O Estado de São Paulo, n.45908, 27/06/2019. Economia, p. B9

 

Acordo UE-Mercosul volta ao debate 

Renata Agostini

Julia Lindner 

27/06/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Reunião ministerial começa em Bruxelas e há chance de o acordo de cooperação entre os blocos ser assinado, após duas décadas de negociação

Ministros do Mercosul e da União Europeia iniciam hoje, em Bruxelas, reuniões que, segundo fontes com conhecimento das conversas, podem resultar, enfim, num acerto sobre o tratado entre os dois blocos. O acordo vem sendo discutido há duas décadas. Restam poucos pontos a serem definidos e, desta vez, há perspectiva real de conclusão, na avaliação de integrantes do governo brasileiro.

O desfecho dependerá de decisões políticas por parte de ambos os blocos e, por isso, fontes próximas aos negociadores pontuam que não se pode descartar um novo adiamento como ocorreu em outras inúmeras vezes. O clima, porém, é de otimismo do lado brasileiro. O governo enviou a Bruxelas o chanceler Ernesto Araújo, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o secretário especial de Comércio Exterior, Marcos Troyjo.

Se concretizado, o acordo entre Mercosul e União Europeia representará um marco. Será o segundo maior tratado já assinado pelo bloco europeu e o mais ambicioso acertado pelo Mercosul. Ele levará à redução drástica das tarifas de importação existentes hoje pelos blocos, o que deve impulsionar vendas.

O objetivo final é que as taxas sejam eliminadas para até 90% do comércio entre Mercosul - que reúne Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai - e os 28 países da União Europeia. A princípio, os europeus zerariam as alíquotas em até sete anos, mas a maior parte dos cortes seria feita nos primeiros dois anos. Já os brasileiros teriam até quinze anos para retirar as tarifas, com boa parte eliminada antes de dez anos. Em 2018, o Brasil exportou US$ 42 bilhões aos países da União Europeia. Juntos, eles representam o segundo maior mercado para os brasileiros no mundo, atrás somente da China.

Há potencial de expansão dessas cifras. O acordo deve facilitar ainda a exportação de serviços e o fluxo de investimentos entre os blocos, e que pode ajudar o Brasil no curto prazo. “Será o início da reforma esquecida, que e' a abertura comercial. Os benefícios serão muitos, mas o efeito imediato vira no aumento dos investimentos”, diz Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da FGV.

Representantes dos europeus confirmaram ao Estado que houve avanços significativos nas negociações, mas tentaram transmitir cautela. Após tantas idas e vindas, avaliam que não devem criar expectativas na população e precisam evitar ao máximo a percepção de algum tipo de derrota para a União Europeia num momento em que o bloco enfrenta percalços, como a saída do Reino Unido, movimento conhecido como “Brexit”.

Entraves . Há duas semanas, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o acordo estava prestes a ser concluído e citou acertos pendentes com produtores brasileiros de laticínios e de vinhos. Esses setores argumentam que sofrem concorrência desleal, já que os europeus recebem subsídios e que, por isso, teriam de ficar fora do acordo. A tendência, porém, é que figurem no tratado final.

Do lado europeu, ainda na pressão de França, Irlanda, Polônia e Bélgica sobre questões relacionadas ao agronegócio. Esses países resistem a autorizar a ampliação de cotas de importação para produtos como açúcar, carne bovina e de frango. Para o sul-americanos, essa é uma contrapartida essencial, já que os manufaturados europeus terão acesso facilitado.

Representantes do agronegócio argumentam, porém, que os possíveis ganhos com o acordo não se restringirão a esses produtos. Haverá benefícios, por exemplo, para as exportações de frutas, arroz, café, mel e outros itens.

“Estamos hoje isolados e muito atrasados no processo de abertura. Precisamos concluir o acordo”, diz Lígia Dutra Silva, superintendente de relações internacionais da Confederação da Agricultura do Brasil (CNA).

A indústria vê no acordo a chance de impulsionar vendas em setores que foram penalizados com aumento de tarifas nos últimos anos, como vestuário e calçados, e ainda em itens como equipamentos de transporte e produtos de metais e madeira.

“O acordo nos dá acesso à modernidade, a centros de inovação.  Ele não se esgota nas tarifas. Há reflexos positivos que vêm com o tempo, diz Carlos Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI.

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Na CPI, Levy afirma que BNDES não tem nada a esconder 

Anne Warth

27/06/2019

 

 

Caixa-preta. Para Joaquim Levy, BNDES é transparente

O ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Joaquim Levy disse que a instituição não tem nada a esconder e conta hoje um grau de transparência que poucos bancos possuem. A suposta resistência em “abrir a caixa- preta” do BNDES foi apontada como uma das causas da saída de Levy, anunciada num domingo, 16 de junho, um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro dizer que ele estava com a “cabeça a prêmio”.

Levy sustenta, no entanto, que atuou para ampliar a transparência nas informações do banco enquanto esteve à frente da instituição. “Acho que fiz esforços de sucesso em comunicar tudo que acontece no BNDES”, afirmou, em depoimento à CPI do BNDES, na Câmara dos Deputados. “Obviamente esse esforço de comunicação do BNDES tem que melhorar”, admitiu. Para ele, embora haja acesso às informações por especialistas, a população, de forma geral, tem dificuldades para entender dados e indicadores do banco.

Questionado pelos parlamentares sobre a abertura da “caixa-preta”, Levy disse que o banco fez diversas apurações internas e chegou a contratar investigação independente, realizada por auditores externos. Ele disse que essas informações são compartilhadas com o Tribunal de Contas da União (TCU), Controladoria-Geral da União (CGU), Ministério Público Federal (MPF) e, agora, com a CPI.

“O sentido mais preciso da caixa-preta é aquele artefato que registra o que aconteceu com qualquer veículo. Acho que o BNDES tem a história registrada. Se houve acidente ou não, aí varia da apreciação de cada um.”

Levy disse que não conversou com o presidente Jair Bolsonaro sobre as razões que levaram à sua demissão. “Sei o que está nos jornais”, disse.

Relator da comissão, deputado, Altineu Côrtes (PR-RJ), demonstrou solidariedade a Levy pela forma que ele foi tratado pelo presidente Jair Bolsonaro. Para ele, a atitude “não foi republicana”. “Quero me solidarizar com o senhor, pois o que mais tem nesse governo é gente que trabalhou em gestões anteriores”, disse Côrtes.

Levy também foi questionado sobre se concordava com a política de empréstimos do BNDES realizada no passado, quando ainda não era presidente da instituição, e que envolveu financiamentos a obras e serviços no exterior, em países como Cuba, Venezuela e Moçambique. Ele disse que sua postura, ao longo de toda a carreira, sempre foi a de alertar os superiores quando via problemas.

“Minha ideia de lealdade é deixar claro quais são os riscos e os riscos de que as propostas não sejam corretas”, afirmou. “Às vezes isso dá bons resultados para mim, às vezes não.”