O Estado de São Paulo, n. 45790, 01/03/2019. Política, p. A8
 
Áudios sugerem interesse do PCC em ataque a Bolsonaro
Fabio Serapião
01/03/2019
 
 
 Recorte capturadoGravações feitas pelo setor de inteligência da PF foram entregues ao Planalto; presidente nega ingerência de filhos na condução do governo

 

 

A Polícia Federal apresentou ao presidente Jair Bolsonaro áudios que mostram o possível interesse do Primeiro Comando da Capital (PCC) no atentado de que foi vítima, em setembro do ano passado, durante a campanha eleitoral.

As conversas foram captadas pelo setor de inteligência e sustentam uma das linhas de investigação de inquérito que apura se Adélio Bispo, autor da facada, agiu a mando de alguém.

Bolsonaro relatou ontem, durante café da manhã com alguns jornalistas no Palácio do Planalto, ter ouvido os áudios. Na ocasião, o presidente não mencionou ter recebido o material da Polícia Federal. O Estado não foi convidado para o encontro.

O Estado apurou que o presidente teve acesso ao material da PF em encontro no Planalto na segunda-feira. Estavam presentes na reunião o delegado federal responsável pelo caso, Rodrigo Morais, o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e o superintendente da PF em Minas Gerais, o delegado Cairo Costa Duarte.

Antes da reunião, Moro disse à imprensa que o presidente seria informado do andamento do inquérito, ainda sem conclusão. “O presidente é a vítima, então, é interessado. Então, será apresentado a ele o resultado da investigação até o momento”, disse o ministro da Justiça e Segurança Pública na ocasião.

Atualmente, o inquérito sobre o atentado está na fase final e a principal linha de investigação tenta esclarecer se o PCC teve participação no ataque. Um dos focos é saber se a facção criminosa financiou a defesa de Adélio no caso.

Filtro. Na conversa com jornalistas, ontem, Bolsonaro também fez comentários sobre as polêmicas envolvendo declarações de seus filhos nas redes sociais. O presidente afirmou que “os filhos não mandam no governo”, quando perguntado sobre o comportamento do vereador Carlos Bolsonaro, pivô de uma crise que culminou com a queda de Gustavo Bebianno da equipe de ministros. “Nenhum filho manda no governo, isso não existe”, disse o presidente, segundo o UOL. A declaração foi confirmada ao Estado pela Secretaria de Comunicação da Presidência.

Assim que o comentário do presidente foi divulgado, Carlos reagiu pelo Twitter. “Como vocês são baixos! Nenhum dos filhos mandam no governo mesmo e qualquer um que conversa com o presidente deve e tem de ser filtrado”, escreveu.

Bolsonaro comentou, ainda, sobre os desentendimentos que culminaram com a demissão de Bebianno. Ele lamentou o vazamento de conversas pelo WhatsApp entre os dois que culminaram com a demissão do ministro e ex-presidente do PSL, partido do presidente. Os áudios foram vazados pelo agora ex-ministro.

Filho

“Nenhum filho manda no governo, isso não existe.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA, EM CAFÉ DA MANHÃ COM JORNALISTAS NO PALÁCIO DO PLANALTO

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

Entrevista - Ilona Szabó: 'Moro disse que presidente não sustetava escolha na base'

João Gabriel de Lima

01/03/2019

 

 

Convidada por ministro da Justiça para integrar conselho, cientista política é exonerada após pressão nas redes sociais

‘Moro disse que presidente não sustentava escolha na base’

Ilona Szabó é cientista política e dirige o Instituto Igarapé, think tank de renome internacional em estudos sobre segurança pública. Na sexta-feira passada, ela foi convidada pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, para integrar, como suplente, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Em janeiro, Ilona e Moro participaram de um debate no Fórum Econômico Mundial, em Davos, e na ocasião identificaram várias convergências de ideias. Anteontem, Ilona foi a Brasília e fez uma apresentação de sua metodologia a Moro e ao secretário de Segurança Pública, Guilherme Theophilo. Ontem, as redes sociais amanheceram com protestos contra a indicação feita por Moro e a cientista política foi exonerada do Conselho.

Quem a convidou para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária?

Quem me convidou foi o ministro Sérgio Moro. Ele me mandou um e-mail no dia 22. Dizia que eu seria suplente num primeiro momento, mas que suplentes e titulares seriam ouvidos igualmente, e que esperaria a primeira oportunidade para me tornar titular.

Quando a sra. e o ministro Sérgio Moro começaram a conversar sobre segurança pública?

Estivemos numa mesa em Davos e descobrimos muitas convergências. Os três objetivos principais do ministro – a luta contra o crime organizado, combate ao crime violento e combate à corrupção – são também as três agendas principais do Instituto Igarapé, que dirijo. A agenda do ministro, como a nossa, é uma agenda técnica. Temos divergências, e disse isso a ele. Uma é a questão das armas. Não somos contra a posse, mas somos a favor de um maior controle no porte. Também discordamos na questão da legítima defesa. Num estado democrático de direito, o governo tem de ter o monopólio da força, mas o policial tem de cumprir a lei.

Como e quando a sra. soube que seria exonerada?

Soube hoje (ontem). Ontem (anteontem), estivemos com o ministro Sérgio Moro e sua equipe em Brasília. Ele havia feito esse convite já em Davos, mas ainda não havia concretizado por problemas de agenda. Foi uma conversa ótima. Dela participou o secretário de Segurança Pública, o general Guilherme Theophilo. Depois de um tempo, o ministro teve de sair para outra agenda e nós continuamos lá, com o general Theophilo e a equipe do ministro. A continuação da conversa foi igualmente produtiva.

O que mudou?

Hoje (ontem) começaram os comentários nas redes sociais. Foi a polêmica do dia. Colocaram a história na rede, e o Movimento Brasil Livre ajudou a reverberar. São grupos que precisam de inimigos, e por isso não estão comprometidos com o debate democrático. Mandei uma mensagem para a chefe de gabinete. O ministro Sérgio Moro me ligou de volta. Dado o clima, eu sabia que o risco existia. O ministro me pediu desculpas. Disse que ele lamentava, mas estava sendo pressionado, porque o presidente Bolsonaro não sustentava a escolha na base dele.

A sra. vê paralelo entre seu caso e o de Mozart Araújo, outro nome técnico, que foi desconvidado do Ministério da Educação?

Vejo total paralelo. Ficou muito claro nos dois episódios que o presidente Bolsonaro ainda não se elevou à altura do cargo que ocupa. Um presidente tem de construir diálogos e consensos.