O Estado de São Paulo, n. 45898, 17/06/2019. , p. A8

 

Maia se diz 'perplexo' com a demissão

Camila Turtelli

Adriana Fernandes

17/06/2019

 

 

Presidente da Câmara critica forma como governo conduziu saída de Levy; CPI vai decidir sobre depoimento de ex-presidente do BNDES

Reação. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia; para ele, Levy era um quadro importante do governo

A participação do ministro da Economia, Paulo Guedes, no processo de “fritura” de Joaquim Levy antes do pedido de demissão da presidência do BNDES deixou o Congresso com a impressão de que a equipe econômica continua participando da “usina de crises”. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ao Estado que ficou “perplexo” pela forma como o ministro tratou o subordinado. Para ele, o ex-ministro era um quadro de qualidade que tinha a acrescentar para garantir as reformas que o País precisa neste momento.

O presidente da Comissão Especial da Reforma da Previdência, deputado Marcelo Ramos (PR-AM), também criticou a demissão. “O presidente Bolsonaro não entendeu que alguns quadros são suprapartidários. Eles não contribuem com um ou outro governo. Contribuem com o País”, disse. “É uma pena. No fim das contas, quem perde é o Brasil.”

Já o líder do Podemos, José Nelto (GO), levantou dúvidas sobre o real motivo da demissão. “Estou preparando para que ele seja convocado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do BNDES, ele terá de ir lá explicar o motivo da demissão dele. Se foi por um motivo político ou se foi porque ele não quis abrir a caixa-preta do BNDES. Porque ele não mostrou os empréstimos internacionais, para países da América e da África, para a JBS também”, disse.

A Câmara criou em março uma CPI para examinar operações do banco de 2003 a 2015, com foco no financiamento à internacionalização de empresas. Em abril, o banco chegou a criar um Grupo de Trabalho para atender com informações e documentos solicitados pelos deputados.

Um pedido para Levy se explicar no Congresso já tinha sido aprovado em abril. O presidente da CPI, o deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), disse ao Estado que vai decidir hoje com os colegas da comissão a data da ida de Levy ao colegiado.

Até agora, Guedes era um dos poucos ministros do presidente Jair Bolsonaro que não tinha batido de frente com o Legislativo. Em um momento delicado para a tramitação da Previdência, a nova onda de crises incitou algumas lideranças a buscarem ainda mais o protagonismo das reformas econômicas.

Uma possível consequência aos ataques de Guedes, segundo uma fonte, seria o Congresso assumir totalmente o protagonismo da próxima grande reforma que é a tributária, deixando o Executivo de fora. A proposta do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) prevê a unificação de cinco tributos – IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS – num único Imposto sobre Operações com Bens e Serviços.

Previdência. A equipe econômica, porém, trabalha para reatar a relação com o Congresso, com o principal objetivo de fazer ajustes no parecer da reforma da Previdência apresentado pelo deputado Samuel Moreira (PSDB).

“A equipe econômica começa a tumultuar a parte política”, afirmou o líder do Podemos na Câmara, José Nelto (GO). “O Congresso tem sido parceiro do Brasil e vai tocar todas as reformas. Temos de assumir o protagonismo”, afirmou. “O governo tem sido inconstante. Muda as coisas, como quem muda de camisa. Ninguém pode ensinar o governo a governar”, critica o líder do PL (antigo PR), Wellington Roberto (PB).

Para o cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marco Antonio Carvalho Teixeira, o governo pode perder protagonismo em questões como a reforma da Previdência. “Não sabemos o futuro do governo desse jeito. O governo perdeu capacidade de articulação e a impressão que tenho é que o protagonismo em relação à reforma da Previdência vai sair do Congresso e não do governo”, afirmou.

Os líderes são praticamente unânimes ao negar que as críticas de Guedes ao Congresso possam atrapalhar a aprovação da Previdência. “A reforma da Previdência é do Brasil”, diz Wellington Roberto. Sem comentar a crise, o presidente do PRB, deputado Marcos Pereira (SP), reafirmou ontem pelo Twitter, seu apoio à proposta. “Não é de hoje que a reforma da Previdência é essencial para a recuperação econômica do Brasil, por isso eu sou favorável.”

Procurado pela reportagem, Guedes não respondeu.

'Tumultuar'

“A equipe econômica começa a tumultuar a parte política. O Congresso tem sido parceiro do Brasil e vai tocar todas reformas.”

José Nelto (GO)

LÍDER DO PODEMOS NA CÂMARA

Pontual

Líder do PSL no Senado, Major Olimpio disse que a demissão de Levy não significa que há “perseguição” ou “limpa” no banco. “Foi pontual.”

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Governo não consegue reduzir percepção de risco

Rafael Cortez

17/06/2019

 

 

Há dois pontos a destacar após o pedido de demissão de Joaquim Levy. O primeiro é a forma que a mudança ocorreu, resultado de uma exposição por parte do presidente Jair Bolsonaro de um nome importante na condução da política econômica. Não foi a primeira vez que ele expôs nomes próximos ao Planalto, seja no âmbito político ou no âmbito econômico.

O segundo ponto tem a ver com o motivo da decisão. Parece haver no bolsonarismo uma tentativa de dar ao BNDES um caráter político, além da importância para a política econômica. A passagem de Levy por governos do PT foi suficiente para gerar descontentamento no presidente, mesmo que ele tivesse credenciais associadas à política econômica do governo. O caráter político imposto ao BNDES é uma forma de marcar diferenças em relação ao petismo, com críticas ao papel do banco nos governos anteriores. Isso se materializou de forma significativa no pleito de 2018.

A demissão é outro ruído nos sinais emitidos pelo governo, que se soma a episódios como o da reação do ministro da Economia, Paulo Guedes, ao relatório da reforma da Previdência aprovado em comissão da Câmara. Os “sinais tortos” reforçam o grau de incerteza de percepção de risco em relação à política econômica e inibem o efeito positivo esperado de uma reforma da Previdência com impacto relevante nas contas públicas. O ano de 2019 deve fechar com crescimento de um cenário pessimista. O aparente paradoxo tem a ver com a ideia de que o governo é uma “usina de crises”, expressão de Rodrigo Maia.

Novamente, o efeito é ter a credibilidade da política econômica ainda mais associada a Guedes. No plano político, a percepção é que o governo é fraco e que o destino da reforma depende cada vez mais da dinâmica interior do Legislativo. De todo modo, o início do governo Bolsonaro não consegue reduzir a percepção de risco, mesmo com a reforma da Previdência.

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Demissão é mal recebida no mercado financeiro

Aline Bronzatti

17/06/2019

 

 

A maneira como o presidente Jair Bolsonaro conduziu a demissão de Joaquim Levy da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi recebida por críticas entre pesos pesados do mercado financeiro que temem mais reflexos negativos na visão do investidor estrangeiro sobre o Brasil. A leitura é que, além de desnecessária, a postura do presidente também pode dificultar a atração de bons nomes para o governo.

O pedido de demissão por parte de Levy já era esperado desde a tarde de sábado após Bolsonaro dizer que “sua cabeça estava a prêmio”. Não é de hoje que o governo e a equipe econômica estão insatisfeitos com o desempenho do BNDES na agenda de redução do tamanho dos bancos públicos. Especificamente do lado de Bolsonaro, ainda havia críticas sobre a necessidade de o presidente do BNDES “abrir a caixa preta” de empréstimos feitos durante o governo do PT.

Uma fonte lembra que Levy já foi uma escolha feita pelas mãos do ministro da Economia, Paulo Guedes. Seu nome, que foi ministro da Fazenda no governo Dilma Rousseff, teve dificuldade de passar pelo “escrutínio” da “direita”. O estopim foi a indicação de Marcos Pinto Barbosa, ex-sócio de Armínio Fraga no Gávea Investimentos, para o cargo de diretor de Mercado de Capitais do banco de fomento. Conforme a avaliação, “tirando a forma”, a saída de Levy “já estava precificada”.

O desfecho para a saída de Levy do BNDES desagradou a muitos executivos do mercado financeiro ouvidos pelo Estadão/Broadcast.

Para a economista Elena Landau, Levy jamais teria anunciado a admissão de um diretor sem a aprovação de Guedes. “BNDES não tem essa independência. Esperaram essa historinha para ter apoio da malta das redes.”

Uma fonte chama atenção para o impacto que a postura de Bolsonaro pode gerar não só no andamento da agenda de recuperação da economia brasileira mas, principalmente, na visão dos estrangeiros em relação ao País. Chega a comparar Bolsonaro com a ex-presidente Dilma Rousseff, bastante criticada no mercado financeiro por sua “postura impulsiva” em determinadas ocasiões.

A avaliação é de que o presidente aparentemente “não está nem aí para o ânimo dos investidores estrangeiros com o Brasil”. E a conclusão é que episódios como este “dificultam um ambiente de estabilidade no mercado”.

O presidente de uma gestora internacional de recursos afirmou que, a despeito de o investidor internacional ser pragmático e gostar da atual equipe econômica, não tem uma imagem tão positiva em relação ao governo Bolsonaro. Ele considera que falta postura ao presidente e reclama da recorrência de episódios desgastantes.

“Agora tem o presidente do BNDES. Antes, foi o presidente dos Correios. Teve também o Santos Cruz. Se a crise Moro crescer... aí começa a ficar complexo”, avaliou.

Para o executivo de um grande banco, apesar da postura de Bolsonaro, o mercado segue otimista com a reforma da Previdência.

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Para a economista Elena Landau, Levy jamais teria anunciado a admissão de um diretor sem a aprovação de Guedes. “BNDES não tem essa independência .Esperaram essa historinha para ter apoio da malta das redes."