB.

Nesta segunda, a bancada do partido no Senado se reúne para tentar cicatrizar as feridas que surgiram no processo de sucessão no Senado. A velha guarda emedebista saiu do processo eleitoral irritada com a atuação de Simone Tebet (MDB-MS) para minar a candidatura de Renan.

Ela perdeu na última quinta-feira a disputa pela indicação do partido por 7 votos a 5. Por outro lado, tornou-se uma ponte natural entre a sigla e a nova cúpula do Senado.

Tebet, porém, impõe condicionantes e diz que não agirá para desfazer compromissos assumidos entre Alcolumbre e os partidos que a apoiaram, como o PSDB e o PSD.

"Vou fazer todo o possível para essa ponte, mas desde que essa ponte seja feita com o MDB consciente de que não é o MDB fisiológico, mas o MDB legitimamente buscando espaço dentro da Casa. E que restabeleça a proporcionalidade, perdida com a eleição", disse ao Valor.

Antes e depois da reunião da bancada, Simone participou de diversas reuniões de articulação com inimigos do alagoano como Tasso Jereissati (PSDB-CE), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Eduardo Girão (Pros-CE).

O último lance foi colocar-se como candidata avulsa no plenário, à revelia do partido, somente para poder discursar na eleição. Em sua fala, Simone Tebet abriu mão da candidatura e declarou voto em Alcolumbre. Seus movimentos foram decisivos para enfraquecer Renan. Ao lado de Tasso Jereissati, Simone ensaiou todos os passos de Alcolumbre e bancou a divisão do MDB.

"O que a Simone fez não é certo. Ela perdeu a eleição na bancada e depois trabalhou contra o MDB", disse José Maranhão (MDB-PB), ao fim de 12 horas de sessão na eleição presidida por ele, mais velho dos senadores, por ordem do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).

Além da briga interna da bancada, a reunião hoje pode marcar o início de um rearranjo de forças dentro do MDB no Senado. Vendo seu candidato derrotado na eleição para presidente da Casa, emedebistas começam a ver que o melhor a fazer é estender a mão ao vencedor.

"Nós precisamos tentar buscar entendimento e resgatar a proporcionalidade tanto quanto possível. Como maior bancada, o MDB precisa se fazer representar tanto na mesa diretora quanto nas comissões", afirma Fernando Bezerra (MDB-PE).

Há, ainda, possibilidade de Simone Tebet contar com o apoio da presidência do MDB, sob o controle do ex-senador Romero Jucá (RR), também derrotado nestas eleições.

Além de Renan e José Maranhão, a velha guarda do MDB é composta ainda por derrotados na eleição do ano passado, como o presidente da sigla, o ex-presidente do Senado Eunício Oliveira (CE), o ex-presidente José Sarney.

Os poucos componentes do grupo vitoriosos em outubro foram os senadores Jader Barbalho (PA) e Eduardo Braga (AM). Na Câmara, onde o partido está fora da presidência desde a cassação de Eduardo Cunha, em 2016, a elite partidária foi muito atingida pelos escândalos que atingiram o governo de Michel Temer.

A hegemonia do MDB no Congresso começou com a vitória de Tancredo Neves e José Sarney na eleição presidencial indireta, em 1985, ocasião em que uma dissidência do então partido governista formou o PFL e aliou-se ao à época PMDB. Na sequência foram eleitos para o Senado José Fragelli (MS) e para a Câmara Ulysses Guimarães (SP). O PMDB manteve o domínio do Senado desde então, exceto entre 1997 e 2001, quando a Casa ficou sob o mando do PFL.

Nesse período, contudo, a Câmara foi presidida pelo emedebista Michel Temer. O partido voltaria a comandar os deputados entre 2009 e 2011, novamente com Temer, e entre 2013 e 2016.

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Da derrota à vitória, em apenas 2 meses 

Vandson Lima 

04/02/2019

 

 

Eu não sei bem dessa história de ser candidato. Tem conversas. Mas olha, continua colocando meu nome no jornal entre os cotados, tá? Se pegar...". Era fim de dezembro e o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) parecia não acreditar no que aconteceria dali a pouco mais de um mês, quando, neste sábado, impôs uma derrota histórica a Renan Calheiros e colocou fim à hegemonia do MDB no comando do Senado.

Sentado sozinho no café do Senado, a cabeça de Alcolumbre ainda remoía outro assunto: a eleição ao governo do Amapá, na qual havia ficado apenas na terceira colocação. "Era para eu ganhar. Todas as pesquisas mostravam que, se eu chegasse no segundo turno, vencia qualquer um. Mas a candidatura do PSL me ferrou". Ele se referia à candidatura de Cirilo Fernandes, um servidor público especializado em formação política para cristãos que foi a aposta do PSL no pleito.

Com o mesmo eleitorado, Cirilo e Alcolumbre dividiram votos e ficaram fora do segundo turno, que teve Waldez (PDT) e João Capiberibe (PSB), com o primeiro sendo reeleito. "Fiquei só 25 mil votos atrás do Capi. Tive 94 mil e o Cirilo, 45 mil. Se ele não tivesse disputado, esses votos seriam meus e eu tinha ganhado a eleição", analisou Alcolumbre. Ironicamente, foi a exposição do voto de um senador do PSL, no caso Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República, o estopim para que Renan desistisse da disputa há dois dias, facilitando a vitória do amapaense.

Em dezembro, a disputa interna também não era a principal preocupação do Senado. A discussão em torno da divisão do bônus de assinatura da cessão onerosa do pré-sal dominava as atenções. Davi não estava entre os principais negociadores da matéria, ao contrário de seu adversário Renan, dado como um dos responsáveis por convencer o agora ministro da Economia, Paulo Guedes, a deixar o assunto esfriar e jogar a solução para a próxima legislatura.

Renan, pai do governador de Alagoas, Renan Filho, contava que o próximo presidente do Senado colheria os ganhos políticos de "repartir o cheque" com Estados e municípios e não fazia sentido que isso fosse feito pelo então presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), não reeleito.

A tarefa de negociar a divisão do dinheiro e seu repasse agora caberá a Alcolumbre. Ele também terá de lidar com temas espinhosos que tramitam no Senado, como a redução da maioridade penal e a decretação de prisão após condenação em segunda instância. Neste ponto, terá de mediar a opinião de conservadores, como os do seu partido, e de progressistas como Randolfe Rodrigues (Rede-AP), muito próximo a ele.

Randolfe, oposicionista convicto do governo Bolsonaro, trabalhou pela eleição de Davi, a despeito de sua candidatura ter sido impulsionada pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM) e se tornado favorita após o apoio do PSL do presidente. Além de Onyx, cuja mulher trabalha no gabinete de Alcolumbre, dois agentes externos também foram fundamentais na construção da vitória do candidato do DEM: o prefeito de Salvador (BA), ACM Neto, e o governador de São Paulo, João Doria, que dissuadiu o PSD de uma aliança com Renan.

Comerciante, judeu, sem formação superior, Alcolumbre é conhecido no Senado como o típico "gente boa". Falante, cumprimenta a todos com abraços e está sempre por dentro das fofocas do Parlamento. Foi eleito senador em 2014, derrotando o grupo vinculado ao ex-presidente José Sarney (MDB) no Amapá. Antes disso havia sido deputado federal por três legislaturas aliado a Sarney.

Ele chega ao posto mais alto do Legislativo sob desconfiança de sua capacidade para dialogar com setores sensíveis, como o Poder Judiciário. Responde, no entanto, a dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal, por crimes eleitorais, contra a fé pública e uso de documento falso, de acordo com levantamento divulgado pela Rádio CBN, veiculado ontem. E terá de lidar com uma Casa cheia de novatos. Com um índice de renovação de 87% das vagas do Senado que estavam em disputa em outubro, muitos dos novos senadores sequer haviam exercido um mandato até hoje.

Isso foi facilmente verificável na confusa sessão inaugural. Teve senador - Jorge Kajuru (PSB-GO) - decidindo seu voto a presidente do Senado por consulta a seguidores no Facebook. E teve muito recém-chegado mais preocupado em pedir a palavra para "lacrar" uma frase de efeito, feita sob medida para as redes sociais, do que gente disposta a construir soluções em meio ao caos da sessão.

Com 42 votos, Alcolumbre foi eleito no primeiro turno, após dois dias de tensões, embates no Senado. Ele comandou a sessão preparatória para as eleições, sexta-feira, e foi acusado de legislar em causa própria ao colocar em votação a deliberação sobre se a votação deveria ser aberta ou fechada. A votação aberta foi aprovada, mas a decisão foi anulada no dia seguinte pelo STF.

Com o resultado, o DEM, partido de Alcolumbre e Lorenzoni, se torna mais poderoso até que o próprio PSL, legenda do presidente: comanda três ministérios - Casa Civil, Saúde e Agricultura - e todo o Poder Legislativo: a Câmara dos Deputados, com Rodrigo Maia (RJ) e Alcolumbre - o presidente do Senado é também o comandante do Poder Legislativo, conduzindo as sessões conjuntas das duas Casas no Congresso Nacional.

Em seu primeiro discurso, o novo presidente do Senado agradeceu Alvaro Dias (Podemos-PR), Major Olímpio (PSL-SP), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e, principalmente, a Simone Tebet (MDB-MS), que deixaram o processo eleitoral em favor dele. "Quero estender os cumprimentos ao ex-presidente do Senado, Renan Calheiros. Terá o mesmo tratamento que todos os partidos merecem ter".

"Hoje estou muito mais nervoso do que ontem", disse Alcolumbre. "A independência do Senado precisa ser respeitada, porque isso aqui é um Poder independente do país. Não conduzirei um Senado de revanchismo. Precisamos reunificar o Senado em torno da República e do interesse público", garantiu.