Valor econômico, v.19, n.4819, 21/08/2019. Política, p. A9

 

Bolsonaro escolhe nome de perfil técnico para o novo Coaf 

Fabio Murakawa

Estevão Taiar 

Juliano Basile 

Isadora Peron 

Marcelo Ribeiro 

Raphael Di Cunto 

21/08/2019

 

 

Liáo: técnico substitui Roberto Leonel, nome de confiança do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro

O presidente Jair Bolsonaro transferiu ontem para o Banco Central o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que passará a ser chamado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Para afastar os rumores de que a instituição pudesse sofrer ingerência política, o governo anunciou poucas horas depois de publicada a medida provisória que formalizava a mudança o nome do presidente da UIF, Ricardo Liáo.

De perfil técnico, o economista ocupava desde janeiro a Diretoria de Supervisão do Coaf. Segundo currículo divulgado pelo Banco Central, nesse último posto o carioca de 64 anos já vinha atuando nos processos de regulação, fiscalização e administrativo sancionador, em relação às pessoas supervisionadas pelo Coaf. Antes, ele foi secretário-executivo do Conselho, de abril de 2013 até janeiro de 2019, quando trabalhou nas áreas de supervisão, desenvolvimento institucional, gestão e tecnologia da informação.

Liáo também atuou como assessor, chefe adjunto e consultor do Departamento de Fiscalização do BC, onde se aposentou em 2013. Ele ainda chefiou o Departamento de Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros (1999/2005), o Departamento de Combate a Ilícitos Financeiros e de Supervisão de Câmbio e Capitais Internacionais (2005/2007) e também o Departamento de Prevenção a Ilícitos Financeiros e de Atendimento de Demandas de Informações do Sistema Financeiro (2007/2012).

Com a publicação da medida provisória no "Diário Oficial da União", o presidente Jair Bolsonaro tenta afastar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras do centro do debate político. Inicialmente, o Coaf havia sido retirado do Ministério da Economia e colocado sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Mas a iniciativa não passou pelo Congresso, que rejeitou a ideia de dar mais poderes ao ministro Sergio Moro, que quando juiz federal atuou em casos da Lava-Jato.

Logo pela manhã Bolsonaro ressaltou que caberia ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, definir o comandante da Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Questionado sobre uma eventual brecha aberta na MP, a qual viabiliza a indicação de pessoas em cargos comissionados que podem não ser funcionários concursados, o presidente afirmou que poderia reeditar a medida provisória para corrigir possíveis falhas, se necessário.

"Até o momento, indicações para o Coaf eram 100% políticas. Está diminuindo isso aí. Se tiver qualquer falha na MP, eu reedito", afirmou a jornalistas. "A proposta inicial do decreto teria um filtro por parte do Executivo para algumas pessoas, eu tirei fora, quando vi tirei fora. Vai ficar totalmente nas mãos do Roberto Campos Neto."

Liáo substitui Roberto Leonel. Nas últimas semanas, setores do governo pressionavam pela sua demissão, depois que ele fez críticas públicas em relação à decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que suspendeu o uso, sem autorização judicial prévia, de dados fornecidos pela UIF (então Coaf) em investigações. A decisão beneficiou o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.

A transferência do antigo Coaf para o BC foi uma ideia do ministro da Economia, Paulo Guedes, para estancar a crise institucional vivida pelo órgão.

"Tentei botar no Sergio Moro, o Parlamento mudou... Não posso fazer tudo o que eu quero", destacou o presidente. "Foi para o Paulo Guedes, quando foi para o Paulo Guedes eu falei: 'Você tem que colocar o diretor porque se der alguma coisa errada você vai pagar a conta'. Alguém desconfia do Paulo Guedes? Alguém desconfia do Moro? Do Campos Neto?", complementou.

O ministro da Justiça classificou como "infundados" eventuais receios em relação à MP, embora tenha lamentado não ter podido ficar com o Coaf na estrutura de sua pasta. "Há uma série de receios, a meu ver infundados, em relação a essa medida provisória. Nós tivemos a oportunidade de analisar a medida provisória. Há algumas pequenas mudanças, mas no fundo, a estrutura do Coaf permanece a mesma dentro do Banco Central. Inclusive com a expectativa da manutenção da ampliação... Expectativa não, a própria medida provisória faz uma referência da manutenção da estrutura de cargos que nós reforçamos aqui dentro do Ministério da Justiça", disse o ministro, destacando que algumas manifestações sobre o tema eram "um pouco equivocadas".

Ele considerou boa a formatação da UIF. Segundo o ministro, houve mudanças na estrutura, mas nada que vá comprometer a função do órgão de auxiliar no combate à lavagem de dinheiro. "Evidentemente pela transferência da estrutura, algumas modificações tiveram que ser realizadas, mas não existe nenhum receio de que o Coaf, agora com este novo nome - eu acho que o novo nome eu tenho algumas ressalvas, não sei se concordei tanto - mas ele vai continuar realizando o seu trabalho de prevenção, de inteligência em relação à prevenção da lavagem de dinheiro com independência e autonomia, embora agora vinculado ao Banco Central", disse.

Para ele, o órgão estará em boas mãos no BC. "Preferia que o Coaf estivesse aqui, não estando aqui, no entanto, tenho certeza de que ele está em boas mãos junto ao atual presidente do Banco Central, o senhor Roberto Campos [presidente do BC]."

Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que hoje se reunirá com líderes partidários e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele afirmou ter convidado o presidente do Banco Central, com quem acabara de conversar, para o encontro. Questionado sobre a MP, Maia classificou o texto como importante por estabelecer, em sua avaliação, a "independência necessária da política do Coaf". "Os ruídos das últimas semanas em relação à ação de membros da Receita que estavam trabalhando no Coaf eram perigosos para o governo. [Com a MP], estancou o risco de crise maior, onde Coaf de alguma forma poderia estar sendo usado de forma indevida", disse Maia.