O Estado de São Paulo, n. 45928, 17/07/2019. Política, p. A4

 

Toffoli atende à defesa de Flávio e suspende processos

Amanda Pupo

17/07/2019

 


 Recorte capturado

 

 

Supremo. Presidente da Corte manda parar casos em que houve troca de dados entre MP e órgãos do governo sem autorização, o que beneficia filho de Bolsonaro, investigado no Rio

Ao atender a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, suspendeu provisoriamente todos os processos no País em que houve compartilhamento de dados fiscais e bancários com investigadores sem autorização judicial prévia. A decisão atinge investigações em que o Ministério Público utilizou dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), como a de Flávio.

A defesa do senador alega que houve quebra ilegal de sigilo bancário por parte dos procuradores, que acessaram relatórios do órgão de controle sem uma decisão judicial (mais informações nesta página). Os relatórios mostram suspeitas de movimentação atípica nas contas de Flávio e do seu ex-assessor Fabrício Queiroz, conforme revelou o Estado em dezembro.

No caso, o Ministério Público estadual investiga a suposta prática dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete de Flávio quando ele era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

A decisão de Toffoli é de anteontem e tem “repercussão geral”, ou seja, o que o plenário do Supremo determinar valerá para todos os casos semelhantes no País. O julgamento do recurso está marcado para novembro. Além do Coaf, a decisão atinge casos em que houve compartilhamento de dados da Receita e do Banco Central. Procuradores e integrantes da Lava Jato reagiram à medida de Toffoli .

Segundo o presidente da Corte, o Ministério Público “vem promovendo procedimentos de investigação criminal (PIC), sem supervisão judicial”, o que Toffoli classificou como “temerário” do ponto de vista das garantias constitucionais. Para ele, a depender do que for decidido pelo STF em novembro, há risco de processos serem anulados. Não é possível calcular o impacto imediato da decisão de Toffoli. O Supremo identifica ao menos 50 casos que tratam do mesmo tema e serão afetados.

Após a decisão de Toffoli, a 3.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ-RJ) desistiu de julgar um habeas corpus da defesa de Flávio que estava pautado. No pedido, que teria o mérito analisado pelos desembargadores, os advogados também questionam a quebra dos sigilos bancário e fiscal do parlamentar, que atingiu outras 85 pessoas e nove empresas ligadas ao filho do presidente da República.

Compartilhamento. A troca de informações fiscais e bancárias entre investigadores e órgãos de controle já foi alvo de polêmico no Supremo em março. Na época, o assunto chegou a entrar na pauta do plenário, na esteira da polêmica sobre o vazamento de informações do Fisco sobre procedimentos abertos contra ministros de tribunais superiores, como Gilmar Mendes, do Supremo, e familiares.

Em 2017, a Primeira Turma do Supremo julgou caso semelhante e entendeu não ser necessária a autorização judicial para que a Receita enviasse os dados ao Ministério Público. Na ocasião, o ministro Marco Aurélio Mello ficou vencido.

Ontem, ele afirmou ao Estado que não mudou de opinião. O ministro, no entanto, disse ver a suspensão geral dos processos como “extravagante”. “Há uma organicidade que deve ser respeitada, e a medida autoriza ao todo-poderoso relator suspender toda a jurisdição do País”, disse Marco Aurélio.

Ofensivas. Esta não foi a primeira tentativa de Flávio para anular, suspender ou questionar a investigação conduzida pelo Ministério Público fluminense. Enquanto acumula derrotas na Justiça do Rio, a defesa já havia conseguido vitória anterior no próprio STF.

Em janeiro, o ministro Luiz Fux determinou a paralisação do processo após a defesa do filho “01” do presidente alegar que ele, como senador eleito, possuía foro privilegiado. No recurso, a defesa também alegava que a Promotoria havia quebrado seu sigilo bancário sem autorização judicial.

À época, Fux concedeu uma liminar bloqueando a investigação até que o relator do caso, Marco Aurélio Mello, decidisse em que instância o caso deveria seguir. A liminar, no entanto, foi derrubada por Marco Aurélio no mês seguinte e a investigação foi retomada pelo Ministério Público no âmbito da Justiça estadual.

CRONOLOGIA

Dezembro de 2018

Movimentação atípica

Estado mostra que relatório do Coaf detectou movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia do Rio.

Investigação

Ministério Público do Rio abre procedimentos de investigação criminal com base no relatório do Coaf. MP vê indícios de peculato, lavagem e organização criminosa.

Janeiro de 2019

Suspensão 1

Ministro do Supremo Luiz Fux determina a suspensão das investigações a pedido de Flávio, que alega ter foro.

Fevereiro

Decisão derrubada

Decisão de Fux é derrubada por Marco Aurélio Mello e investigação é retomada.

Maio

‘Ilegal’

Ao Estado, Flávio diz que a investigação do MP é ilegal e tem de ser anulada. A Justiça do Rio autoriza a quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio e de Queiroz.

Julho

Suspensão 2

Presidente do STF, Toffoli atende a pedido de Flávio e suspende processo com dados do Coaf. Decisão alcança investigações em que houve compartilhamento de dados da Receita, do Coaf e do Banco Central com o MP sem prévia autorização judicial.

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'Decisão cumpre a lei' diz avogado do senador

Amanda Pupo

17/07/2019

 

 

Advogado do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o criminalista Frederick Wassef disse ontem ao Estado que houve uma “devassa ilegal” na vida do político, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro. O defensor afirmou que a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, “cumpre a lei e faz justiça”, uma vez que, em sua visão, houve quebra ilegal do sigilo bancário e fiscal do senador.

“A autoridade do Poder Judiciário jamais teve ciência do que estava sendo feito com o Flávio, o que, no caso, foi uma devassa ilegal na sua vida”, disse. “Todo brasileiro tem seu direito sagrado, constitucional, ao sigilo bancário, fiscal, entre outros. Então, se qualquer pessoa quiser investigar qualquer brasileiro, inclusive o filho do presidente da República, é necessário cumprir a lei.”

No comando da defesa do senador desde junho, Wassef entende que o Ministério Público do Rio deve suspender automaticamente o procedimento que investiga Flávio. “Mas sempre existe a chance de alguém não ter esse entendimento pelo Rio e nós termos de peticionar (pedir a suspensão).” Para o advogado, o procedimento não tem “uma única prova” contra o senador. “Não existe sequer elementos para oferecer denúncia.”

Um relatório do Coaf identificou como “movimentação atípica” na conta de Flávio 48 depósitos de R$ 2 mil cada um, feitos entre junho e julho de 2017 em um caixa eletrônico dentro da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde Flávio exercia seu quarto mandato consecutivo como deputado estadual. Wassef negou qualquer irregularidade nas contas do senador.

A defesa de Fabrício Queiroz, representada pelo advogado Paulo Klein, afirmou ontem que vem “desde o início apontando uma série de irregularidades no curso da investigação”. “Esta decisão do Supremo só confirma os argumentos”, disse o advogado.