Correio braziliense, n. 20475, 12/06/2019. Política, p. 2

 

Bolsonaro avaliza Moro

Rodolfo Costa

Leonardo Cavalcanti

12/06/2019

 

 

Poder » Apesar de não comentar publicamente a divulgação dos diálogos entre o ex-juiz e integrantes da Lava-Jato, presidente procura mostrar que a confiança no ministro se mantém inalterada. Em ato no Grupamento de Fuzileiros Navais de Brasília, ele condecora o ex-magistrado

Mesmo sem uma declaração pública, o presidente Jair Bolsonaro emitiu todos os sinais possíveis para avalizar o ministro da Justiça, Sérgio Moro, um dos interlocutores das mensagens hackeadas envolvendo a Operação Lava-Jato. O chefe do Executivo federal recebeu o ex-juiz para uma conversa, na manhã de ontem, no Palácio da Alvorada. Entre os pontos, ficou acertada a ida de Moro à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

A confiança de Bolsonaro em Moro se mantém inalterada. A interlocutores e pessoas próximas, o presidente diz que as mensagens vazadas não maculam a imagem do ministro e garante não haver qualquer intenção em demovê-lo do cargo. Afinal, os dois se retroalimentam em um jogo de ganho mútuo. O ministro da Justiça é o pilar do governo no combate à corrupção, um dos lastros da campanha vencedora nas eleições. Por sua vez, a permanência no posto é, para o ex-juiz, a porta de entrada para o Supremo Tribunal Federal (STF). O problema é que, com a crise, ficou mais difícil manter a postura de “paladino da Justiça” perante o Congresso, poder responsável pela sabatina que poderá aprovar ou não a provável indicação de Bolsonaro.

A divulgação das conversas entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato, em Curitiba, feita pelo site The Intercept, gerou um clima de desconfiança no parlamento. A sugestiva imagem de interferência de Moro nas investigações, segundo interpretam parlamentares, coloca em xeque a credibilidade e a conduta do ministro no atual cargo e na Suprema Corte. A avaliação é feita não apenas por partidos da oposição, mas também por integrantes de legendas da centro-direita, como PL, PP, PRB, DEM, PSDB e MDB. Os mais incomodados sugerem, em conversas reservadas, a ideia de colocar Moro sob “fritura”, e o recado prático disso virá por meio de articulações para frear o pacote “anticrime” apresentado pelo ministro.

A estratégia de Moro e Bolsonaro para evitar a fritura foi a própria decisão do ex-juiz de ir ao Congresso na próxima semana. Não é para menos. Com a reforma da Previdência tramitando na Câmara, é no Senado que o pacote anticrime está tramitando, por meio de três propostas idênticas às apresentadas aos deputados. Também são os senadores integrantes da CCJ os responsáveis por sabatinar indicados pelo presidente da República ao posto de ministro do STF. A próxima vaga à Corte será aberta com a aposentadoria do decano Celso de Mello, em novembro de 2020.

Polarização

Com o movimento, Moro se antecipa aos pedidos de convocação feitos pelos deputados de oposição ao governo e, assim, tenta baixar a temperatura. A reunião com Bolsonaro, segundo a assessoria de Moro, se desenrolou num clima tranquilo. “O (presidente) entendeu as questões que envolvem o caso.” Na nota, a pasta mencionou o episódio como “invasão criminosa de celulares de juízes, procuradores e jornalistas”, e informou que Moro “rechaçou a divulgação de possíveis conversas privadas obtidas por meio ilegal e explicou que a Polícia Federal está investigando a invasão criminosa”.

Logo depois do encontro, Bolsonaro e Moro deixaram o Alvorada, em lancha da Marinha em direção ao Grupamento de Fuzileiros Navais de Brasília, para um evento. Ali, Bolsonaro entregou uma medalha comemorativa ao ministro e quebrou o protocolo. Em vez do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, deixou Moro ao seu lado direito.

Mesmo se recusando a falar sobre o caso envolvendo o ex-juiz, Bolsonaro foi aconselhado pelos militares a se aproximar de Moro, que foi defendido publicamente pelos ministros Fernando Azevedo e Silva (Defesa), Carlos Alberto Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (GSI), principal articulador dos apoios da caserna em relação ao ex-magistrado. O vice-presidente Hamilton Mourão também se pronunciou. O movimento mais enfático, ontem, foi feito pelo ex-comandante do Exército e atual assessor do GSI, general Villas Bôas. “Momento preocupante, porque dá margem a que a insensatez e o oportunismo tentem esvaziar a Operação Lava-Jato. Expresso o respeito e a confiança no ministro Moro.”

Estratégia

A proteção a Moro é feita apesar de alguns integrantes do Planalto classificarem o hackeamento das mensagens mais como um desgaste ao ministro. Não acreditam que o governo tenha sido atingido, pelo menos até o momento. Ainda assim, a articulação política se movimentou. Onyx defendeu o titular da Justiça nas redes sociais e iniciou a construção de uma articulação junto a parlamentares do baixo e médio cleros para auxiliar na defesa. A parlamentares, orientou a articulação política no Congresso a negociar a liberação de R$ 2 bilhões em emendas individuais em troca da aprovação do Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) 4/2019, que dispõe sobre a liberação de um crédito suplementar de R$ 248,9 bilhões ao governo (leia mais na página 7).

As emendas representam um gesto importante para as bases eleitorais dos parlamentares, uma vez que os recursos são, obrigatoriamente, investidos em obras e serviços de saúde e educação.

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Ministro falará ao Congresso

Simone Kafruni

12/06/2019

 

 

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, prestará esclarecimentos sobre as conversas rackeadas à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na quarta-feira. Na CCJ da Câmara, a visita ficou para o dia 26, disse ontem o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), após conversa com o presidente do colegiado, Felipe Francischini (PSL-PR). Alguns parlamentares ainda pedem que o ministro compareça ao plenário. Moro tem sido chamado para explicar as conversas divulgadas pelo site The Intercept.

Ontem, na primeira ida ao Congresso após a divulgação das mensagens, Moro deixou o almoço promovido pelo Bloco Parlamentar Vanguarda — formado por senadores do DEM, PSC e PL — resguardado por vários seguranças e sem falar com a imprensa, numa saída bastante tumultuada. Segundo os parlamentares presentes no encontro, ele falou sobre as denúncias.

O ministro repetiu o que já havia publicado em uma rede social: que as conversas foram coletadas de maneira ilegal e que isso é crime. Ele ainda colocou sob suspeita o teor das informações divulgadas pelo site The Intercept Brasil e chegou a mencionar a possibilidade de hackers terem invadido os chats de conversa se passado por ele.

Conforme o líder do Bloco Vanguarda, senador Wellington Fagundes (PL-MT), ainda há muitas dúvidas sobre tudo o que está sendo colocado, inclusive pelo próprio Moro. “Temos que ter fatos concretos. Não podemos ter precipitação. Isso pode ser prejudicial ao país. Neste momento, mais do que nunca, precisamos de diálogo e moderação, até mesmo visando sobrepor este momento de tensão que hoje está prejudicando o país”, disse o senador. A visita já estava agendada e, apesar do momento delicado, Moro cumpriu a agenda.

Em quase duas horas, Moro foi questionado pelos senadores sobre o retorno da Fundação Nacional do Índio (Funai) ao Ministério da Justiça e a manutenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) no Ministério da Economia. Também ouviu queixas da falta de diálogo do governo com o Congresso Nacional.

(Colaborou Alessandra Azevedo)