O Estado de São Paulo, n. 45973, 31/08/2019. Política, p. A8

 

Encontro com Trump é 'simbólico', afirma chanceler

Beatriz Bulla

31/08/2019

 

 

Reunião de Araújo e Eduardo Bolsonaro com presidente dos EUA é usada como credencial para indicação de deputado à embaixada

O bate e volta a Washington organizado pelo chanceler Ernesto Araújo e pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para reunião com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, serviu para enviar um sinal ao “mundo inteiro” da “relação diferenciada” entre os dois países. Essa foi a definição do ministro após deixar a Casa Branca sem fazer anúncios concretos e dizer que não houve pedido específico feito pelo Brasil aos EUA.

Segundo Araújo, a novidade foi “a reunião em si” com Trump e o “novo patamar” que a relação entre os dois países atingiu. O ministro classificou o encontro como o “momento mais simbólico” da relação entre os dois países, desde a visita de Bolsonaro a Trump, em março.

A viagem também se dá como parte do esforço de Eduardo Bolsonaro de mostrar as credenciais para assumir a embaixada do Brasil nos EUA. O deputado disse que Trump “reforçou intenção de maneira educada de apoiar minha candidatura, mas não aprofundamos”.

A indicação do deputado ainda não foi oficializada pois o governo acredita não ter, até o momento, os votos necessários no Senado para aprovar a nomeação de Eduardo como embaixador em Washington. O governo, no entanto, rechaça que a presença de Eduardo Bolsonaro na comitiva seja uma promoção da campanha do filho “03” do presidente. Mas cada ato de aproximação de Eduardo com Trump tem sido usado por Bolsonaro para reiterar a escolha do filho para representar o País nos EUA.

A presença de Eduardo na comitiva despertou o interesse dos jornalistas estrangeiros. “É o filho embaixador?”, perguntaram alguns jornalistas a brasileiros presentes. Na sala de imprensa, profissionais perguntavam o motivo de “o filho do presidente do Brasil” estar reunido com Trump se ele “ainda não é embaixador”. O questionamento foi oficializado na entrevista dada por Ernesto Araújo aos estrangeiros e o chanceler respondeu que o deputado é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.

Um dos jornalistas estrangeiros perguntou a Eduardo sobre o comentário feito “pelo seu pai” sobre a esposa de Emmanuel Macron e o deputado, depois de perguntar a um auxiliar o que tinha sido questionado, pediu a Araújo para responder. Ele não quis responder a nenhuma das perguntas da imprensa internacional. Já fora da Casa Branca, aos jornalistas brasileiros, Eduardo disse ter preferido a imprensa nacional porque “vocês são muito mais bonitos”.

Amazônia. Ontem pela manhã, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que Ernesto e Eduardo deveriam trazer novidades ao Brasil e que havia pedido ajuda para Trump para combater as queimadas na Amazônia.

O chanceler e o deputado foram questionados sobre o tema e não fizeram anúncio de ajuda específica negociada com os americanos. Trump já havia oferecido apoio há cerca de uma semana, quando telefonou para Bolsonaro.

Ao final de duas rodadas de conversas com jornalistas, o deputado deixou em aberto a possibilidade de que o pai anuncie, em Brasília, algo sobre o encontro com Trump, sem dar detalhes. “Qualquer tipo de anúncio ou fato mais detalhado certamente o presidente falará, inclusive é uma deferência antes de falar com Bolsonaro estarmos falando com vocês”, afirmou.

O encontro aconteceu em meio ao questionamento internacional sobre a política ambiental de Bolsonaro. Trump, que já retirou os EUA do acordo climático de Paris e questiona evidências científicas como o aquecimento global, tem sido um aliado do governo brasileiro no cenário externo.

Segundo o filho do presidente, os países que tentarem “subjugar” a soberania do Brasil encontrarão problemas com os EUA. “As relações nunca estiveram tão boas”. Para o chanceler, não houve “nenhum pedido específico” por parte do Brasil no encontro com Trump. “Não tínhamos expectativa de sair daqui com um acordo”.

Eduardo e Ernesto chegaram na Casa Branca às 13h35, no horário de Brasília, e ficaram reunidos com as autoridades do Conselho de Segurança Nacional antes da chegada de Trump no local. A reunião com o presidente americano só aconteceu por volta das 15h e durou cerca de trinta minutos. Estavam presentes pelo lado americano o secretário de Estado, Mike Pompeo, e Jared Kushner, assessor e genro de Trump.

Estavam na comitiva brasileira o assessor para assuntos internacionais do Planalto, Filipe Martins, e o embaixador Nestor Forster, encarregado de negócios da embaixada do Brasil em Washington. Forster é o atual chefe da embaixada brasileira.

- 'INTENÇÃO'

“(Trump) reforçou intenção de maneira educada de apoiar minha candidatura, mas não aprofundamos.”

Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)

DEPUTADO FEDERAL E PRESIDENTE DA COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES DA CÂMARA

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Política doméstica se mistura à internacional

Lucas Leite

31/08/2019

 

 

A visita de Eduardo Bolsonaro e Ernesto Araújo aos Estados Unidos é mais um exemplo de como o presidente Jair Bolsonaro usa de instrumentos pouco comuns à diplomacia brasileira. Em primeiro lugar, existe o questionamento acerca dos objetivos estratégicos dessa visita, especialmente porque houve encontro recente entre os dois presidentes e seria de se imaginar que a agenda de cooperação já estivesse em execução a esse ponto.

Um segundo aspecto é a necessidade de um deputado federal acompanhar um ministro de Estado (diplomata de carreira, a despeito das qualificações do atual chanceler) em viagem oficial – e aí a política doméstica se mistura à internacional. Bolsonaro exalta o filho à categoria de para-chanceler enquanto não consegue os votos necessários à aprovação deste no Senado para o cargo de embaixador nos Estados Unidos.

A visita, portanto, é estratégica, no sentido de tentar demonstrar aos senadores brasileiros que o filho tem passe livre com Donald Trump e que isso poderia acarretar em ganhos para o Brasil. Há que se reforçar, contudo, que não são claros quais esses ganhos. E lembrar que o nosso País tem uma vasta oferta de diplomatas, concursados e aptos para o cargo de embaixador, sem que seja necessário recorrer ao próprio filho – mais objetivamente, ao nepotismo.

Por fim, resta saber se a viagem de Eduardo terá efeitos práticos. A oposição está mais próxima dos votos que barram sua indicação, e somente com o apoio dos indecisos o governo poderia reverter uma provável derrota. Apenas demonstrar apoio de Trump não é suficiente – se o presidente americano não oferecer algo tangível e apontar o filho do presidente como um interlocutor responsável, o cenário provavelmente não se alterará no Senado.

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Bolsonaro acata justiça e afasta chefe da Ancine

Mateus Vargas 

Sandra Manfrini

31/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro afastou, ontem, o diretor-presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine), Christian de Castro Oliveira. O afastamento, publicado em edição extra do Diário Oficial da União, cumpriu uma decisão judicial da 5.ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.

A Justiça aceitou argumentos do Ministério Público Federal de que Castro e outras duas pessoas entraram no sistema da Ancine em 2017 e enviaram informações sigilosas a um sócio dele. O MPF ainda afirma que as informações foram usadas para caluniar dois outros diretores da agência. Dados que seriam falsos, sobre acusações de desvio de recursos, foram enviados à imprensa, diz a ação.

Em nota, o Ministério da Cidadania, ao qual a Ancine está ligado, reforça que Oliveira foi afastado da presidência da Ancine por decisão da Justiça. O Estado, no entanto, apurou que o afastamento surpreendeu dirigentes da Ancine. “O Ministério da Cidadania informa que demandará esforços para que a Agência possa atender o setor com normalidade”, diz a pasta.

O Estado não conseguiu localizar o presidente afastado.

Na mesma edição extra do DOU, o Ministério da Cidadania afasta dos cargos públicos que ocupam e suspende do exercício das funções públicas os seguintes servidores: Magno de Aguiar Maranhão Junior, Juliano Cesar Alves Vianna, Marcos Tavolari, e Ricardo César Pecorari.

A portaria ainda determina ao diretor-presidente interino da Ancine “a adoção de todas as providências necessárias para efetivar o comando da decisão judicial, bem como que seja proibido o acesso às dependências da Ancine e que seja promovido o bloqueio nos sistemas informatizados da Agência de todos os servidores indicados”.

O presidente Jair Bolsonaro designou Alex Braga Muniz para exercer o cargo de substituto eventual do diretor-presidente da Ancine, durante as ausências e impedimentos do titular.

A Ancine tem sido alvo de diversas críticas do governo em razão dos conteúdos de alguns filmes financiados pela agência. Bolsonaro tem criticado a agência e projetos apoiados por ela.