O globo, n. 31320, 08/05/2019. País, p. 6

 

Armas de fogo mais perto das ruas

Renata Mariz

Gustavo Maia

Jussara Soares

08/05/2019

 

 

Decreto de Bolsonaro atinge público maior do que caçadores, atiradores e colecionadores

O presidente Jair Bolsonaro deu ontem seu mais amplo passo no sentido da liberação de armas de fogo no Brasil. Um decreto assinado em cerimônia no Palácio do Planalto atende a antigas demandas dos grupos armamentistas, como donos de propriedades rurais e categorias que pleiteiam porte de arma para defesa pessoal.

Anunciado inicialmente como uma medida voltada apenas aos chamados CACs (como são conhecidos os colecionadores, atiradores e caçadores), as medidas atingem um público bem maior. A Presidência não divulgou o texto do decreto, que deverá ser publicado hoje no Diário Oficial. Informações repassadas à imprensa pela Casa Civil apontam que as novas regras vão ampliar de forma significativa o acesso ao porte de arma de fogo, que dá permissão para circular livremente com o equipamento.

O decreto vai considerar como presumida a “efetiva necessidade” imposta pelo Estatuto do Desarmamento a determinadas categorias para que tenham direito ao porte de arma. Nessa lista, estão desde agentes de segurança a “integrantes das entidades de desporto” cujas atividades “demandem uso de armas de fogo”. A medida atende, na prática, os atiradores desportivos, que têm como principal pleito poder andar armados.

Além disso, uma das medidas do decreto será permitir que donos de áreas rurais com posse de arma (que dá direito a tê-la em casa) possam usá-la em toda a extensão da propriedade, e não apenas dentro da residência.

O decreto foi assinado por Bolsonaro diante de uma plateia cheia de políticos, sobretudo ligados à bancada da bala, e CACs. Com o gesto, o presidente atende parcelas significativas de seu eleitorado mais fiel.

— Fomos no limite da lei, não inventamos nada e nem passamos por cima da lei. O que a lei abriu possibilidade fomos no limite —afirmou.

Embora tenha reconhecido que o decreto não é uma medida de segurança pública, o presidente disse que vai “botar um freio” nos homicídios com a medida:

—Quem tiver solução para resolver problema da segurança, pode apresentar agora. Estou fazendo a minha parte. Todas as políticas desarmamentistas, que começaram lá atrás, com FH, o resultado foi a explosão no número de homicídios e mortes por arma de fogo. Com toda certeza, dessa maneira nós vamos botar um freio nisso.

Importação liberada

O texto vai ainda liberara importação de armas e munições. Hoje, issoéved ad ocaso haja similar na indústria nacional. Segundo Bolsonaro, também serão discutidas com a equipe econômica as novas taxas para compra dos produtos do exterior com o objetivo de“não prejudicara empresa interna do Brasil”, numa referência à Taurus, que tem o monopólio no país.

O decreto também aumenta o número do de munições que poderão ser compradas por quem tem posse e porte de arma. Hoje, há uma limitação de 50 cartuchos por arma, cujo do notem aposse, por ano. Segundo as regras divulgadas pelo governo, esse teto passará para 5 mil munições, no caso de arma de uso permitido, e mil para cada arma de uso restrito, anualmente.

O registro dos CACs vai subir de três para dez anos. Além disso, haverá regulamentação sobre o transporte de arma municiada por atiradores do local de guarda ao local de treino ou competição. Esse transporte já é permitido desde 2017, quando o Exército, que regula os CACs, criou o chamado porte de trânsito, liberando que uma arma do atirador esteja carregada durante o deslocamento para sua satividades. Coma regulamentação anunciada, essa permissão deve ser flexibilizada.

As novas regras

Ampliação de porte de arma

Será considerada presumida a “efetiva necessidade” do porte de arma de fogo a um rol amplo de categorias listadas no Estatuto do Desarmamento, incluindo “integrantes das entidades de desporto” que exercem atividades com uso de arma de fogo, como os atiradores.

Porte rural

Donos de áreas rurais passam a poder usar a arma em toda a extensão da propriedade, e não apenas dentro da casa.

Importação

Libera a importação de armas e munições mesmo quando há produtos similares no mercado, o que antes era vedado no país.

Quantidade de munições

Quem tem posse e porte de arma poderá comprar até 5.000 munições por ano por arma de uso permitido e 1.000 para cada arma de uso restrito. Hoje, há um teto de 50 munições anuais.

Transporte de arma municiada

Será regulamentado o porte de trânsito, com especificações sobre trajeto em que atiradores poderão portar arma carregada.

Validade de registro de CACs

Passa de três para dez anos a validade do registro.

Porte para praças

Dá direito de porte de armas a praças das Forças Armadas a partir do décimo ano de atividade, quando há estabilidade.

Comércio ampliado

“Permissão expressa” para venda de armas em estabelecimentos credenciados pelo Exército.

Segurança pública sem limite

Acaba com limite de armas e munições que instituições de segurança pública poderão adquirir. Hoje, isso é regulado pelo Exército.

Munições apreendidas

Munições apreendidas podem ficar com as polícias de forma desburocratizada.

“Fomos no limite da lei, não inventamos nada e nem passamos por cima da lei. O que a lei abriu possibilidade fomos no limite”

Jair Bolsonaro, presidente da República

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Uso esportivo em clubes pode ocultar intenção de porte

Guilherme Caetano

Tiago Aguiar

08/05/2019

 

 

Especialistas alertam para riscos de pessoas usarem rótulo de atirador para circularem armadas, elevando situações de conflito

Aassinatura do decreto presidencial que altera as regras para uso de armas provocou forte reação entre especialistas do setor. Em comum, a avaliação é que a decisão do governo de permitir uma maior circulação de armamentos possa potencializar o número de conflitos a tiros no país.

Em nota, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública informou que a iniciativa do governo é “claramente uma tentativa de driblar o Estatuto do Desarmamento”.

“O Fórum Brasileiro de Segurança Pública vê com bastante preocupação a assinatura do decreto presidencial para facilitar o acesso a armas de fogo e munições a caçadores, atiradores e colecionadores (CAC). A medida ignora estudos e evidências que demonstram a ineficiência de se armar civis para tentar coibir a violência em todos os níveis”, diz a entidade, que reforça: “Além de contrariar a legislação atual, o decreto carece de uma análise do Congresso Nacional, e parece ter sido feito sob medida para agradar a alguns eleitores do atual presidente da República, que dá sinais claros de realmente acreditar que Segurança Pública começa dentro de casa”.

José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, avalia o risco de pessoas usarem o título de frequentadores de clube de tiros para reforçar o armamento em casa.

— A quantidade de pessoas que estão utilizando esse rótulo de atirador, que é uma função esportiva, para se armar e portar armas carregadas vai aumentar com a permissão do decreto presidencial. Isso vai ampliar muito o risco, até para as pessoas armadas —disse.

O ex-secretário faz ainda um alerta:

—Hoje temos entre caçadores, atiradores esportivos e colecionadores (conhecidos pela sigla CAC) quase 400 mil armas. É um estoque que será alvo do interesse de criminosos. Em vez de facilitar a segurança, eu tenho certeza que vai dificultar.

— Ainda que a regulamentação especifique que (o uso) seja somente num trajeto, temos inúmeros casos de pessoas que passam o dia com arma na cintura —diz o diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques.

Segundo ele, há casos de armas furtadas, roubadas, pessoas se envolvendo em desentendimentos.

—É muito grave 255 mil pessoas com porte do dia para noite —diz Marques.