Valor econômico, v.19, n.4651, 17/12/2018. Especial, p. A12

 

Os fundamentos da era Toffoli no Supremo Tribunal Federal 

Igor Mello 

Juliana Castro 

17/12/2018

 

 

O presidente do Supremo, Dias Toffoli: “Seremos zagueiros daquilo que foi estabelecido pela Constituição como cláusula pétrea”

O ministro Dias Toffolli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) desde setembro, deu as diretrizes que vão nortear sua gestão à frente da mais alta corte do país nos próximos dois anos. O Judiciário, segundo ele, terá três funções fundamentais: deixar a política retomar o protagonismo na definição de políticas públicas; garantir segurança jurídica e previsibilidade para a recuperação da economia; e rechaçar ataques aos direitos fundamentais e às minorias.

O presidente do STF participou na última sexta-feira do encontro "E Agora, Brasil?", promovido pelo "Globo", com patrocínio da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e apoio do Banco Modal. Ele foi entrevistado por colunistas e editores do jornal, em debate mediado por Lauro Jardim e Míriam Leitão.

Toffoli destacou que, desde a fundação, o papel principal do STF é o de ser "um grande moderador" de questões da sociedade, da federação e de conflito entre os poderes. Para ele, a transição para os mandatos de um novo presidente e um novo Congresso exige que a Justiça volte a essas origens.

"É o momento de o Judiciário voltar a cuidar da sua função tradicional, que é cuidar do passado. E a política conduzir o futuro e o presente. O Executivo, com a gestão das políticas públicas cuidando do presente; e o Legislativo, na formulação de leis, do futuro", afirmou.

O presidente do STF defendeu que o tribunal tenha um papel menos ativo na definição de políticas públicas, atitude que foi alvo de críticas de setores da classe política e da sociedade nos últimos anos. No entanto, garantiu que a Corte não irá se omitir diante de ameaças a direitos fundamentais e defesa das minorias.

Perguntado sobre possíveis retrocessos em direitos de minorias no futuro governo, o ministro garantiu que o STF não vai "deixar no desamparo" os grupos minoritários.

"Ao sermos provocados, nós vamos defender esses direitos. Mas é evidente que não somos nós que vamos lá demarcar a terra indígena, isso não cabe ao Judiciário", exemplificou o ministro. "Seremos zagueiros daquilo que foi estabelecido pela Constituição como cláusula pétrea, ou daquilo na legislação infraconstitucional venha a afrontar direitos garantidos na Constituição, como a liberdade de imprensa e a defesa das minorias", afirmou Toffoli.

O presidente do STF ainda defendeu a realização de um pacto republicano - que uniria os presidentes da Câmara, do Senado, do STF e o presidente eleito Jair Bolsonaro - em torno de três prioridades: a reforma da Previdência; uma reforma fiscal, tributária e federativa; e a segurança pública. A ideia, segundo ele, é promover encontros periódicos com essas autoridades para manter diálogo entre os poderes.

"Nossa disposição é que além do pacto republicano estabeleçamos uma rotina de encontros entre os chefes dos três poderes pelo menos uma vez por mês", disse o presidente do STF.

Ao decidir a pauta do Supremo, Toffoli afirmou que irá evitar julgamentos polêmicos em questões tributárias, que podem ter grande impacto econômico.

"Vamos evitar questões que possam ter impacto maior na economia, porque é momento de o país distensionar um pouco e deixar alguns problemas polêmicos mais para frente."

A segurança jurídica e a previsibilidade nas decisões dos magistrados foram dois pontos destacados pelo ministro. Para Toffoli, o Judiciário "não pode tudo" e precisa "ter coerência nas suas decisões". Para ter previsibilidade, destaca, é preciso ter prudência. " Juiz não pode ter desejo. Tem que ser eunuco. O desafio do Judiciário é manter a segurança jurídica, que é relevante para que haja investimentos no país."

Embora tenha destacado que não é "um especialista" no tema da segurança pública, o presidente do STF fez um discurso veemente em defesa de novas políticas públicas na área. Ele elogiou a redução de índices de homicídios em São Paulo nas últimas décadas e defendeu a destinação de mais recursos para o combate à violência.

"Para resolver o problema vai ser muito recurso público inicialmente. Se a nação brasileira não se dispuser a colocar dinheiro no combate à criminalidade, como fez São Paulo, nós não vamos combater", afirmou.

O ministro se declarou a favor da adoção de medidas excepcionais na execução de penas de lideranças das facções criminosas, como a suspensão do sigilo das conversas com advogados. Ele ressalvou que tais medidas precisam ter a supervisão do Judiciário. Toffoli disse que muitos advogados, na prática, atuam como "aviões", levando ordens para fora dos presídios.

"Sobre o parlatório [local para conversas reservadas entre o preso e o advogado], as maiores democracias do Norte permitem em situações excepcionais a gravação. Mas não é todo e qualquer condenado, é aquele que foi condenado por organização de narcotráfico ou mafiosa, e supervisionado pelo Judiciário.

Ainda de acordo com o presidente do STF, esse tema já está sendo abordado com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que é contrária à medida.

"Há líderes de crime organizado que têm 30 a 40 advogados. Temos que disciplinar as questões excepcionais. Em questões excepcionais temos que ter medidas excepcionais", afirmou.

O colunista do "Globo" Ancelmo Gois perguntou ao ministro Dias Toffoli sobre as hostilidades contra ministros do STF por conta de julgamentos de questões polêmicas. Citando discussões sobre questões identitárias e de minorias, Ancelmo Gois lembrou a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) de que era possível fechar o tribunal "com um cabo e um soldado".

Sem fazer referência direta ao filho do presidente eleito Jair Bolsonaro, Dias Toffoli fez uma longa reflexão sobre o impacto da globalização na economia e o efeito das redes sociais nas discussões políticas, citando o filósofo polonês Zygmunt Bauman e os protestos dos coletes amarelos na França.

De acordo com o presidente do STF, os movimentos nacionalistas nas democracias ocidentais devem ser analisados nesse contexto. O discurso, que encerrou o encontro "E Agora, Brasil?", terminou em tom de alerta: " Nessa configuração as hierarquias se rompem. Minha resposta é que ninguém está seguro".