O Estado de São Paulo, n. 45896, 15/06/2019. Política, p. A4

 

Bolsonaro demite terceiro militar em uma semana

Renata Agostini

15/06/2019

 

 

Executivo. Após afastar Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Franklimberg de Freitas (Funai), presidente exonera Juarez Cunha, dos Correios, por criticar privatização da estatal

O presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem a demissão do terceiro general de seu governo em três dias. Após serem afastados Carlos Alberto dos Santos Cruz da Secretaria de Governo e Franklimberg Freitas da presidência da Funai, ele decidiu exonerar do comando dos Correios o general Juarez de Paula Cunha.

Segundo o presidente, Cunha “foi ao Congresso e agiu como sindicalista” ao criticar a privatização da estatal e tirar fotos com parlamentares da oposição. “Aí complica”, disse Bolsonaro em café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto. O Estado participou da entrevista.

O general assumiu a presidência dos Correios ainda no governo de Michel Temer. Ele chegou ao posto por indicação de Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD. Bolsonaro decidiu mantê-lo no cargo, mas Cunha era, na verdade, mais ligado ao vice-presidente, o general Hamilton Mourão.

O chefe dos Correios foi à Câmara na semana passada para uma audiência na Comissão de Participação Legislativa e adotou um discurso contrário à ideia do governo Bolsonaro de privatizar a estatal. Em sua fala, disse que se trata de uma empresa “estratégica” e “autossustentável” e que os economistas não têm condições de calcular o “custo social” dos serviços por ela prestados.

“Eu não queria falar de privatização, até porque não é problema meu, mas tenho de dizer: se privatizarem uma parte dos Correios, que acredito que será do lado bom (que dá lucro), o que tirar daqui vai faltar lá (nos demais municípios), vai faltar do outro lado”, disse Cunha durante a audiência.

Parte do recado foi publicada pela conta oficial dos Correios no Twitter e compartilhada pelo ministro. Dois dias depois, o próprio presidente foi à rede social defender a venda da estatal.

“Serviços melhores e mais baratos só podem existir com menos Estado e mais concorrência, via iniciativa privada. Entre as estatais, a privatização dos Correios ganha força em nosso governo”, publicou.

Segundo um integrante do governo, já havia descontentamento com a postura de Cunha. Causava desconforto, por exemplo, o fato de o presidente dos Correios evitar se reportar ao seu chefe, o ministro de Ciência e Tecnologia. Isso acontecia, segundo essa fonte, porque Cunha é general do Exército, enquanto o astronauta Marcos Pontes, que comanda a pasta, é tenente-coronel da Aeronáutica – que seria o equivalente a uma patente inferior a sua.

Cunha não esperava a demissão. Ela foi anunciada pelo presidente já no final do encontro com os jornalistas quando as perguntas já haviam sido encerradas. O presidente havia tirado uma foto e decidiu conversar mais um pouco. Sem ser questionado diretamente sobre o assunto, falou da decisão.

Cunha tinha, por exemplo, uma audiência marcada para a semana que vem no Senado para debater justamente a privatização dos Correios.

Sucessor. Não está definido ainda quem será o próximo chefe da estatal. Bolsonaro disse que chegou a oferecer o posto ao general Santos Cruz, mas que ainda não há definição.

Segundo o presidente, o exministro da Secretaria de Governo é “excepcional” e, por isso, gostaria que ele permanecesse no governo em outro posto.

Ele disse ainda que a saída de Santos Cruz, a quem conhece desde a década de 1980 e se refere como amigo, foi uma “separação amigável”. “Não adianta querer esconder, problemas acontecem. Mas ele continua no meu coração”, afirmou.

O general foi avisado de sua demissão na quinta-feira em conversa com Bolsonaro no Planalto. Apesar de ter sido substituído por outro militar, o general Luiz Eduardo Ramos, seu afastamento foi resultado de pressão da chamada ala ideológica do governo. O grupo já havia conseguido demitir um civil, Gustavo Bebianno, que foi o primeiro ministro a cair. Bolsonaro destacou a experiência de Ramos como assessor parlamentar e disse que, por isso, ele vai “ajudar muito” na articulação política (mais informações na página A8).

No encontro com jornalistas, o presidente foi questionado sobre a razão de aliados que o acompanharam na campanha estarem fora do governo. Foram citados os nomes do ex-senador Magno Malta, que não chegou a ser nomeado para cargos, de Bebianno e de Leticia Catelani, que ocupava cargo na Apex, agência de promoção das exportações do País e foi demitida.

O presidente disse que a todos foram dadas oportunidades. Segundo ele, sua admiração por Malta continua. Mas Bebianno é “página virada” e Letícia tinha “autoridade exagerada”. “Cada um no seu quadrado”, disse o presidente. “Não posso sacrificar o governo.” Procurados, Correios e Cunha não comentaram. O Ministério de Ciência e Tecnologia disse que a exoneração de Cunha será feita na semana que vem. / COLABOROU DANIEL WETERMAN

- SINDICALISTA

“(Cunha) foi ao Congresso e agiu como sindicalista. (...) Aí complica.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE, SOBRE A DEMISSÃO DO PRESIDENTE DOS CORREIOS.

“Não adianta querer esconder, problemas acontecem. Mas ele continua no meu coração.”

SOBRE A SAÍDA DE SANTOS CRUZ DA SECRETARIA DE GOVERNO

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'Ímpeto' de Carlos foi contido, diz presidente

Renata Agostini

15/06/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem, durante café da manhã com jornalistas, que o “ímpeto” de seu filho Carlos foi contido e que “há mais de dois meses” não há influência dele nas “mídias digitais”. Vereador pelo PSL no Rio de Janeiro, Carlos cuidava das contas de Bolsonaro nas redes sociais durante a campanha presidencial e seguiu administrando a comunicação do pai após a posse como presidente.

Carlos teve desentendimentos públicos com o ex-ministro Gustavo Bebianno, que acabou demitido da Secretaria-geral da Presidência. Também chegou a usar as redes sociais para criticar o ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, demitido anteontem por Bolsonaro da Secretaria de Governo.

“Uma palavra nossa mexe com a Bolsa, com a vida das pessoas, com a relação internacional. Ele entende isso aí”, disse.

Segundo Bolsonaro, Carlos tem “feeling”, mas nem sempre está certo. Ele afirmou que escuta o filho, mas não segue tudo o que ele diz. “Tenho três filhos com quem converso. Os outros são novos. Carlos é o filho que dou atenção especial, não nego”, disse o presidente. “Ele levantou problemas no passado e eu disse a ele que é preciso dar um tempo para, ao dar o cartão vermelho (a alguém), não ter dúvidas. Tem que deixar a pessoa se enrolar”, afirmou. Ele não explicou, porém, a quais problemas se referia.

Bolsonaro disse que Carlos não teve envolvimento na decisão de demitir Santos Cruz. Também negou influência do escritor Olavo de Carvalho – que fez críticas ao general. Segundo ele, Olavo “teve seu papel lá atrás” (na formação do governo).