O Estado de São Paulo, n. 45941, 30/07/2019. Notas e Informações, p. A3

 

Disparate

30/07/2019

 

 

Não faz três anos que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concluiu a reforma de sua sede em Brasília ao custo de R$ 7 milhões para os contribuintes. Não foi uma obra modesta, como se vê pelo valor. A reforma envolveu a recuperação da cobertura do prédio, o reforço estrutural das lajes e vigas e a readequação das instalações elétricas e sanitárias. Para aproveitar o ensejo, os conselheiros trocaram o mobiliário do CNJ por itens de alto padrão. Apenas com 430 cadeiras foi gasto R$ 1,06 milhão, 15% do valor total da obra.

Na cerimônia de inauguração da sede reformada, em 9 de setembro de 2016, o ministro Ricardo Lewandowski, então presidente do CNJ, estava exultante. “Conseguimos uma sede nova, primorosa, que não fica a dever nada para outros prédios públicos, além de um terreno de 80 mil metros quadrados que recebemos como doação. Falo no plural, pois todos fizemos isso em conjunto”, disse o então presidente do CNJ.

É acintoso que, passado tão pouco tempo, aquela sede “primorosa” já não sirva mais para atender às necessidades do CNJ. O órgão responsável por zelar pelo aperfeiçoamento do Poder Judiciário do País, “principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual”, vai se transferir para uma nova sede ao custo anual de R$ 23,3 milhões. O novo prédio tem 30,9 mil metros quadrados, fachada espelhada, jardins externos, espelho d’água e ampla vista do Plano Piloto. Mas o grande atrativo do local, por assim dizer, é a maior proximidade com o Supremo Tribunal Federal (STF) e outros Tribunais Superiores. Esta é uma das justificativas dadas para a mudança. A atual sede, na Asa Norte, fica a cerca de dez minutos de distância da Corte Suprema. A nova, a alguns passos.

Talvez se esteja diante dos dez minutos mais caros da República. Para ficar mais perto do STF, o CNJ aumentará seus gastos anuais em R$ 6,5 milhões, já que a sede atual consome R$ 16,8 milhões, ante os R$ 23,3 milhões projetados para o novo prédio. Apenas com o aluguel do novo espaço o CNJ gastará quase R$ 2 milhões por mês. O órgão funciona hoje em prédios doados pela União, ou seja, não tem esse custo em seu orçamento.

Por meio de nota, o CNJ informou que a sede atual – aquela qualificada como “primorosa” pelo ministro Lewandowski – está “muito aquém de sua necessidade” por não oferecer espaço adequado para “atendimento ao público externo e interno, reuniões das dezenas de grupos e comissões atuantes no órgão e realização de oitivas e audiências pelos conselheiros da Casa”.

Ora, é razoável inferir que todas essas necessidades já eram conhecidas há três anos, quando da reforma da atual sede, haja vista que as atividades descritas na nota emitida pelo órgão, para as quais não haveria “espaço suficiente”, são a essência das funções do CNJ. Por que, então, não se pensou na readequação da sede em 2016 tendose em vista o atendimento dessas necessidades essenciais? Tal como se apresenta, a nova mudança faz a primeira reforma parecer ter sido um gasto em vão. Um escárnio com um país que se vê às voltas com uma de suas mais profundas crises fiscais, de tristes consequências para a população.

De acordo com um estudo elaborado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), o CNJ é um dos órgãos que precisam reduzir suas despesas discricionárias para cumprir o teto dos gastos públicos em 2020. A mesma instituição aponta no estudo que este ajuste deverá ser na ordem de 4,5%. O órgão poderá ter dificuldades para cumprir o disposto na Emenda Constitucional 95, a chamada PEC do Teto, porque no ano que vem acaba a compensação financeira do Poder Executivo para órgãos que extrapolam o teto. A compensação está autorizada apenas para os três primeiros anos de vigência da PEC 95, promulgada em dezembro de 2016.

Ao optar por trocar de sede, ampliando seus gastos, o CNJ dá à sociedade o sinal de que não está preocupado com o cumprimento de uma norma constitucional. O que é um disparate, vindo de onde vem.

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Crise de aprendizagem 

30/07/2019

 

 

Quando se olha o panorama da educação básica brasileira, é nítida a existência de uma crise de aprendizagem. Isso não significa que todo o ensino dado às crianças e aos jovens seja de péssima qualidade ou que não tenha havido avanços significativos em determinadas áreas. É preciso reconhecer, no entanto, que há ainda graves problemas de aprendizado que precisam ser enfrentados. Sem atraso, o País precisa ser capaz de elaborar e implantar políticas públicas aptas a promover um salto na qualidade educacional.

Organizado pelo movimento Todos pela Educação, o Anuário Brasileiro da Educação Básica apresenta a situação da educação no País. Os números impressionam. Há, por exemplo, 2,23 milhões de docentes na educação básica. Desse total, 79,9% têm ensino superior e 36,9%, pós-graduação. No ano passado, houve 48,45 milhões de matrículas nessa categoria de ensino, que engloba educação infantil, ensino fundamental e médio, educação profissional, educação de jovens e adultos e escolas especializadas. Desse total de matrículas, 39,46 milhões (81%) frequentaram a rede pública.

De cada 100 estudantes que entram na escola, 90 concluem o Ensino Fundamental 1 aos 12 anos – 60,7% com aprendizagem adequada em português; 48,9%, em matemática –, 76 terminam o Ensino Fundamental 2 aos 16 anos – 39,5% com aprendizagem adequada em português; 21,5%, em matemática – e 64 concluem o Ensino Médio até 19 anos – 29,1% com aprendizagem adequada em português; 9,1%, em matemática.

Talvez uma das principais conquistas da educação no País seja a universalização do ensino fundamental, também no campo. Dos 5,5 milhões de crianças de 6 a 14 anos que moravam em zona rural em 2018, 99,3% estavam na escola. O desafio dessa etapa é o término do curso na idade esperada. Quase um quarto dos alunos termina essa etapa com mais de 16 anos, o que tem efeitos sobre o ensino médio. Entre os jovens de 15 a 17 anos, 91,5% estão na escola, mas apenas 68,7% estão no ensino médio.

Há também algumas evidentes deficiências de infraestrutura. Por exemplo, apenas 45,7% dos estabelecimentos de ensino contam com biblioteca ou sala de leitura. Um dado especialmente ruim do ano passado foi a diminuição, em torno de 30%, das matrículas em regime integral no ensino fundamental em relação ao ano anterior.

O que mais chama a atenção no Anuário é a baixa qualidade do aprendizado. Menos da metade dos alunos atingiu níveis de proficiência considerados adequados ao fim do terceiro ano do ensino fundamental em leitura e matemática. Em relação à escrita, um terço (33,8%) dos alunos apresentou níveis insuficientes.

O quadro é ainda mais problemático quando se analisam os níveis de renda. Por exemplo, apenas 14,1% das crianças do nível socioeconômico mais baixo apresentaram nível suficiente de alfabetização em leitura. Ou seja, no grupo onde a educação deveria ser a grande esperança de um futuro melhor, mais de 85% das crianças estão em etapas defasadas do aprendizado já no terceiro ano do ensino fundamental. No patamar socioeconômico mais alto, a proporção é inversa. No terceiro ano, 83,5% das crianças apresentaram nível suficiente de alfabetização em leitura.

Tem havido melhoras. Nos anos iniciais do ensino fundamental, observa-se um avanço do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A melhora é mais lenta nos anos finais dessa etapa e, em relação ao ensino médio, verifica-se uma estagnação.

“Ignorar os desafios reais da educação básica – adverte o Todos pela Educação – é também fechar os olhos à grave realidade socioeconômica, de falta de competitividade tecnológica, científica e produtiva que vivenciamos. (...) Trata-se, principalmente, de reconhecer a urgência dos problemas, buscar aprender com as iniciativas de sucesso, entender os grandes números e contextualizá-los na realidade de cada localidade.” Com urgência, a educação precisa de um projeto estratégico. A crise de aprendizagem é a negação de um horizonte mais justo e mais humano para as novas gerações.