Valor econômico, v.20, n.4804, 31/07/2019. Brasil, p. A4

 

Bolsonaro faz críticas e diz que vai mudar a lei sobre trabalho escravo 

Fabio Murakawa 

Carla Araújo 

Ana Krüger 

31/07/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que pretende patrocinar durante seu governo mudanças na legislação que versa sobre o trabalho análogo à escravidão. Ao defender proprietários de terra ameaçados de expropriação, Bolsonaro afirmou que pretende "retirar a subjetividade da norma" que versa sobre o assunto.

Ao lado do presidente, o secretário de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, disse que a mudança passa pelo Congresso. Antes de o debate avançar no Parlamento, porém, o governo terá que montar um grupo técnico de trabalho para preparar as alterações.

Segundo uma fonte da equipe econômica ouvida pelo Valor, Marinho sabe que terá muita "porrada e polêmica", mas está disposto a "enfrentar o tema" no segundo semestre. Ainda deputado, ele foi relator em 2017 da reforma trabalhista, que alterou mais de cem artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Ao discursar em um evento de mudanças de normas de segurança de trabalho, no Palácio do Planalto, Bolsonaro queixou-se da interpretação de juristas a respeito do tema. Dirigindo-se ao ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra, Bolsonaro afirmou que "alguns colegas de Vossa Excelência entendem que o trabalho análogo à escravidão também é escravo, e pau nele [patrão]".

Bolsonaro reclamou também de normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), das quais o Brasil é signatário, que estipulam padrões para a qualificação de um trabalho como escravo ou análogo à escravidão.

"Vai que se pratica o trabalho análogo à escravidão que pode ser enquadrado pela OIT, como por exemplo a espessura do colchão, um recinto com ventilação inadequada, roupa de cama rasgada, copo desbeiçado, entre outras quase 200 especificações", disse Bolsonaro. "Esse cidadão vai perder a fazenda. Vão ele, neto, filhos, bisnetos para rua, se não for para cadeia. Quem tem coragem de investir num país como esse daqui? Ninguém", afirmou o presidente.

Depois, em entrevista coletiva, Bolsonaro afirmou que, assim como ele evoluiu em sem pensamento econômico, "essa regra tem que ser adaptada à evolução também".

Ele admitiu que "pode ser que tenha uma minoria insignificante" que submeta seus empregados ao trabalho escravo, "e isso tem que ser combatido". "Mas deixar com essa dúvida quem está empregando, se é análogo ou não é, você leva o terror para o produtor", afirmou. "

Bolsonaro disse não saber detalhes sobre como as alterações serão feitas. "Eu não vou entrar em detalhe", disse Bolsonaro, respondendo a pergunta de um jornalista. "Olha só, você quer que eu fale como eu vou fazer um gol? Eu sou o técnico, eu não entro em campo. Quem entra em campo são os 22 ministros."

Depois, admitiu que a mudança tem que passar pelo crivo de deputados e senadores. "Você tem que botar uma lei. O Congresso é quem decide. Não passa por mim nem pelo Marinho", afirmou

Líder do governo no Congresso, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) disse que "lei é para tirar paixão ideológica". E afirmou que é preciso haver "uma legislação que defenda o trabalhador, mas defenda também direito à propriedade". "A gente quer um remédio que cure o paciente. Não se trata de flexibilizar, e sim de colocar regras claras", afirmou. "É um projeto que não se resolve do dia para noite. Deve ter discussão de um semestre pelo menos."

Ontem, o governo anunciou mudanças em duas normas regulamentadoras (NRs), que tratam de saúde e segurança no trabalho, e revogou uma terceira. As medidas terão impacto de R$ 65 bilhões em dez anos, segundo o Ministério da Economia.

A revogação da NR-2 acaba com a obrigatoriedade de realização de inspeções prévias ao se abrir uma empresa. A nova redação da NR-1 isenta empresas consideradas de baixo risco de apresentarem o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) e o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA).

Já a NR-12, que trata de máquinas e equipamentos, foi alterada para alinhar as normas brasileiras a internacionais, flexibilizando as opções técnicas para cumprimento das exigências de segurança, diferença de máquinas novas de usadas, aumenta a segurança jurídica e traz atualizações voltadas para a indústria 4.0.