O Estado de São Paulo, n. 45829, 09/04/2019. Política, p. A6

 

Almas penadas

Eliane Cantanhêde

09/04/2019

 

 

A demissão de Ricardo Vélez Rodríguez do MEC foi decidida antes da viagem a Israel, em 30 de março, e anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro três dias antes de ser formalizada e finalmente publicada ontem no Twitter e no Diário Oficial. Se parece esquisito, não é caso único e não será o último.

Bolsonaro também anunciou no dia 13 de março, antes da ida aos EUA, que iria trocar 15 embaixadores, inclusive Sérgio Amaral, de Washington. Deu um motivo para o “bilhete azul” num encontro com jornalistas: “Não está vendendo

uma boa imagem do Brasil no exterior”. E para ser só na volta: ficaria muito ruim às vésperas de chegar ao país.

O presidente foi para os EUA no dia 17, voltou, foi ao Chile, voltou, foi a Israel, voltou. Mas os embaixadores continuam exatamente onde estavam, como almas penadas. O que mudou, nesse meio tempo, foi o número dos que estavam com os dias contados.

Se Bolsonaro havia falado em 15, a lista que o chanceler Ernesto Araújo enviou para a Casa Civil continha três vezes mais nomes, em torno de 45 embaixadores que ocupam efetivamente embaixadas ou consulados e chefias de representações do Brasil em organismos internacionais nos diferentes continentes. Entre eles, seis estão se aposentando neste ano. Os demais entram na dança das cadeiras.

Até agora, porém, praticamente um mês depois do anúncio feito pelo próprio presidente da República, ninguém veio, ninguém foi para posto nenhum. O próprio embaixador Sérgio Amaral, nomeado no governo Michel Temer, não só continua em Washington como participou ativamente da viagem de Bolsonaro e, agora, participa da visita do vice Hamilton Mourão.

O tempo vai passando e Amaral vai ficando. Ele já estava fazendo as malas, arrumando as gavetas, cuidando das conveniências da família, quando o Itamaraty deu uma contraordem, mandou parar tudo e aguardar novas orientações. Que ainda não chegaram, provavelmente porque alguém deve ter feito as contas: quanto custa a mudança de mais de 40 diplomatas?

Sérgio Amaral não é Vélez Rodríguez nem causou tanta confusão, tanto rebuliço, tantas demissões e tantos recuos, mas sofre nesses três meses o mesmo processo que atingiu o agora ex-ministro da Educação: fica no limbo, sabendo de seu destino pela mídia.

Assim como ele, embaixadores brasileiros pelo mundo afora, na Europa, na Ásia, na África, nas Américas. E, claro, seus assessores diretos, sejam diplomatas, sejam funcionários. Em consequência, suas famílias.

Se há insegurança entre os que saem, há também entre os que podem entrar. Para Washington, o vice Mourão queria o cientista político Murillo de Aragão, da consultoria Arko Advice, um frequentador assíduo da Vice-Presidência. Já a cúpula do Itamaraty preferia o embaixador de carreira Nestor Forster, do grupo de Ernesto Araújo. Os dois enfrentam resistências e obstáculos concretos para assumir o que é, nada mais, nada menos, a embaixada mais importante do Brasil. Aliás, de todos os países.

No MEC, sai Vélez, filósofo, e entra Abraham Weintraub, um homem das finanças, mas uma coisa é certa: a ideologia fica. Além de professores universitários, ambos são também arraigadamente de direita, conservadores nos costumes, simpatizantes das ideias do tal guru Olavo de Carvalho. Lembram-se daquela velha corrente que via comunistas em toda a parte, até debaixo das camas das famílias brasileiras?

Agora, é acompanhar a montagem da equipe e identificar os impostos por Olavo de Carvalho, os indicados pelos militares e os simplesmente técnicos, que querem ver o ministério andar. Sim, porque a Educação está paralisada. Mas a guerra no ministério continua.

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A escolha para o MEC fortalece Onyx

Lígia Formenti

Vera Rosa

09/04/2019

 

 

Ministro da Casa Civil indicou Abraham Weintraub como ‘solução’ na pasta; nome é ligado a Olavo de Carvalho e tem trânsito no Planalto

Indicação. Chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni apresentou nome de Weintraub como saída para o MEC

A indicação de Abraham Weintraub para substituir Ricardo Vélez Rodríguez no Ministério da Educação foi a “solução caseira” encontrada pela equipe do presidente Jair Bolsonaro para resolver uma disputa interna e fortalece o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Secretário executivo da Casa Civil, Weintraub não havia sido lembrado até então para ocupar a cadeira com mais polêmicas no governo, mas foi a saída de última hora, na tentativa de evitar mais problemas.

Em dois encontros de auxiliares com Bolsonaro, no fim de semana, a meta era achar um perfil de ministro que também ajudasse na articulação da reforma da Previdência no Congresso. Conselheiros do presidente sugeriam um político para o cargo. Nesse arranjo, a secretaria executiva do MEC ficaria sob a responsabilidade de alguém com mais capacidade de gestão.

Uma das possibilidades aventadas era fazer uma dobradinha entre o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) e Ivan Camargo, exreitor da Universidade de Brasília (UnB). Outro nome mencionado era o do deputado João Roma (PRB-BA). Havia, porém, outros citados, como os generais Oswaldo Ferreira e Alessio Ribeiro Souto. Bolsonaro parecia mais inclinado por Camargo.

A surpresa veio mais tarde, quando ele anunciou a decisão de entregar a pasta, mais uma vez, para aliados do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo. Passaram a ser cotados para ministro, então, o secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, e o ex-secretário executivo adjunto Eduardo Melo.

Diante desse quadro, Onyx sugeriu Weintraub. Era, na definição do chefe da Casa Civil, a saída ideal: um técnico ligado a Olavo, mas que também tinha a confiança do Planalto. O Estado apurou que já é dada como certa a retirada dos militares do MEC.

Com dificuldades para demitir, Bolsonaro chegou a pedir desculpas a Vélez, ontem, na última conversa. A interlocutores, definiu a situação como constrangedora, mas afirmou que o MEC não poderia continuar sangrando.

Economista, Weintraub foi levado para a campanha de Bolsonaro por Onyx, que o conheceu no Congresso em um seminário sobre Previdência, em 2017. Entusiasmado com suas propostas e com as de Arthur, seu inseparável irmão, o então deputado do DEM os convenceu a dar uma espécie de “consultoria” ao colega de Câmara.

“Eu me lembro do dia no qual nós desejávamos que ele (Bolsonaro) compreendesse o quanto era importante a independência do Banco Central para dar solidez à economia. Ele foi falar 20 minutos com um tal professor paulista da Unifesp (Weintraub). Ficou duas horas. Era contra e saiu a favor. A partir daí, fizemos o plano de governo”, contou Onyx, ontem.

Em 2018, os irmãos acompanharam o pré-candidato na viagem ao Japão e à Coreia do Sul. Questionado pelo Estado, no ano passado, sobre a decisão de apoiar Bolsonaro, Weintraub falou sobre patriotismo. “Diante de ameaças é necessário lutar pelo país em que se vive. Os venezuelanos descobriram isso muito tarde. Perderam o controle de sua Pátria e hoje são colônia dos ditadores que controlam Cuba. São escravos”, escreveu. Na entrevista, por e-mail, rechaçou a pecha de direitista. “Esquerda ou direita, acho que é uma rotulação pobre. Somos humanistas, democratas, liberais, lemos a Bíblia (Velho e Novo Testamento) e a temos como referência.”

‘Plano de governo’

“Ele (Bolsonaro) foi falar com um tal de professor da Unifesp (Abraham Weintraub). Era contra e saiu a favor (da independência do BC).”

Onyx Lorenzoni

MINISTRO DA CASA CIVIL

Regra

O ex-ministro Ricardo Vélez terá de cumprir quarentena antes de aceitar novo emprego. No período de seis meses ele continua recebendo R$ 33,7 mil de salário.

- AS POLÊMICAS DO MEC SOB VÉLEZ

Demitido ontem do comando do Ministério da Educação, colombiano Ricardo Vélez Rodríguez sofreu desgaste no cargo

9 de janeiro

Edital de livros didáticos

Alterações no edital dos livros didáticos tiravam a exigência de que os materiais tivessem referências bibliográficas e permitia erros de revisão. Após críticas, Vélez anula as mudanças.

1º de fevereiro

‘Canibais’

Vélez diz em entrevista que brasileiro viajando é “canibal”, pois “rouba coisas dos hotéis”. Isso, afirma, tem de ser revertido na escola.

25 de fevereiro

Hino Nacional e slogan

Estado revela que MEC pediu às escolas que crianças fossem gravadas cantando o Hino e que fosse lida para elas carta com o slogan de campanha. O ministro também voltou atrás.

8 de março

‘Expurgo’ de ‘olavistas’

Repercussão negativa do episódio do Hino Nacional faz com que nomes ligados a Olavo de Carvalho sejam afastados da pasta.

10 e 12 de março

Aliados exonerados

Pressionado por “olavistas”, Vélez demite dois aliados: o nº 2 do MEC, Luiz Antonio Tozi, da Secretaria Executiva, e o coronel Ricardo Roquetti.

20 de março

Comissão para o Enem

MEC cria comissão para avaliar questões do Enem e identificar "questões com teor ofensivo a tradições". Medida é vista como censura e ameaça à segurança da prova.

22 de março

Evangélica demitida

A educadora evangélica Iolene Lima, anunciada como a nova nº 2 do Ministério da Educação, é demitida antes mesmo de assumir o cargo. A escolha não agradou ao governo.

25 de março

Alfabetização de crianças

MEC decide não avaliar o nível de alfabetização de crianças. Exonerado do Inep, Marcus Vinicius Rodrigues diz que País precisa de ministro “competente”.