Valor econômico, v.19, n.4680, 31/01/2018. Empresas, p. B4

 

Minas vive as angústias de suas barragens 

Daniela Chiaretti 

Rodrigo Rocha 

Marcos de Moura e Souza 

31/01/2019

 

 

A preocupação em Minas Gerais com tragédias causadas pela ruptura de barragens vai além dos desastres de Mariana, em novembro de 2015, e a de Brumadinho, na sexta-feira. Um levantamento feito pelo Valor com ambientalistas e autoridades lista sete conjuntos de barragens no Estado que são motivo de angústia pela proximidade com cidades e fontes de abastecimento de água, foram abandonadas pelos proprietários ou possuem rejeitos considerados perigosos. A maioria tem alto potencial de provocar dano social, ambiental e econômico segundo a classificação da Agência Nacional de Mineração (ANM).

Minas Gerais tem 132 barragens com rejeitos de mineração que, se romperem, causariam danos potencialmente "altos", no jargão técnico da ANM. O cenário causa inquietação na população que vive próxima a barragens, algumas muito mais altas ou com volume de rejeitos muito superior ao de Brumadinho e Mariana.

"A tese que defendo é que todas as barragens desse modelo (referindo-se ao adotado na barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana, e o da barragem I, da mina de Feijão, em Brumadinho) oferecem risco em potencial, pelas próprias características", diz o deputado estadual de Minas Gerais João Vítor Xavier, que pediu afastamento do PSDB. Ele se refere à tecnologia de barragens a montante, ou seja, construídas com resíduos e lama, como as de Fundão e Brumadinho. As mais modernas usam material a seco e compactado em pilhas.

"É um equívoco tentar estimar quantas barragens correm risco de rompimento. Todas têm algum nível de risco. Estão expostas à passagem do tempo, intempéries e falhas humanas", segue Xavier. Ele lembra que tanto a barragem de Fundão como a da Mina do Feijão devastaram zonas rurais. "Estamos impressionados com o fato de o refeitório e a área administrativa estarem abaixo da barragem da Vale, mas é preciso lembrar que a empresa e outras mineradoras têm barragens em cima de cidades".

Um dos empreendimentos que mais assusta moradores próximos e ambientalistas são as operações da mineradora de ouro Kinross, em Paracatu. Trata-se de um complexo com seis barragens. Uma delas, a de Santo Antônio, tem 104 metros de altura e 400 milhões de m3 de rejeitos contendo arsênio e cianeto. É considerada de alto potencial de dano pela ANM pela proximidade com o centro urbano. Em Paracatu vivem mais de 80 mil pessoas.

"É uma das mais perigosas. Se ocorre um rompimento, acaba com o rio São Francisco", diz um especialista em mineração que prefere não se identificar. "É quase 50 vezes maior que a barragem de Brumadinho".

A Kinross é dona de duas das maiores barragens de rejeitos de minério do país - Santo Antônio e Eustáquio. A primeira, construída em 1986, segundo a empresa, está sem receber material desde 2015. Contudo, continua em operação para reprocessar rejeito e armazenamento de água para uso no processo industrial. Algumas áreas, sem uso, já foram reabilitadas.

Atualmente, o material do beneficiamento de minério da mina Morro do Ouro vai para a barragem de Eustáquio, que tem capacidade de 750 milhões de metros cúbicos, com 20% deste total já utilizado. Já a capacidade de Santo Antônio é de 483 milhões de metros cúbicos (399 milhões utilizados).

A empresa nega que as duas barragens ameacem a população de Paracatu, garantindo que não estão voltadas para a cidade. Em nota, afirma que seu método construtivo é o de alteamento a jusante - diferente do que eram Fundão (Mariana) e Feijão (em Brumadinho), de modelo a montante.

A Kinross refuta a ideia de que os sedimentos do rejeito das duas barragens sejam perigosos. Diz que são de "classe 2 não perigoso", conforme a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Informa que possui uma planta específica para tratamento de cianeto (usado na separação do ouro) e os resíduos desse processo não são depositados nas duas barragens.

Segundo a empresa, são realizados monitoramentos diários e inspeções periódicas para atestar a segurança dos tanques. "Todo o processo de mineração no Morro do Ouro é controlado e monitorado, e está em conformidade com a lei", diz no comunicado. Informa, ainda, que são feitas auditorias semestrais por empresas especialistas independentes de renome internacional, além de diversos controles realizados por equipes especializadas próprias.

Ambas as barragens da Kinross têm vida útil prevista até 2032, entrando depois em processo de fechamento.

Todas as barragens têm algum nível de risco. Estão expostas à passagem do tempo e falhas humanas

A população que vive em cidades onde a mineração é peça fundamental da economia local tem oscilado entre o medo de novos desastres como o de Mariana e o de Brumadinho, e o silêncio pelo receio de perder emprego e fonte de renda. "Isso é algo muito forte. Quando as mineradoras têm interesse em algum lugar, começam conversando com os vereadores, dizendo que trarão muita receita de tributos, que vão gerar muito emprego", diz a ambientalista Maria Teresa Corujo, conselheira da Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). "Vendem o projeto de salvação da Pátria para o município. E a partir daí, começam a jogar com esta história.".

Depois do desastre de Brumadinho, é evidente que a proximidade de barragens com centros urbanos preocupe os moradores.

"Congonhas é um alerta que tenho feito. É uma barragem dentro da cidade. Se estoura coloca em risco dez mil pessoas. É uma barragem antiga. Das maiores do Estado e do país", alerta o deputado João Vítor Xavier.

A cidade fica abaixo de uma grande barragem de rejeito da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Um dos bairros de Congonhas, o Residencial, fica a poucos metros da barragem da mina de Casa de Pedra. Um grande paredão gramado é o que se vê das ruas e dos quintais. "Terça-feira à noite teve uma reunião no bairro com mais de 3 mil pessoas. Todos estão assustados e revoltados, eu não consegui nem falar", conta o prefeito José de Freitas Cordeiro (PSDB). Segundo ele, a tragédia em Brumadinho trouxe pânico a algumas famílias de que a estrutura da CSN também venha a ruir. "Essa barragem foi autorizada há uns 15 anos e é um absurdo, fica na área urbana", continua.

A barragem da CSN foi construída a jusante e não a montante, como as que desmoronaram em Mariana e Brumadinho. "É mais moderno. E a prefeitura contrata consultores para fazer monitoramento próprio porque não podemos contar só com os órgãos federais.". Segundo ele, a empresa já tem iniciativas para armazenar rejeito a seco e não mais no lago de lama que motiva os pesadelos em Congonhas. Uma nota no site da prefeitura diz que a CSN anunciou a compra de equipamentos na Itália para a disposição dos rejeitos a seco por empilhamento. Diz também que a mineradora anunciou trabalhar para que 100% da produção da mina passe a usar o sistema mais moderno.

O clima em Congonhas é de inquietação. Tanto em Mariana quanto em Brumadinho, as empresas Samarco e Vale disseram que não havia nenhum dado anterior que pudesse apontar risco de desmoronamento. "Aqui também dizem que está estável", diz o prefeito. A pergunta é: quem na cidade acredita nisso?".

Procurada pela reportagem, a CSN informou que não comenta o assunto.

Um outro caso que causa angústia em Minas Gerais é o das chamadas "barragens-órfãs" pelos especialistas. São as que foram abandonadas pelos donos porque a empresa faliu, por exemplo. O passivo, nestes casos, é assumido pelo poder público.

É o caso de duas barragens da empresa Mundo Mineração, as únicas classificadas pela ANM como de alta categoria de risco (aspectos da própria barragem que possam ter influência em um acidente) e alto dano potencial associado (o impacto que um acidente causa nas populações e infraestrutura do entorno). Ambas estão no município de Rio Acima e guardam resíduos considerados tóxicos e empregados na mineração de ouro, como cianeto e arsênio.

As barragens da Mina do Engenho, que eram da Mundo Mineração, ficam a poucos quilômetros do reservatório de Bela Fama, responsável pelo abastecimento de mais de 60% de água da Grande Belo Horizonte. "A barragem está lá, abandonada, a sete quilômetros de Bela Fama. Se algo acontecer, em menos de cinco minutos perde-se a captação de água da região", diz um especialista que prefere não se identificar.

A Mundo Mineração era uma subsidiária da companhia da Austrália chamada Mundo Minerals, listada na bolsa daquele país e com operações de exploração de ouro no Brasil e no Peru. Em outubro de 2011, a companhia anunciou o fechamento da mina de Engenho devido a uma queda no volume extraído. A empresa também atribuiu o fechamento à demora na demarcação de um parque nacional que poderia afetar uma nova mina da empresa na região.

População que vive nas cidades da mineração oscila entre o medo de novos desastres e a perda de empregos

Embora tenha entrado em recuperação judicial no Brasil, continuou a existir fora daqui. Desde 2011, mudou de nome duas vezes, para Minera Gold, em 2012, e para Titan Minerals, em 2017. Hoje a Titan segue listada na ASX e, segundo seu site, explora minas de ouro em localidades do Peru. A reportagem enviou, por e-mail, um questionamento sobre as razões do abandono das barragens e não obteve resposta até o fechamento desta edição.

"Preocupa pelo fato de ter ficado abandonada e poder extravasar o material que está ali dentro", alerta Maria Teresa Corujo.

Outro fator de angústia é o movimento das mineradoras de ampliar a capacidade de armazenamento das barragens, com pedidos de alteamento. Um dos casos, por exemplo, é o da mineradora Anglo American, com minas de ferro em Conceição de Mato Dentro, pequena cidade com cerca de 20 mil habitantes.

Procurada pela reportagem, a empresa enviou nota informando que "a barragem de rejeitos em Conceição do Mato Dentro, foi construída com aterro compactado e seu alteamento está sendo feito pelo método a jusante, considerado mais seguro e conservador". O comunicado diz ainda que a gestão de segurança da barragem "inclui inspeções diárias, leitura semanal dos instrumentos e inspeções geotécnicas com frequência mínima quinzenal, além de revisões trimestrais realizadas por empresas independentes."

Outro fantasma que assombra ambientalistas, pesquisadores e procuradores do Ministério Público é um projeto antigo - o da exploração da primeira mina de urânio do Brasil. Foi mais de uma década de extração de urânio pela estatal Indústria Nuclear do Brasil em Caldas, Minas Gerais. Em 1995, a operação foi paralisada. Desde então, a instalação guarda rejeitos potencialmente perigosos.

A fiscalização das áreas com radiação é responsabilidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear, a CNEN. Em 2017, a comissão identificou irregularidades na proteção do armazenamento.

Em comunicado, a estatal rejeita a ideia que as instalações oferecessem risco. A INB informou que contratou a consultoria da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) para avaliação da análise de dados da barragem de rejeitos, inclusive sobre sua estabilidade.

Em 2018, a CNEN identificou "evento não usual, relativo ao sistema extravasor da barragem de rejeitos". O órgão solicitou à INB a "apresentação de garantia da estabilidade e segurança da barragem". A CNEN diz que "as ações decorrentes da avaliação realizada pela INB" estão em curso.

O deputado Xavier lembra a dificuldade de órgãos ambientais, que estão enfraquecidos. "Foram absolutamente esvaziados. Passam por processo predatório nos últimos anos", segue. Ele diz que ali trabalham profissionais qualificados, mas pouco remunerados e que vivem sob pressão. "O mercado vai lá e contrata as pessoas por salários muito melhores.".

Ele comenta o debate atual sobre o licenciamento ambiental. "Há muito rigor com os pequenos e pouco com os grandes."

Sobre as barragens de minério da Vale em Nova Lima e Itabira, que concentram grande volume de rejeitos em áreas populosas, a empresa comunicou não ter informações específicas e que realiza monitoramentos quinzenais conforme indicado pela Política Nacional de Segurança de Barragens. (Colaboraram Ivo Ribeiro, Fernando Torres e Vanessa Adachi)