O globo, n.31390, 17/07/2019. País, p. 04

 

O freio de Toffoli 

Leandro Prazeres

André de Souza 

17/07/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

CRIMES FINANCEIROS / Ministro suspende investigações com uso de dados bancários sem autorização da Justiça

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determinou ontem a suspensão de todos os processos judiciais nos quais dados bancários detalhados de investigados tenham sido compartilhados por órgãos de controle sem autorização prévia do Poder Judiciário. A decisão foi dada em resposta a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e, segundo sua defesa, vai beneficiá-lo em investigações que tramitam contra ele na Justiça do Rio.

A decisão foi recebida com críticas de procuradores que apuram casos de crimes financeiros. Eles alegam que ela pode ter impacto na maior parte das investigações de lavagem de dinheiro em andamento no país.

Além de paralisar processos judiciais, Toffoli mandou suspender inquéritos e procedimentos de investigação criminais (PICs) em tramitação tanto no Ministério Público Federal quanto nos ministérios públicos nos estados e no Distrito Federal. O presidente do STF classificou como “temerária” a atuação do MP em casos envolvendo o compartilhamento de informações fiscais sem a supervisão da Justiça.

RELATÓRIO DO COAF

A decisão de Toffoli se deu em torno de uma das principais controvérsias da investigação conduzida pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ) contra Flávio Bolsonaro. Ele é investigado em um inquérito que apura o suposto desvio de dinheiro em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

A investigação começou a partir de um relatório do Conselho de Administração de Atividades Financeiras (Coaf ) anexado à Operação Furna da Onça, que apurava corrupção na Alerj. O Coaf identificou movimentações suspeitas de parlamentares e assessores da Casa. Entre elas, transações que somavam R$ 1,2 milhão nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar de Flávio.

A defesa do filho do presidente Bolsonaro argumenta que o Coaf quebrou seu sigilo bancário e fiscal sem autorização da Justiça e compartilhou essas informações com o MP-RJ, o que seria ilegal.

O documento enviado pelo Coaf ao MP-RJ que originou a apuração sobre Flávio é um Relatório de Inteligência Financeira (RIF), que contém apenas as transações que despertaram suspeitas. Ele é diferente de uma quebra de sigilo bancário, em que constam todas as operações.

Com a tese de quebra de sigilo, a defesa de Flávio Bolsonaro pegou uma “carona” em um recurso que já estava tramitando no STF desde 2017 sobre o mesmo assunto, com o julgamento previsto para 21 de novembro deste ano.

O recurso, movido pelo Ministério Público Federal contra uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo, que anulou uma ação penal por causa do compartilhamento de dados pela Receita Federal com o Ministério Público.

O recurso foi escolhido pelo STF para ter a chamada repercussão geral, o que significa que a decisão sobre este caso específico terá um efeito cascata sobre todos os processos semelhantes em tramitação.

DEFESA COMEMORA

Embora tenha partido de um pedido de Flávio, há polêmica sobre o efeito da decisão no caso do senador. Em sua decisão, Toffoli classificou os dados bancários e fiscais em dois grupos. No primeiro, estão informações mais genéricas contendo apenas montantes globais movimentados mensalmente e a titularidade das contas bancárias. No outro, estão dados detalhados sobre a movimentação financeira de investigados incluindo informações que permitiriam aos investigadores detectar a “origem ou natureza” de gastos.

Para o ministro, todas as investigações e ações que tenham usado dados financeiros e fiscais detalhados fornecidos por órgãos de controle sem autorização prévia da Justiça devem ser suspensos. Os que usaram apenas dados genéricos podem continuar tramitando.

O advogado de Flávio Bolsonaro, Frederick Wassef, comemorou a decisão de Toffoli, mas afirma que ela não impede o andamento de investigações contra crimes do colarinho branco.

“Todas elas poderão continuar em trâmite. Obrigase apenas que, preventivamente, as autoridades de persecução penal façam cumprir a Constituição da República, solicitando a quebra do sigilo bancário ao Poder Judiciário”, disse um trecho da nota.

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'Ele tem problemas potencializados por ser meu filho'

André de Souza 

Manoel Ventura 

17/07/2019

 

 

Feliz. Bolsonaro, que falou dos filhos

O presidente Jair Bolsonaro saiu ontem em defesa do filho Flávio. O presidente afirmou que o senador, investigado pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ), tem problemas “potencializados” por ser seu filho. Flávio, que nega irregularidades, é alvo no inquérito que apura suposto desvio de dinheiro em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O desvio, segundo as investigações, ocorreria a partir da arrecadação ilícita de parte dos salários dos assessores lotados em seu gabinete.

O presidente participava da cerimônia de posse do novo presidente do BNDES, Gustavo Montezano, quando foi perguntado sobre a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Embora tenha dito que a desconhecia, mencionou implicitamente as investigações ao elogiar Montenzano e estender a fala para prestigiar os próprios filhos.

— Temos um senador da República. Por ser meu filho, tem seus problemas potencializados. Temos também, se Deus quiser, um embaixador da potência mais importante do mundo. Estou muito feliz neste momento — disse Bolsonaro durante o discurso.

O comentário do presidente se referia ao orgulho que ele disse ter de jovens que lutaram e se superaram. Ele mencionou, então, os exemplos de Flávio, do deputado Eduardo Bolsonaro (que ele quer nomear embaixador nos Estados Unidos) e de Montezano, que tem 38 anos eé próximo da família Bolsonaro desde criança. Após o discurso, em rápida en trevis taà imprensa, Bolsonaro evitou comentara decisão de Toffoli:

— Estava numa reunião de ministros agora, vim aqui, não estou sabendo ainda. Quem fala são os advogados.

Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra( MDB-P E ), defendeu o colega:

— Foi uma decisão em relação ao bom Direito. Ninguém pode estar chafurdando avida alheia sem autorização judicial. É uma baliza importante que é dada pelo Supremo, um frei opara abusca de legalidade nas investigações.