Valor econômico, v.20, n.4770, 12/06/2019. Brasil, p. A3

 

Passivos da União superam ativos em R$ 2,4 tri 

Sergio Lamucci 

Cristiano Romero

12/06/2019

 

 

A péssima situação financeira do governo federal fica evidente no Relatório Contábil do Tesouro Nacional do ano passado. Em 2018, os passivos da União superaram os ativos em R$ 2,416 trilhões, número 0,4% inferior aos R$ 2,426 trilhões de 2017, mas quase 70% superior ao R$ 1,425 trilhão de 2015. No jargão contábil, o resultado indica que o patrimônio líquido da União está negativo, com um enorme passivo a descoberto.

Entre os ativos do governo federal, de R$ 5,268 trilhões em 2018, estão o dinheiro em caixa da União, créditos a receber, investimentos - como participação em estatais - e imóveis. No caso dos passivos, de R$ 7,684 trilhões no ano passado, estão as obrigações, empréstimos e provisões a curto e longo prazo. O principal componente é a dívida pública federal - interna e externa -, somando R$ 5,7 trilhões. Também têm peso expressivo as provisões previdenciárias, que mostra o passivo atuarial do governo na área, de R$ 1,346 trilhão - aí estão o regime de Previdência dos servidores públicos civis e as pensões dos militares.

O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, diz que um patrimônio líquido negativo dessa magnitude preocupa num país com déficit ainda alto, com investimento público nas mínimas históricas e uma carga tributária elevada. O endividamento do governo é muito alto, por qualquer critério que se use, afirma ele.

Um dos pontos do relatório ressaltados pelo secretário é a pequena fatia de créditos tributários considerados recuperáveis. Do estoque total de R$ 4,045 trilhões em 2018, menos de 15% - o equivalente a R$ 601 bilhões - encontram-se nessa categoria. Mansueto lembra que os maiores devedores são empresas que não existem mais, como Vasp e Transbrasil. Com isso, a ideia de que o governo pode obter muito dinheiro cobrando débitos em atraso não fica em pé. "Isso é balela", afirma ele. "O volume de créditos tributários recuperáveis é muito pequeno." O relatório nota ainda que, "ao longo de 18 anos, foram criados quase 40 programas de parcelamentos especiais, com significativas reduções nos valores cobrados, prazos de quitação extremamente longos e outros benefícios".

Para melhorar a situação das contas públicas, é indispensável trilhar o caminho de reformas que enfrentem o desequilíbrio fiscal, como a da Previdência, aponta Mansueto. O alívio não virá da recuperação de grandes quantias de créditos tributários recuperados.

Ele também chama a atenção para um dos principais itens do ativo do governo federal - a Conta Única da União. Em 2018, havia ali um total de R$ 1,274 trilhão, acima do R$ 1,041 trilhão de 2017 - em um ano, os recursos subiram 22,4%.

Mansueto enfatiza que os recursos da Conta Única não podem ser usados para pagar despesas com saúde, educação e Previdência. "Se o governo tem quase R$ 1,3 trilhão em caixa, por que então está pedindo para o Congresso autorizar um crédito para gastar R$ 248 bilhões?" Um dos pontos é que uma parte desse dinheiro se refere a receitas vinculadas, observa ele. O resultado positivo do Banco Central (BC) de 2018, por exemplo, só pode ser usado para resgatar a dívida pública.

Além disso, a Conta Única engordou bastante porque, em 2015, quando a crise começou a se agravar, o Tesouro optou por vender um volume maior de títulos, para garantir um colchão de liquidez em caso de piora acentuada das condições de mercado, diz Mansueto. "Vamos supor que eu tenha emitido R$ 100 bilhões em 2016, e deixei esses recursos no Caixa. Se sacar esses recursos para usar, é como se eu tivesse emitido os títulos hoje, afetando a regra de ouro agora, e não em 2016", explica ele, referindo-se à norma que proíbe o endividamento da União para pagar despesas correntes.

Mansueto diz que um volume expressivo de recursos na Conta Única serve para dar conforto ao governo em momentos de estresse no mercado. Caso ache que os juros pedidos pelo mercado estão muito altos, por exemplo, o Tesouro pode optar por honrar os títulos que estão vencendo sem substituí-los por novos papéis.

O secretário do Tesouro afirma ainda que o aumento do dinheiro na Conta Única, que eleva os ativos da União, ajuda a explicar a pequena queda do patrimônio líquido negativo em 2018 - o indicador ficou R$ 9,6 bilhões menor do que em 2017. Além disso, o relatório informa também que "a diferença se explica em parte pela mudança na forma de apresentação de alguns itens do patrimônio, para se adequar às novas normas de contabilidade".

O documento do Tesouro, a ser divulgado hoje, também destaca situação da seguridade social da União, que compreende as ações relativas à saúde, à Previdência e à assistência social. "A arrecadação nessa esfera orçamentária foi de R$ 713,1 bilhões no ano, sendo que as despesas perfizeram um total de R$ 993,7 bilhões, o que levou o déficit a alcançar R$ 280,6 bilhões em 2018", aponta o relatório do Tesouro.

Um outro item do ativo que se destaca são os investimentos da União, que compreendem "as participações permanentes em empresas estatais, em fundos e em organismos internacionais. A fatia das estatais subiu quase 20% ano passado, para R$ 304 bilhões, dos quais quase 90% concentrados em cinco instituições - Petrobras, Eletrobras, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Caixa e Banco do Brasil.