Valor econômico, v. 20 , n. 4781 , 28/06/2019. Especial, p. F3

 

Experiências em sala de aula procuram reduzir assimetrias

 

 

 

Andrea Vialli

28/06/2019

 

 

 

Na maior parte dos países com déficits educacionais, a prioridade sempre foi a expansão da educação básica. Mas a agenda do combate às desigualdades - de gênero, raça ou origem socioeconômica - no ambiente escolar começa a ganhar espaço, especialmente a partir do cenário ideal traçado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas para 2030. O ODS 4, que se desdobra em dez submetas, trata de assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem para todos e todas.

Com o objetivo de analisar políticas públicas voltadas a isso, as pesquisadoras Vanda Ribeiro, da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), e Claudia Vóvio, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) debruçaram-se sobre 15 experiências pedagógicas de enfrentamento das desigualdades, que foram apresentadas durante o seminário "Democracia, Educação e Equidade", promovido pela Fundação Tide Setubal, Unesco e Insper, em São Paulo.

O levantamento, baseado em dados de relatórios de organismos multilaterais, ONGs e estudos acadêmicos, considerou o acesso à educação, aprendizado, permanência e segregação socioespacial. Cinco experiências foram estudadas: duas estaduais (Acre e Ceará) e três municipais, de Sobral (CE), Marília (SP) e Serra (ES), além de dez internacionais (Uruguai, Argentina, Colômbia, Chile, México, EUA, Canadá, França e Coreia do Sul). A maioria das experiências brasileiras estavam ligadas à etapa do ensino fundamental 1, que engloba do 1º ao 5º ano.

Embora heterogêneos, os exemplos bem-sucedidos trazem alguns traços em comum. Entre eles, a mobilização da sociedade local para o tema; a formação de professores e outros profissionais com foco em objetivos específicos; o apoio entre escolas; a troca de experiências entre os pais; a disseminação de boas práticas; incentivos e premiações, avaliações padronizadas de desempenho e, sobretudo, a construção de arranjos institucionais para execução da política, tais como a criação de portarias, normatizações, guias e diretrizes. "Nem sempre esses elementos aparecem em todas as experiências, mas eles ajudam a compreender os resultados que as políticas alcançaram", diz Vanda Ribeiro, professora dos programas de pós-graduação e mestrado em educação da Unicid.

Um dos exemplos vem do Acre, com as políticas públicas implementadas entre os anos de 1999 e 2010, que tiveram como premissa o atendimento a especificidades educacionais dos povos da floresta - seringueiros, indígenas e ribeirinhos. No Brasil, quando são analisados os indicadores educacionais com recortes étnico-raciais ou de localização geográfica, as populações negra, indígena, residente no campo, nas periferias das grandes cidades e no Norte e Nordeste são as que têm maiores dificuldades no acesso à escola.

"Meninas afrodescendentes são as mais afetadas pela desigualdade e a sala de aula não trabalha para mudar isso" Carolina da Costa, vice-presidente da graduação do Insper

A situação do Acre em 1999 foi considerada uma calamidade: péssima infraestrutura das escolas, baixa porcentagem de professores com nível superior e resultados ruins no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) - o Estado ocupava um dos últimos lugares na avaliação realizada naquele ano. A taxa de reprovação era de 13,7% para o ensino fundamental e a de abandono, 17,1%. Havia ainda grande déficit no atendimento à educação infantil nas áreas rurais.

A partir desse diagnóstico, o governo estadual fez um planejamento estratégico com base nas necessidades educacionais do Estado. A política para a educação rural foi dividida em duas grandes linhas - uma voltada às escolas maiores, mais próximas aos centros urbanos, e outra para as escolas situadas em regiões remotas.

Houve investimento também na educação indígena, com formação de professores das próprias etnias e abertura de novas escolas. Segundo o Censo Escolar Indígena de 1999, havia 75 escolas indígenas no Acre, número que saltou para 175 em 2011. No período, as matrículas indígenas avançaram de 2.541 para 7.192. As políticas também refletiram no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do Acre que, entre 2005 e 2013, teve crescimento de 52% nos anos iniciais do ensino fundamental, percentual maior que a média brasileira e da região Norte. Nos anos finais, o crescimento foi de 27%, enquanto o Ideb brasileiro avançou 25% no período.

No contexto urbano, o levantamento destaca uma escola pública de Serra, na região metropolitana de Vitória. Na escola Girassol, as desigualdades socioeconômicas e de aprendizagem são enfrentadas com um sentimento de responsabilidade dos professores em relação à aprendizagem, engajamento das famílias e formação de turmas com critérios heterogêneos.

A escola tem cerca de 1.100 estudantes com perfis socioeconômicos variados - há desde crianças oriundas de famílias inscritas no programa Bolsa Família, até alunos de bairros mais ricos, atraídos pela reputação da instituição de oferecer um bom ensino.

Em 2013, a escola Girassol alcançou o valor 6 no Ideb referente aos anos iniciais do ensino fundamental, superando a meta estipulada, de 5,7, para aquele ano.

As ações de formação continuada para os professores oferecidas pela Secretaria de Educação de Serra ajudaram a construir esse status. A parceria estabelecida com as famílias também contribui: 90% delas acompanham tarefas dos filhos e os pais são avisados pelos professores sobre qualquer desvio na conduta do aluno.

Para Carolina da Costa, vice-presidente da graduação do Insper, os primeiros passos para assegurar maior equidade no ensino são reconhecer essas diferenças entre os grupos e aplicar a ciência da aprendizagem. No Brasil, os recortes de gênero, raça e classe social corroboram a desigualdade, que está presente até mesmo na mentalidade dos docentes - muitos acreditam, por exemplo, que meninas têm menos aptidão para as ciências exatas. "As meninas afrodescendentes são as mais afetadas pela desigualdade e a sala de aula não trabalha para mudar isso. "