Valor econômico, v.19, n.4651, 17/12/2018. Brasil, p. A7

 

Crise de segurança desafia Ceará em 2019

Marina Falcão 

17/12/2018

 

 

O ano começou tragicamente no Ceará, quando um grupo armado invadiu uma danceteria na periferia de Fortaleza e matou 14 pessoas, na chamada "Chacina do Forró do Gago". Às vésperas do encerramento do ano, a extrema violência no Estado voltou a chocar. Na primeira semana de dezembro, 14 pessoas morreram - cinco da mesma família - numa tentativa de roubo a duas agências bancárias na pequena Milagres (CE).

Os episódios mostram que, apesar de mostrar números um pouco melhores em relação ao 'boom' de violência que se viu no ano passado, a crise da segurança pública continua a desafiar o Ceará, Estado brasileiro que mais investe proporcionalmente - mais de 12% da receita corrente líquida - e tem um dos mais saudáveis quadros fiscais do país.

O Ceará deve encerrar este ano com uma redução em torno de 10% no número de mortes violentas, sinalizam os dados até novembro da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social. O desempenho, no entanto, ocorre sob uma base de comparação favorável. No ano passado, o Ceará contabilizou 5.134 homicídios, recorde no Estado. "É complicado falar em queda quando se compara a 2017, um ano de recorde. Se já ultrapassou 4 mil mortes, o patamar ainda está muito alto", afirma o Luis Fábio Paiva, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Em grande medida, os números refletem a ação conflituosa de grupos criminosos próprios do Estado, como a Guardiões do Estado (GDE), e de fora, como a Família do Norte (FDN), do Amazonas, o PCC, de São Paulo e o Comando Vermelho, do Rio.

Para o especialista, que estuda a violência nas comunidades de Fortaleza desde 2005, a redução das mortes está mais associada à "reacomodação de forças dos grupos criminosos", que têm dinâmica interna própria, do que a qualquer tipo de ação do Estado. "As organizações se adaptam bem a policiamento ostensivo, que atua como reativo, em geral. Sempre encontra lacunas no sistema, inclusive por meio de corrupção policial", diz.

Se confirmada a queda de 10% nos homicídios neste ano, o Estado terá superado a meta de redução anual de 7% das mortes violentas, diz André Costa, secretário de segurança e defesa social do Ceará. "O cenário de tensão com facções continua, mas que o Estado tomou algumas decisões que estão surtindo efeito", diz.

Ele cita como exemplo a reestruturação salarial do policiais militares que terá impacto de quase R$ 390 milhões no orçamento do Estado este ano. Considerando o recente aumento dos policiais civis e da perícia forense, a conta aumenta mais R$ 62 milhões.

Houve ainda investimento na compra de dois helicópteros, no valor de R$ 80 milhões, mais R$ 65 milhões em viaturas, R$ 29 milhões em motocicletas e outros R$ 7,5 milhões em armamento nos últimos três anos. "Pela primeira vez na história do Estado, os policiais podem levar as armas para casa e estar protegidos e prontos para agir no percurso para casa".

Do quadro de 20.886 policiais militares, cerca de 25% foi contratado de 2015 para cá. Na Polícia Civil, mais de um terço do efetivo de 3.697 assumiu nesse período.

Juntamente com o aumento do efetivo das polícias veio a explosão da população carcerária, que nos últimos quatro anos cresceu mais de 38%, para 29.508 presos. Foram mais de 8 mil novos presos no sistema penitenciário e apenas 3 mil novas vagas criadas desde 2015.

Apesar dos investimentos, o secretário reconhece que há fragilidades no combate ao crime organizado. Ele cita a falta de integração de dados dos institutos de identificação, que permite, por exemplo, que um criminoso consiga sair de um Estado para outro usando certidão falsa e, com isso, tirar uma nova identidade.

Em parceria com as universidades, o governo está estruturando dados e criando um ambiente em big data com ferramentas para processá-los e fazer cruzamentos a partir de algoritmos. Um sistema de inteligência artificial já está analisando 2.500 câmeras da União, Estado e municípios instaladas no Ceará. Até 2016, a polícia só tinha acesso a 164 câmeras.

Poucas horas depois da tragédia em Milagres, ainda sob clima de comoção, os governadores do Ceará, Maranhão e Piauí e o ministro Raul Jungmann (Segurança) inauguraram o Centro Integrado de Inteligência de Segurança Pública Regional. O equipamento foi estruturado pelo governo do Estado, que cedeu um prédio, enquanto o Ministério da Segurança Pública pagará o custeio de pessoal e soluções de tecnologia.

O grande salto tecnológico, no entanto, poderá ser dado com a implantação do Laboratório Integrado de Segurança Pública (LISP), que contará com investimento de R$ 100 milhões da União e será instalado no Ceará.

A previsão é de que o LISP comece a funcionar em 2020, desenvolvendo ferramentas de combate ao crime organizado. O projeto, anunciado no governo Michel Temer, deve ser mantido mesmo com a mudança de governo. O laboratório contará com 220 estações de trabalho para pesquisadores.

Das 14 pessoas mortas em Milagres, oito eram suspeitas. Seis eram reféns, dos quais cinco de uma mesma família de pernambucanos da cidade de Serra Talhada. Até agora oito pessoas foram presas suspeitas de participar do crime e 12 policiais foram afastados para as investigações, que serão feitas por uma comissão composta por 40 pessoas.