O Estado de São Paulo, n.45907, 26/06/2019. Política, p. A8

 

Defesa aposta em julgamento do mérito 

Breno Pires 

26/06/2019

 

 

Curitiba. Apoiadores do ex-presidente Lula acompanharam o julgamento em frente à sede da PF, onde o petista está preso

O advogado Cristiano Zanin Martins, defensor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, minimizou a decisão tomada ontem pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que manteve a prisão do petista. Ele disse ter confiança que o resultado será diferente quando a Corte julgar o mérito do habeas corpus que pede a suspeição do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro.

“Tão só a existência de dúvida deve militar em favor do acusado”, disse Zanin, depois do julgamento, em que o ministro Gilmar Mendes disse ter dúvidas sobre a imparcialidade de Moro na condução das ações que tinham Lula como alvo. O caso, porém, não poderá ser julgado antes de agosto, devido ao recesso do Judiciário em julho.

O foco da defesa, segundo ele, continua sendo a liberdade de Lula, e não a progressão de regime. “É o único resultado compatível para uma pessoa que não cometeu crime.”

Moro sentenciou o ex-presidente por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá (SP), e também atuou no andamento de outros dois casos, o do sítio de Atibaia e o da aquisição de terreno para construção do Instituto Lula. Mesmo não tendo proferido sentença nesses dois casos, a defesa alega que ambos devem ser anulados.

Presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann escreveu em rede social que “Lula continuará esperando ilegalmente preso”. “Mas Sérgio Moro permanece no banco dos réus e são cada vez mais fortes as evidências de seus crimes. Ele que deve explicações”, disse ela, em referência à publicação de supostas mensagens que indicariam interferência do ex-juiz nas operações conduzidas pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. As mensagens foram publicadas pelo site The Intercept Brasil.

‘Romaria’. A sessão de ontem da Segunda Turma do Supremo acabou atraindo uma verdadeira romaria de advogados e políticos. Mesmo diante da incerteza sobre se seriam julgados os pedidos de Lula, estavam presentes, pelo PT, os senadores Jaques Wagner (BA), Rogério Carvalho (SE), Paulo Rocha (PA) e Humberto Costa (PE) e o deputado Paulo Pimenta (RS), entre outros.

Passava das 17h30 quando também chegaram congressistas do PSL, partido do presidente Bolsonaro, como a deputada Bia Kicis (DF) e a senadora Soraya Thronicke (MS). Soraya disse ao Estado que foi ao STF ao perceber que a TV Justiça não estava transmitindo a sessão de julgamento – apenas as causas apreciadas no plenário da Corte são veiculadas. A essa altura, a ministra Cármen Lúcia, em sua primeira sessão no comando do colegiado, já havia dispensado a presença dos advogados que atuariam na defesa de outros clientes que não Lula, ao justificar que o tempo restante seria destinado à continuidade deste único julgamento.

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Em Curitiba, frustração após voto de Celso de Mello 

Ricardo Galhardo 

26/06/2019

 

 

A expectativa por um resultado favorável no julgamento de ontem da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal levou cerca de 300 pessoas para as proximidades do prédio da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, em apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas bastou o voto do ministro Celso de Mello, decano da Corte, para que o grupo começasse a se desmobilizar e deixar o local.

Quarto ministro a ler seu voto, Celso negou o pedido de liberdade provisória de Lula, empatando o julgamento naquele momento em 2 a 2. Ainda faltava o voto da ministra Cármen Lúcia, presidente do Colegiado, que também foi contra a proposta de soltar Lula.

Coube ao ex-deputado Dr. Rosinha, presidente do PT do Paraná, anunciar aos manifestantes o voto de Celso de Mello – cuja posição era considerada decisiva para o resultado final do julgamento. Segundo Rosinha, vários deles reagiram com emoção, chorando com a notícia.

Parte dos manifestantes participa da autointitulada Vigília Lula Livre, que mantém um acampamento no local desde a prisão do ex-presidente, em abril do ano passado. A maioria deles integra o Movimento dos Tralhadores Sem-Terra (MST).

“Lula prometeu vir nos visitar caso seja libertado”, dizia no meio da tarde a militante Sirlene Gomes, que frequenta a vigília diariamente desde o ano passado. “Nós já tivemos tantas decepções que ficamos desconfiados a cada possibilidade de libertação”, acrescentou ela.

Também falando antes do resultado final da sessão de ontem da Segunda Turma do Supremo, o jornalista Pedro Dias, que trabalha como voluntário na comunicação da vigília, disse que a possibilidade de Lula ser solto acabou animando mais os militantes do que em outros julgamentos. “Outra mobilização ocorreu quando houve o julgamento da prisão em segunda instância. Mas, desta vez, a possibilidade de libertação de Lula parece estar mais próxima”, comentou./  COLABOROU EDSON FONSECA, ESPECIAL PARA O ESTADO

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Debate - O pedido de Gilmar deveria ter sido aceito pelo Supremo?

Fábio Tofic Simantob 

26/06/2019

 

 

Existe na Justiça uma coisa chamada poder geral de cautela do juiz. Sempre que há plausibilidade em um pedido somado a um grande prejuízo que a demora do julgamento pode acarretar, o juiz pode dar uma medida cautelar.

Esta foi a questão levada a julgamento ontem na sessão da Segunda Turma do STF no caso do ex-presidente Lula. Existem indícios fortes de que Lula foi julgado por um juiz parcial. Vou mais além, existe contundente suspeita de que o processo serviu apenas para legitimar uma vontade de condenar previamente formada.

O argumento de que a condenação foi confirmada em outras instâncias é insuficiente neste caso, porque além de condenar, o juiz apontado como suspeito impediu também que viessem aos autos provas de interesse da defesa, provas que foram subtraídas do exame das instâncias superiores.

A maioria dos ministros não discorda de que são plausíveis as alegações da defesa. Nem mes- mo a Procuradoria-Geral da República deixou de admitir que há dúvidas relevantes sobre a va- lidade do processo.

O que estava em discussão ontem, portanto, é se, enquanto a Corte examina a suspeição mais a fundo, Lula deve ou não permanecer pre- so. Afinal, se o réu já demonstrou que não pre- tende fugir, qual seria o prejuízo de aguardar a análise da suspeição em liberdade? É certo, po- rém, que ninguém poderá lhe devolver o tempo de liberdade perdido, caso daqui a alguns meses a Corte conclua que o julgamento era mesmo nulo. Dada a grande chance de que o processo será anulado em breve, não parece razoável que o réu espere encarcerado os trâmites procedi- mentais necessários para que a nulidade seja sacramentada.

O Supremo Tribunal Federal tem, nos últimos anos, criado uma permanente e grave insegurança institucional no País, quando, pelo contrário, deveria promover a paz social na decisão sobre aspectos constitucionais, sobretudo nos confrontos envolvendo notórios corruptos da esfera pública e privada.

Essa inquietação, mais uma vez, se manifesta nas idas e vindas do julgamento dos habeas corpus impetrados por Lula, com base em suspeição do ministro Felix Ficher e do juiz Sérgio Moro. E o País entra em crise quando o ministro Gilmar Mendes propõe que a soltura de Lula se dê imediatamente, independentemente do julgamento desses dois pedidos na sessão de ontem da Segunda Turma.

A proposta de Gilmar não tem previsão legal, sendo inteiramente contrária ao ordenamento jurídico. Nem pode ser confundida com medida cautelar ou com habeas corpus de ofício, que somente poderiam ser determinados pelo relator dos processos, o ministro Edson Fachin.

E quanto ao habeas corpus fundado na suspeição do juiz Moro, a matéria está preclusa em razão da decisão pela condenação prolatada pelo TRF-4 que condenou Lula inclusive com uma pena maior do que havia sido dada pelo juiz de 1.ª instância. E quanto ao habeas corpus com base na suspeição do ministro Felix Ficher, ainda que fosse acolhido, não alteraria a condenação anterior prolatada em segunda instância pelo citado TRF-4.

Portanto, em qualquer hipótese a condenação persistirá, sendo inútil para a soltura do condenado a decisão em qualquer dos dois habeas corpus requeridos. Quanto à soltura “a la Gilmar Mendes”, sem qualquer julgamento, só rindo... ou chorando. Pobre país que tem Gilmar Mendes como ministro de sua mais alta Corte.