Valor econômico, v.20, n.4855, 10/10/2019. Brasil, p. A6

 

Com preço de alimentos em queda e economia fraca, IPCA tem deflação

Bruno Villas Bôas 

Thais Carrança 

10/10/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Indicador recuou 0,04% em setembro, levando variação acumulada em 12 meses para 2,89%

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de setembro surpreendeu o mercado ao recuar 0,04%, o menor resultado para o mês em duas décadas - em 1998, havia caído 0,22%. Alimentos mais baratos e a dissipação dos efeitos da bandeira vermelha da conta de luz empurraram o índice para o terreno negativo, mas não foram as únicas boas notícias.

Os preços de serviços desaceleraram, assim como as medidas de núcleos ficaram comportadas, refletindo a fraqueza da economia. Em 12 meses, o indicador passou de 3,43% em agosto para 2,89% em setembro, nível bem inferior à meta perseguida pelo Banco Central (BC) neste ano, de 4,25%.

Divulgada ontem pelo IBGE, a queda de 0,04% do IPCA ficou abaixo da mediana de 41 projeções de analistas ouvidos pelo Valor Data, que era de uma alta de 0,04% no mês. A variação foi menor até mesmo que o piso das previsões, de recuo de 0,03%. O resultado gerou uma onda de revisões de estimativas para a inflação de 2019, além de deixar o caminho livre para novos corte da taxa básica de juros, hoje em 5,5% ao ano.

A abertura do índice mostrou preços comportados por todos os lados. O destaque foi a queda acentuada de 0,43% do grupo alimentação e bebidas, refletindo produtos in natura mais baratos, como tomate (-16,17%) e batata-inglesa (-8,42%). Os artigos de residência também chamaram atenção ao recuar 0,76% em setembro, influenciados pelos preços de eletrodomésticos (-2,26%).

“Foi um período que identificamos ter promoções de lojistas”, disse Pedro Kislanov, gerente do índice de preços no IBGE, referindo-se às promoções da “Semana do Brasil”, movimento lançado pelo governo federal para incentivar descontos perto do feriado de 7 de Setembro.

Apesar de estável em setembro, a conta de energia elétrica residencial foi decisiva para a deflação. Esse item havia subido 3,85% em agosto, quando foi o preço que mais pressionou individualmente o IPCA, contribuindo com 0,15 ponto percentual. A pressão foi completamente dissipada em setembro.

Segundo analistas, os núcleos do IPCA vieram novamente baixos e, inclusive, aquém do esperado. Essas medidas procuram reduzir ou eliminar a influência dos itens mais voláteis. Mirella Hirakawa, analista do Santander, destacou a desaceleração da inflação subjacente de serviços, de 0,35% em agosto para 0,08% em setembro. Ela esperava alta de 0,26% do indicador, que exclui os grupos de serviços domésticos, cursos, comunicação e turismo. “Esse resultado foi bastante influenciado pela alimentação fora do domicílio, que desacelerou mais do que esperávamos, além de uma série de atividades de lazer”, disse a analista. “É um quadro que reforça a leitura de uma economia que se recupera de forma fraca, muito lentamente, em ritmo aquém do esperado”.

Para Marcela Rocha, economista chefe da gestora Claritas, além da recuperação gradual da economia, a inflação bem comportada mostra a ausência de repasses da desvalorização do câmbio para os índices. “Faltam evidências de repasse cambial para os preços, mesmo com o real tendo mudado de patamar”, disse ela, lembrando que os preços industriais sobem 1,2% em 12 meses, bem abaixo da inflação.

Julia Passabom, analista do Itaú Unibanco, acrescentou que uma inércia favorável, fruto de inflação já baixa desde 2017, está agindo sobre os preços. Para a analista, essa inércia se propaga de duas formas. Uma delas, mais direta, por meio dos preços administrados pelos governos e de outros preços indexados, como matrículas e mensalidades escolares e aluguéis.

Outro efeito de propagação, disse a analista, ocorre sobre a expectativa dos agentes. “Quando há uma inflação mais baixa, quando se vai fazer um reajuste para o período seguinte, tende-se a olhar para o passado como referência. Então essa inflação mais baixa acaba se propagando para os reajustes à frente.”

Em geral, o mercado avaliou que o cenário benigno de preços reforça a existência de espaço para mais quedas da Selic. Ontem, o banco suíço UBS cortou sua previsão para a taxa básica de juros de 4,75% para 4,5% ao ano, citando a inflação de setembro. Outras casas que já trabalhavam com corte para 4,5% reforçaram suas apostas.

O banco MUFG Brasil, por exemplo, prevê espera dois novos cortes de 0,5 ponto percentual da Selic este ano, com a taxa encerrando 2019 em 4,5%. “A inflação de setembro reforça essa visão de que tem espaço para cortar mais os juros, sem maiores problemas para a inflação”, disse Carlos Pedroso, economista-sênior do banco.

Para outubro, analistas preveem alguma aceleração do IPCA, refletindo a moderação da deflação dos alimentos e a aceleração nos preços de transportes. A MCM Consultores prevê alta de 0,10% no mês. Mesmo com a aceleração, contudo, o índice em 12 meses deverá ceder de 2,89% em setembro para 2,54% em outubro, segundo a consultoria, fazendo seu “vale” no ano e ficando pontualmente abaixo do piso da banda de tolerância da meta, de 2,75% neste ano.

Com o resultado de setembro, várias casas reduziram suas projeções para a inflação este ano, como MUFG, MCM, LCA Consultores, que passaram todas a esperar alta de 3,3% do índice. O Bank of America Merrill Lynch foi um pouco além e cortou a projeção de inflação de 2018 de 3,4% para 3,1%. Para o banco, a atividade permanece “fraca”.

“As principais medidas de núcleo desaceleraram no mês, refletindo a ociosidade da economia e reforçando a dinâmica benigna da inflação. Como o crescimento permanece fraco e a inflação bastante abaixo da meta, crescem as chances de o BC realizar mais cortes além da nossa previsão de 4,75%”, avaliou o banco. Para 2020, a instituição reduziu a estimativa de 3,8% para 3,5%.