Valor econômico, v.20, n.4855, 10/10/2019. Brasil, p. A8

 

Banco Mundial aponta urgência de uma reforma administrativa 

Fabio Graner 

Mariana Ribeiro 

10/10/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Estudo sugere medidas para conter gasto com folha salarial na União e nos Estados

O Banco Mundial apresentou estudo que reforça o arsenal de argumentos do governo federal para em breve enviar ao Congresso um projeto de reforma administrativa. A pesquisa “Gestão de pessoas e folha de pagamentos no setor público: O que os dados dizem?”, divulgada ontem, mostra uma série de problemas que afligem a gestão da folha de pagamentos, mas aponta que o elevado volume de aposentadorias nos próximos anos representa uma “janela de oportunidade” para corrigir distorções, como excesso de carreiras e elevados salários de entrada no serviço público.

A área técnica do governo compartilha da leitura de que o grande volume de aposentadorias esperadas para os próximos anos será uma grande chance para mudar o desenho do funcionalismo.

Segundo o Banco Mundial, a previsão é de que 26% dos servidores federais se tornarão inativos até 2022, e 40%, até 2030. “Reformas que reestruturem o sistema de carreiras e racionalizem o número de carreiras existentes têm custo menor de transição e apresentam maiores ganhos fiscais”, disse Daniel Ortega, especialista sênior em governança do Banco Mundial e coordenador da pesquisa.

A partir do diagnóstico de que governo federal e Estados gastam muito com as folhas de pagamento, principalmente devido às regras salariais, o estudo propõe uma série de mudanças de regras. Boa parte das sugestões já vinha sendo considerada pelo governo.

Sem entrar no mérito, o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel, disse na cerimônia de lançamento do relatório que a reforma administrativa a ser proposta será apresentada ainda neste mês. O governo aguarda a aprovação final da reforma da Previdência, já que o assunto é espinhoso e polêmico.

Uebel afirmou que a sociedade não confia no serviço público e que os servidores se sentem desmotivados. Destacou que a folha de pagamento é o segundo maior gasto do governo e que a entrega é considerada ruim em áreas básicas. “Nós, servidores públicos, precisamos ter o compromisso de resgatar a confiança da sociedade.”

O secretário destacou ainda que o texto manterá todos os direitos adquiridos pelos atuais servidores. As novas regras valeriam apenas para novos funcionários.

Para o Banco Mundial, a “contratação de novos servidores deve estar associada a uma rigorosa estratégia de planejamento de força de trabalho, à medida que servidores ativos se aposentam e não de acordo com pressões sindicais”.

O estudo reconhece as dificuldades políticas e legais para mexer na estrutura de gastos com pessoal. “Despesas de pessoal são tipicamente incomprimíveis no curto prazo por conta da estabilidade de servidores públicos e da impossibilidade de se reduzir salários”, diz. Ainda assim, o texto aponta caminhos também para conter a despesa com servidores da ativa.

“Como o prêmio salarial do setor público é significativo, há espaço para implementar políticas de revisão salarial como, por exemplo, via reposição pela inflação. Essa reposição diminuiria a diferença salarial entre o setor público e o privado e geraria economias significativas de curto, médio e longo prazos”, sugere. Uma das simulações mostra que o governo poderia reduzir em R$ 200 bilhões os gastos até 2030 se, por três anos, não fizer qualquer aumento extraordinário, realizar apenas a correção pela taxa de inflação e tiver taxa de reposição de 90% dos funcionários que se aposentarem.

O texto propõe medidas estruturais para a União e Estados, como o aumento no intervalo de progressões (promoção) nas carreiras, ampliando o tempo para chegada ao topo de remuneração. “[Isso] constitui importante opção de política pública, especialmente nos entes em que o intervalo é muito curto e os reajustes concedidos são generosos. Em alguns Estados, progressões são concedidas de dois em dois anos e apresentam reajustes que podem superar 30%”, diz o texto. “Consequentemente, servidores atingem o topo da carreira muitos anos antes de adquirirem requisitos para a aposentadoria. E há o aumento da desigualdade entre as carreiras, já que algumas apresentam reajustes consideravelmente superiores aos de outras.”

Para o Banco Mundial, a reforma administrativa precisa passar por uma análise de áreas em que há inchaço, reduzindo a taxa de reposição de servidores. “Por exemplo, espera-se que a população em idade escolar caia 3,7% nos próximos dez anos, o que significa que os entes federados terão mais espaço para reduzir a taxa de reposição de professores, especialmente os que apresentam menores taxas de natalidade”, diz o texto. “

Outra sugestão é reduzir número de carreiras. “O governo federal tem atualmente mais de 300 carreiras, a maior parte delas associada a um órgão ou entidade específicos, dificultando a mobilidade dos servidores. A flexibilização permitiria a mobilidade de servidores entre órgãos e a ampliação da gama de atividades em que eles poderiam ser alocados, diminuindo a necessidade de concursos.”

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Salário médio do servidor federal é o dobro do setor privado 

Fabio Graner 

10/10/2019

 

 

O servidores públicos federais têm salário, em média, 96% superior ao praticado no setor privado. Nos Estados, o chamado “prêmio salarial” é menor, da ordem de 36%, mas ainda bem acima do praticado internacionalmente. Somente os funcionários das prefeituras têm, na média, salários alinhados com o setor privado. Esse quadro leva a um excessivo gasto com pessoal no setor público.

As constatações são do Banco Mundial no estudo “Gestão de pessoas e folha de pagamentos no setor público: O que os dados dizem?”. Feito a pedido do governo brasileiro no ano passado, o material aponta que a questão salarial é o principal fator para que a despesa com pessoal no Brasil seja elevada, mesmo com um número de servidores públicos relativamente baixo em termos proporcionais.

O texto mostra que, em 2017, as três esferas de governo pagaram R$ 725 bilhões, o equivalente a mais de 10% do PIB, para 11,5 milhões de funcionários públicos, montante equivalente a cerca de 20 vezes o que se gasta com o programa Bolsa Família.

“Em termos comparativos, o gasto do setor público brasileiro com folha de pagamento é alto para os padrões internacionais e o número de funcionários públicos no Brasil não é extraordinariamente alto”, destacou o coordenador do relatório e especialista sênior em governança do Banco Mundial, Daniel Ortega.

Como os municípios estão com sua folha de pagamentos em geral alinhada ao setor privado, na verdade até um pouco abaixo, a média nacional de gasto com servidores aponta um “prêmio” da ordem de 20%, dentro do padrão internacional. “O governo federal emprega cerca de 12% dos servidores públicos do Brasil e seus gastos com salários e vencimentos correspondem aproximadamente a 25% do valor gasto por todas as esferas de governo em conjunto”, explica.

Segundo o Banco Mundial, o principal propulsor do crescimento da folha de pagamentos do setor público entre 2008 e 2018 foi o movimento de reajustes superiores à inflação. “Nesse período, o salário médio de servidores públicos federais e estaduais cresceu à taxa de 1,8% e 2,8% ao ano (a.a.) em termos reais, respectivamente. Os reajustes concedidos, mesmo em períodos de queda da arrecadação, resultaram em prêmio salarial para essas esferas de governo”.

Apesar de na média os números serem perturbadores, vale ressaltar que nem todos os servidores recebem altos vencimentos. Cerca de 20% dos funcionários do governo federal têm salários de até R$ 5 mil, e 46%, até R$ 8 mil. Enquanto isso, 21,8% recebem acima de R$ 15 mil, sendo que 1% está inclusive acima do teto definido pelo salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), de R$ 33,8 mil. “Existem algumas carreiras e servidores com benefícios acima da média que levam a esses números.”

O material mostra ainda que, desde 1995, as despesas com servidores do Poder Judiciário tiveram a alta mais expressiva, passando de 7,3% para 13,8% do total de gastos com o funcionalismo federal.

Além do custo alto, a folha de pagamentos da União e do Estados é de difícil gerenciamento, com muitas rubricas de despesa, carreiras com altos salários iniciais e médios e generalização da remuneração por desempenho, o que não estimula maior produtividade.

“Várias carreiras têm números elevados de servidores no último nível e a progressão ocorre rapidamente e de forma irrestrita”, diz o texto explicando que os dados analisados mostram que, em algumas carreiras, o tempo necessário para se atingir o último nível delas é de apenas dez anos. “Além disso, muitas têm um percentual muito grande de servidores em seu último nível, o que sugere que a progressão não necessariamente tem relação com desempenho”, diz.

Ortega destacou também que foram encontradas no governo federal 179 modalidades de gratificação. “Quando há gratificação por desempenho, praticamente todos recebem, mais de 90% dos servidores receberam”, disse, destacando que até aposentados e pensionistas são beneficiados, algo sem sentido.

“É necessária a revisão e racionalização de tais benefícios, incorporando ao salário-base benefícios que vão para a aposentadoria e tornando mais transparentes as diversas rubricas de pagamento dos servidores públicos federais”, defende o texto. Outro problema é a pouca distância entre o piso e o topo de rendimento em determinados grupos de servidores.

O documento também joga luz sobre as folhas salariais dos Estados, apontando que elas tiveram uma trajetória de acentuado crescimento desde a década passada e muitos estão superando o limite de 60% da receita com gasto pessoal, definido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). E destaca que mais da metade dos Estados brasileiros apresenta situação fiscal crítica e sete deles já decretaram estado de calamidade financeira.