Valor econômico, v. 20 , n. 4766, 06/06/2019. Legislação & Tributos, p. E1

 

Estudo mostra que poucas capitais regulamentaram a Lei Anticorrupção

 

 

 

Joice Bacelo

06/06/2019

 

 

 

Pouca coisa mudou nas capitais do país nos mais de cinco anos em que a Lei Anticorrupção está em vigor. Na maioria não há sequer regulamentação - o que pode ser feito por meio de decreto, ou seja, sem nem passar por um processo legislativo demorado. São Paulo, porém, destoa do mapa. É a única que tem uma base de dados expressiva de investigações e punições a empresas que praticaram atos contra a administração pública.

A cidade paulista responde por 34 dos 42 processos administrativos que foram instaurados até agora pelas capitais do país com base na Lei Anticorrupção. E se levar em conta somente os números relacionados às condenações, a distância aumenta: foram 22 decisões de um total de 23 no país - que representaram cerca de R$ 4 milhões em multas aplicadas.

Essas informações são parte de um estudo que mostra, de forma inédita, os efeitos da Lei Anticorrupção nas capitais. A Lei nº 12.846 surgiu como uma resposta rápida do Congresso aos protestos de junho de 2013. Prevê punição pela prática de atos como o pagamento de propina a funcionários públicos ou acordos de preço nos processos de licitação. Foi criada em agosto daquele ano e entrou em vigor em janeiro de 2014.

A situação nas capitais não é muito diferente do que a dos Estados. O número dos que regulamentaram a lei é maior - só oito não têm regulamentação, enquanto que entre as capitais esse número chega a 17 - e o de processos de investigação abertos também. Cerca de 300 empresas estão sendo processadas, com base na Lei Anticorrupção, pelos Estados. Mas só 24 foram condenadas e o valor de multas aplicadas soma cerca de R$ 8 milhões.

Uma das explicações para o baixo número de processos concluídos seria a dificuldade de se produzir prova na esfera administrativa, diz o advogado Luiz Francisco Mota Santiago, do escritório Tauil & Chequer e um dos autores da pesquisa. "Estamos falando de conduta que tem correlação com atos criminosos. Na esfera criminal, na Justiça, as autoridades têm acesso a um arcabouço muito maior de instrumentos do que é disponibilizado à esfera administrativa", explica.

Durante a coleta de informações para a pesquisa, a corregedoria de um dos Estados confidenciou ao advogado que abriu processo administrativo contra 27 empresas por fraude à licitação - em decorrência de um processo criminal -, mas que já se passaram quase dois anos e o caso permanece aberto justamente porque ainda não há provas suficientes para a condenação.

A partir dos dados que foram obtidos no estudo é possível perceber, segundo o advogado, que os casos resolvidos de forma mais rápida foram aqueles com produção de prova mais fácil.

 

 

De acordo com a pesquisa do escritório Tauil & Chequer, os processos levam, em média, 364 dias para serem encerrados nos Estados. O mais longo, até agora, demorou 1.155 dias, no Maranhão. O mais curto, só 26 dias, no Espírito Santo - o Estado errou e abriu processo contra uma empresa com nome semelhante ao da que efetivamente tinha se envolvido na conduta ilícita.

Já nas capitais, o prazo médio é de 362 dias. A cidade de São Paulo chegou a demorar 1.219 dias para concluir um deles - foi o mais demorado entre as capitais.

Mesmo diante de um cenário em que não há regulamentação da lei por todos os Estados e capitais e o número de processos concluídos e multas aplicadas não ser expressivo, para o advogado Michel Sancovski, sócio do escritório, tem de se reconhecer que houve um avanço no país. "Rompemos uma barreira desde a edição da lei. O Brasil de hoje é, sem dúvida alguma, diferente do Brasil de dez anos atrás", afirma.

Hoje existe a possibilidade de punição. As investigações, por Estados e municípios, envolvem empresas de diferentes setores. As de engenharia são alvo nas duas esferas. Respondem por 35% dos processos em andamento nos Estados e por 21% nas capitais.

Um efeito lógico, na visão de advogados, se considerado o contexto nacional no período de vigência da lei. A Lava-Jato, maior operação de combate à corrupção da história, foi deflagrada em março de 2014 e levantou uma série de ilícitos contra a administração pública que eram capitaneados por empresários da área.

Mas a lista de processo inclui ainda empresas do varejo (23% das processadas nos Estados e 10% nas capitais), prestadoras de serviço (9% nos Estados) e as do setor de cultura e arte (25% nas capitais) - muito visado pela capital paulista.

São Paulo encerrou, em abril, um processo de investigação sobre irregularidades na gestão da Fundação Theatro Municipal. Foram apurados desvios de verba e falha na prestação de serviços contratados entre 2013 e 2016. O município condenou 19 empresas e aplicou multas que somam mais de R$ 1,3 milhão. Três delas já pagaram as multas, em um valor total de R$ 46 mil.

"Aplicar a Lei Anticorrupção significa afastar a impunidade e valorizar a integridade na gestão, impondo as multas previstas e dando condições para a restituição aos cofres públicos de todo o dinheiro desviado", diz Gustavo Ungaro, controlador-geral do município. Ele acrescenta que os responsáveis pelos atos ilícitos não integram mais a administração pública e que já foram denunciados em processos criminais.

A Controladoria-Geral é o órgão responsável, na cidade de São Paulo, pela instauração do processo administrativo destinado a apurar a responsabilidade administrativa das empresas pela prática de atos contra a administração pública. Cada cidade e Estado tem competência para definir a quem caberá essa responsabilidade.

"Existe discussão sobre se a Lei Anticorrupção seria ou não autoaplicável porque ela tem muitas disposições que fornecem uma boa base para que os entes federados possam instaurar os seus processos", lembra o advogado Luiz Francisco Mota Santiago. "Mas entendemos que a regulamentação local é necessária para operacionalizar a lei", complementa.