Valor econômico, v.20, n.4780, 27/06/2019. Brasil, p. A8

 

BNDES não tem nada para esconder, diz Levy 

Fabio Graner 

Estevão Taiar 

27/06/2019

 

 

Ex-presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Joaquim Levy afirmou ontem que os desembolsos da instituição financeira devem atingir neste ano o menor patamar da série histórica. Ele lembrou que os desembolsos já haviam chegado ao "mínimo histórico" no ano passado e a tendência é que em 2019 esse número seja menor ainda.

Levy, que assumiu a presidência do banco no começo do ano e deixou o cargo há menos de duas semanas, falou em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara que investiga supostas irregularidades da instituição financeira. No encontro, ele evitou comentar sobre sua saída do comando do banco.

Na reunião, destacou a transparência da instituição, que, diz ele, não tem nada a esconder e tem prestado todas as informações a órgãos de controle, à CPI e à sociedade. Ele disse ter feito esforços de sucesso em comunicar tudo o que acontece no banco. "O BNDES não tem o que esconder", disse, quando questionado se sua demissão teve como uma das razões suposta relutância em abrir a chamada "caixa-preta".

Levy disse que o banco tem uma história registrada e grau de transparência que poucas instituições têm. Lembrou que um dos sentidos da expressão caixa-preta é o fato de na aviação ela registrar tudo o que ocorreu durante o voo. "Se houve acidente ou não, é outra questão", disse.

O ex-presidente buscou livrar o banco da culpa a respeito de perdas com empréstimos para obras no exterior no período entre 2009 e 2014. Destacou que esse processo decorreu de decisões políticas e de entendimentos entre países, como Cuba, Venezuela e Angola. Sem citar nominalmente nenhuma empresa que participou dessas operações, que em alguns casos geraram inadimplência, Levy afirmou que o banco também foi prejudicado por causa dessas companhias. "Isso não tinha nada a ver com BNDES, tinha a ver com empresas", afirmou. "O BNDES foi uma vítima dessas empresas", acrescentou.

Para ele, o problema dos contratos era que as exportações definidas para esses países eram pequenas em relação ao tamanho da operação, diferentemente de contratos semelhantes de bancos de outros países. "A maior parte dos empréstimos cobria apenas o serviço de engenharia, havia um desequilíbrio", disse.

Ele afirmou que algumas das decisões de financiamento eram objeto de resistências do corpo técnico e dele próprio, no período em que atuou no conselho do banco. Levy foi conselheiro durante o governo Lula, época em que também era secretário do Tesouro Nacional. "Eu tive desconforto, o TCU [Tribunal de Contas da União] teve desconforto", disse. "Não era necessariamente uma decisão do corpo técnico, que às vezes também mostrava desconforto."

Segundo ele, quando chegou para presidir o banco, em 2019, encontrou uma instituição "fundamentalmente diferente, mais transparente, conversando com órgãos reguladores". "Não precisa ser economista para entender informações, há total abertura, total compartilhamento do sigilo com TCU, MPF e agora com CPI, não temos nada a esconder no BNDES, temos respondido todas perguntas."

Levy evitou discutir o episódio da sua saída do banco, que ocorreu após declaração do presidente Jair Bolsonaro, que o atacou publicamente por nomear um diretor que trabalhou no banco durante o governo Lula. "Acho que houve acima de tudo um mal-entendido."

Sobre a venda de ações da BNDESPar, o braço de investimentos do banco em participações de empresas, ele afirmou que era "lógico" que iria vendê-las, mas que era preciso um processo para isso se concretizar. A negociação desses ativos foi um dos fatores que levaram a conflitos com a equipe econômica.

Levy disse que sua demissão não teve relação com pressões da equipe econômica por devolução de recursos ao Tesouro. Lembrou que devolveu R$ 30 bilhões, além dos R$ 26 bilhões que já estão previstos para o ano. E afirmou que ao fim do semestre seria feita outra avaliação e que era possível devolver mais R$ 30 bilhões com tranquilidade. Guedes vinha cobrando R$ 100 bilhões, além dos R$ 26 bilhões já previstos.

"Com o ministro, a questão da devolução dos recursos era muito pacífica, tinha que ser feita levando-se em consideração objetivos do banco e uso dos recursos, que foram recursos injetados por meio de lei", disse, lembrando ainda que pesou a questão da regra de ouro das contas públicas, cuja discussão para o crédito de R$ 248 bilhões poderia ser contaminada por uma redução da necessidade de financiamento do Tesouro.

Sobre a proposta do relator da reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), de retirar o PIS/Pasep como funding do BNDES, Levy afirmou ser necessário que essa questão seja olhada pelo governo dentro de uma visão de qual política deseja para a instituição. "A questão do FAT tem que ser vista dentro do conjunto da política do governo sobre o que se quer para o BNDES, qual o tamanho, que atividades quer cumprir", disse. "É lógico que é um funding importante dentro do papel da democratização de crédito no Brasil. É importante que bancos menores tenham funding estável."

Para ele, o redirecionamento de recursos do PIS/Pasep para a Previdência "pode comprometer" e "constranger" a capacidade de financiamento do banco. "Isso tem que ser visto no contexto. Individualmente, é uma preocupação", afirmou.

Levy comparou o redirecionamento à devolução de recursos do BNDES para o Tesouro Nacional. "Depende de saber se esses recursos cumpriram a sua finalidade, se o dinheiro não vai fazer falta para o banco", disse. Atualmente, os recursos do PIS/Pasep são inicialmente direcionados ao FAT e depois repassados como funding ao BNDES. Por isso, o redirecionamento para a Previdência precisa ser analisado em conjunto com o FAT, segundo ele.