Título: Avanço moderado
Autor: Luna, Thais de
Fonte: Correio Braziliense, 10/10/2012, Mundo, p. 18

Relatório da ONU aponta queda no número de famintos no mundo, apesar da crise, e destaca como exemplo a América Latina. Apoio aos pequenos agricultores é apontado como chave para garantir a segurança alimentar Embora tenha coincidido com o período da crise econômica mundial — que, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), deve durar até 2018 —, o combate à fome global obteve resultados positivos nos últimos anos. O relatório da Organização para Agricultura e Alimentação (FAO, organismo da ONU) sobre segurança alimentar, publicado ontem, mostra que o número de pessoas que passam fome ao redor do planeta diminuiu de 925 milhões, em 2010, para 868 milhões neste ano. Ainda assim, uma entre oito pessoas no mundo sofre de desnutrição crônica. As regiões com maior taxa são o Sudeste Asiático, o Leste da Ásia e a África Subsaariana (veja infográfico).

O norte da África também é considerado uma área preocupante pelo diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva. "Principalmente devido aos confrontos na região, vimos um aumento no número de pessoas passando fome. Isso destaca o vínculo entre insegurança alimentar, fome e conflitos", analisou Graziano, em entrevista coletiva na sede do órgão, em Roma. Do total de desnutridos, 852 milhões vivem em países em desenvolvimento.

De acordo com a nova metodologia da FAO, havia 980 milhões de famintos entre 1990 e 1992, o que comprova uma queda de 112 milhões nas últimas duas décadas. O progresso no combate à fome e à desnutrição, porém, ocorreu em velocidade mais baixa entre 2007 e 2008, período no qual a alta do petróleo provocou uma disparada nos preços dos alimentos. "Muitos fatores podem explicar essa desaceleração. Um deles é a retração econômica, que significa menos empregos e renda mais baixa. Outros são a alta dos preços dos alimentos, a crescente demanda por biocombustíveis, a especulação sobre matérias-primas alimentares e as mudanças climáticas", enumerou o brasileiro. A expansão dos cultivos de cana de açúcar, matéria-prima para o etanol, ocupa áreas que poderiam ser destinadas à produção de alimentos, analisa o relatório da FAO.

As reduções mais significativas no índice de desnutrição foram alcançadas na região que abrange a Ásia e o Pacífico e na América Latina/Caribe. Nos países latino-americanos, por exemplo, a taxa de denutridos é de 49 milhões, 24,9% menos do que no período 1990-1992. O Brasil é considerado um dos casos de maior sucesso na região. Proporcionalmente, o número de pessoas desnutridas no país caiu para menos da metade nos últimos 20 anos. Mas, atualmente, ainda há 13 milhões de brasileiros que não têm segurança militar. Isso significa que falta a esses indivíduos acesso a alimentação nutritiva e saudável em quantidade suficiente para suprir as necessidades diárias.

Zero como objetivo

Graziano, que comandou o programa Fome Zero nos primeiros anos do governo Lula, com resultados avaliados como decepcionantes, comemorou o avanço no combate à fome, mas advertiu que é inaceitável uma pessoa em cada oito passar fome quando há comida suficiente no mundo para alimentar a todos. "Nosso número aceitável para a fome é zero e vamos perseguir isso", assegurou. Mesmo assim, o diretor-geral da FAO acredita que ainda é possível atingir a Meta de Desenvolvimento do Milênio — estabelecida em 2000—, de reduzir pela metade a desnutrição nas nações em desenvolvimento até 2015.

Para cumprir esse objetivo, é necessário recuperar a economia, mas também investir em um modelo de agricultura sustentável, advertiu Carlos Seré, chefe de desenvolvimento estratégico do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Ifad). O próprio relatório aponta que o mundo inteiro registrou um aumento da renda per capita na última década, mas que esse crescimento não reduziu significativamente o número de pessoas que passam fome, em especial na África Subsaariana. "Estudos recentes dizem que o impacto do desenvolvimento agrícola para reduzir a pobreza é cinco vezes maior que o crescimento de outras áreas da economia", pontuou Seré.

entrevista Raúl Benítez

"É mais do que pôr m prato de comida"

O representante da Organização para Agricultura e Alimentação (FAO) para a América Latina e Caribe mostrou-se satisfeito com o fato de a região ter conseguido tirar 16 milhões de pessoas da faixa de desnutridos em 20 anos. "Mas é importante que o tema da fome esteja na agenda política de todos os países", alertou.

Como a América Latina e o Caribe conseguiram reduzir a fome em 29,4%, nos últimos 20 anos? Isso se deve aos esforços e compromissos dos políticos de vários países da região, que perceberam a seriedade do problema e desenvolveram programas para acabar com a fome e a desnutrição. Podemos citar o Brasil, o Peru, o Panamá e a República Dominicana. Eles conseguiram fazer o crescimento da economia de modo sustentável, aumentando a produção de alimentos, mas estabelecendo medidas que permitiram à população ter acesso à comida. Também reforçaram a rede de proteção social, fazendo com que crianças e idosos de baixa renda pudessem se alimentar.

Qual a importância dos pequenos produtores no combate à fome? Para acabar com o número de desnutridos, temos que desenvolver medidas que nos permitam fazer com que a economia e a produção de alimentos cresçam, mas que esse crescimento não implique na expulsão de pessoas de regiões de cultivos. Por isso, são necessários métodos inclusivos de desenvolvimento agrícola. A agricultura familiar, por exemplo, é importante para essa inclusão, bem como o trabalho de cooperativas. O crescimento econômico deve envolver a geração de empregos.

Quais são os principais desafios para a região erradicar a fome? Combater a fome é mais do que pôr um prato de comida na mesa. Melhorar os modos de produção sustentável, a educação e a saúde também está envolvido nas dimensões da segurança alimentar. Todos os países têm que contar com uma estratégia de erradicação da desnutrição, em caráter regional. Com políticas públicas e a ajuda de organizações, os países que não mais tiverem problemas de segurança alimentar precisarão ajudar os vizinhos, porque o problema não é pontual, afeta todo o mundo.