Valor econômico, v.20, n.4816, 16/08/2019. Brasil, p. A6

 

Corte de verba norueguesa ameaça Fundo Amazônia 

Daniela Chiaretti 

Gabriel Vasconcelos 

16/08/2019

 

 

O governo da Noruega anunciou ontem a suspensão do repasse de recursos do Fundo Amazônia previsto para 2019, de 300 milhões de coroas norueguesas, o equivalente a R$ 134 milhões. O movimento foi interpretado por ambientalistas como pressão do governo norueguês sobre o destino do Fundo Amazônia, o mais importante mecanismo de proteção de florestas tropicais do mundo. A iniciativa coloca o fundo em risco.

Segundo um dos maiores jornais da Noruega, o "Aftenposten", o ministro Ola Elvestuen, do Clima e Meio Ambiente, disse que o Brasil rompeu o diálogo com a Noruega ao extinguir o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa) e o Comitê Técnico. "Eles não poderiam ter feito isso unilateralmente, sem consultar Noruega e Alemanha", disse, referindo-se aos dois doadores. A Noruega tem governo conservador liderado pela primeira-ministra Erna Solberg.

Na visão de Elvestuen "o Brasil extinguiu o fundo". Seguiu: "O que o Brasil fez mostra que não desejam mais parar o desmatamento".

Elvestuen se refere ao efeito do decreto 9.759, de abril, que extinguia colegiados da administração pública federal se os ministérios não apontassem, até 28 de junho, quais conselhos gostariam que permanecessem. Isso não aconteceu no caso dos dois conselhos do Fundo Amazônia, que estão há dois meses tecnicamente extintos.

Em entrevista ao Valor nesta semana, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, prometeu enviar nos próximos dias aos doadores a minuta do decreto que recria a governança do Fundo Amazônia. O Cofa se tornaria um conselho de reuniões semestrais. Um comitê gestor seria criado, com oito cadeiras e reuniões mensais. Salles não detalha quem ocuparia os postos do novo comitê. No Cofa, há um regime tripartite entre governo federal, dos Estados da Amazônia Legal e da sociedade civil.

O bloqueio de recursos de ontem se refere à primeira parcela das 600 milhões de coroas norueguesas prometidas para este ano. O aporte se refere aos resultados obtidos com o combate ao desmatamento da Amazônia no ano florestal que terminou em julho de 2018. Seria, portanto, um novo aporte de recursos ao fundo, que recebeu R$ 3,39 bilhões em dez anos. Os recursos são doações, não são empréstimos.

"O mais importante desse anúncio não é o dinheiro em si, mas o posicionamento da Noruega, associado à extinção do Cofa", destaca Adriana Ramos, coordenadora de políticas do Instituto Socioambiental (ISA), conselheira do Cofa por seis anos. "A Noruega usa suas prerrogativas contratuais, de quebra de contrato por parte do Brasil e diz 'deste jeito a gente não quer'."

Segundo Adriana, "é um sinal de que o governo norueguês não vai ser conivente com a não política do governo brasileiro para a Amazônia". O risco é a extinção do fundo. "Ele tem um tempo de vida que é a gestão dos recursos que ainda estão lá, para projetos de médio e longo prazos." Quando os recursos acabarem, o fundo acabará.

O presidente Jair Bolsonaro reagiu com o mesmo desdém com que tratou, nos últimos dias, os governos de duas maiores economias da Europa, a Alemanha e a França (ver a reportagem 'Noruega não é a que mata baleia?', reage Bolsonaro).

Segundo a GloboNews, o ministro Ricardo Salles disse que as regras do Fundo Amazônia estão em discussão e que "portanto tem que aguardar o resultado para poder ver se vai ter destinação". Salles falou ao fim da reunião com ministros de Meio Ambiente de países do Basic (grupo que reúne Brasil, Índia, China e África do Sul), ontem em São Paulo.

O Fundo Amazônia foi criado em 2008. Até hoje foram celebrados dois contratos entre o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o governo da Noruega, o que permitiu as 14 doações do país entre 2009 e 2018.

Nos últimos anos, os valores eram integralizados anualmente, funcionando como recompensa aos resultados de combate ao desmatamento do exercício imediatamente anterior.

A última parcela foi paga ao fundo pelo governo norueguês em 17 de dezembro de 2018, com Bolsonaro já eleito presidente, no valor de R$ 272,3 milhões. O montante equivale à compensação pela emissão de 14 milhões de toneladas de dióxido de carbono no exercício de 2017.

Desse valor, R$ 1,86 bilhão já foi empenhado para projetos ativos ou aprovados, do qual R$ 1,09 bilhão já foi efetivamente gasto. Resta, portanto, R$ 1,53 bilhão para projetos futuros, mas nenhum foi aprovado desde que começaram as divergências a cerca do formato de governança entre a gestão do ministro Ricardo Salles e os países doadores.

Uma fonte do Ministério do Meio Ambiente disse ao Valor que não há risco de a Noruega reivindicar valores doados, mas ainda não aplicados em projetos do Fundo Amazônia, algo estimado em R$ 1,53 bilhão. "Valores internalizados são brasileiros, não tem essa de pegarem de volta. Se queremos o entendimento [com os países doadores], é para que as doações continuem chegando no futuro", disse.

Fontes familiarizadas com o funcionamento do fundo, no entanto, afirmam não haver um "entendimento jurídico consolidado" de que a extinção do Cofa configuraria quebra de contrato e abriria precedente para a devolução de recursos ainda não desembolsados.