Valor econômico, v.19, n.4653, 19/12/2018. Brasil, p. A5

 

'Raposa' tem 90 pedidos de pesquisa mineral 

Marcos de Moura e Souza 

19/12/2018

 

 

A intenção do futuro governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), de abrir portas para a mineração na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, levanta algumas questões sobre quem teria o direito de explorar o subsolo da região.

Dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) mostram que há mais de 90 requerimentos de pesquisa mineral na área demarcada da Raposa Serra do Sol. São empresas e pessoas físicas que pedem autorização para pesquisar a ocorrência e a viabilidade de minerais variados.

Muitos desses requerimentos foram feitos nos anos 80, antes da Constituição de 1988, que autoriza a mineração em terras indígenas, mas exige que comunidades e o Congresso Nacional sejam ouvidos. É preciso também a regulamentação de lei para que a mineração seja de fato permitida. Como isso nunca ocorreu, não há nenhum tipo de atividade mineratória nas terras indígenas brasileiras. No entanto, em várias dessas áreas demarcadas há requerimentos de pesquisa mineral.

Bolsonaro afirmou nesta semana que os índios poderiam receber royalties pela mineração em suas terras. Sua equipe tem chamado a atenção para as riquezas no subsolo de Raposa. Pelos dados do Sistema de Informações Geográficas da Mineração (Sigmine), da agência, os requerimentos de pesquisa se referem a ouro, platina, diamante, cobre, níquel, zinco, manganês e nióbio. Há também requerimentos para titânio, salgema, arsênio, calcário e rutilo. E há ainda pedidos de pesquisa para minerais menos conhecidos, como columbita, scheelita e wolframita.

Diversos processos minerais datam de 1980 a 1987. Um número menor é do início dos anos 2000. O Sigmine aponta que todos estão em fase de requerimento de pesquisa; uma parte desses processos minerais foi encaminhada à Fundação Nacional do Índio (Funai).

Entre os requerentes que aparecem no Sigmine, estão a Mineração Florália, Serra Morena, Cabixis, Saga, ADH. Esses requerentes teriam direito à pesquisa caso o governo Bolsonaro decida levar adiante sua intenção de permitir mineradoras na Raposa? Quem apresentou seus requerimentos antes da Constituição teria mais direitos do que os outros? Esses requerimentos seriam ignorados? Essas e outras questões deverão ser enfrentadas pelo modelo de abertura que o futuro governo parece estar esboçando.

Um dos argumentos frequentes dos defensores da abertura da mineração em áreas indígena é de que a medida permitiria ao Estado brasileiro ter mais controle sobre o que é extraído do subsolo. E que hoje essas áreas e as populações indígenas ficam vulneráveis à atividade de garimpeiros. Um estudo elaborado pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg) identificou 2.312 pontos de garimpo ilegal em regiões da Amazônia na Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. O estudo aponta 37 garimpos ilegais em terra indígenas, sendo 18 deles no Brasil.

O argumento contrário à atividade mineratória nas TIs leva em conta os impactos que uma atividade de escala industrial nessas áreas acarretaria para as aldeias.

Entre geólogos do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral - transformado em Agência Nacional de Mineração -, há uma linha de clara defesa de que o melhor seria que o Brasil regulamentasse de uma vez a mineração nessas áreas. E que uma opção poderia ser aberturas pontuais, como iniciativas-piloto. Duas áreas seriam fortes candidatas a essa eventual abertura gradual, na avaliação de um especialista experiente da ANM: Raposa Serra do Sol e a Roosevelt. A primeira, em Roraima, e a segunda, em Rondônia.

A Terra Indígena Roosevelt é rica em diamantes e a busca por esse tesouro já causou disputas sangrentas entre índios da etnia cinta-larga e garimpeiros. Em 2004, num dos períodos de ápice da atividade garimpeira na região, 29 garimpeiros foram assassinados na selva pelos cinta-larga. Antes e depois das mortes, a Polícia Federal fez investidas na região para conter as atividades, mas com resultados sempre limitados.

A abertura de terras indígenas para mineração foi tema de projetos discutidos no Congresso Nacional e também objeto de um projeto do próprio DNPM em 2009. Em nenhum dos casos, a discussão avançou.

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Demarcação de terra indígena deixará Funai e vai para conselho de ministros 

Cristiano Zaia 

19/12/2018

 

 

O governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro, anunciou ontem que a demarcação de terras indígenas passará a ser de responsabilidade de um conselho de ministros ainda em fase de gestação, deixando de ser atribuição exclusiva da Fundação Nacional do Índio (Funai), como é feito no país nos últimos 50 anos.

A futura ministra da Agricultura, a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que as questões envolvendo essas demarcações ou conflitos de terras serão submetidas a um Conselho Interministerial, que reunirá as pastas da Agricultura, da Defesa, do Meio Ambiente, do Gabinete de Segurança Institucional e a de Mulheres, Família e Direitos Humanos (que passará a abrigar a Funai).

Conforme o desenho já encaminhado pela equipe de transição à futura Casa Civil, a função de demarcar terras indígenas seria compartilhada dentro do governo. A mudança deve integrar a medida provisória que Bolsonaro deve editar nos primeiros dias definindo a nova estrutura administrativa federal. Procurada, a Funai não se pronunciou a respeito, mas o Valor apurou que a notícia causou forte reação negativa dentro do órgão. Mesmo assim, a futura ministra Damares Alves já declarou que pode manter no cargo, pelo menos inicialmente, o atual presidente da Funai, Wallace Moreira Bastos.

Horas antes de confirmar o modelo do conselho de ministros, porém, a própria Tereza havia divulgado, como parte da nova estrutura da Agricultura, que as demarcações indígenas seriam responsabilidade da Secretaria de Assuntos Fundiários de sua pasta. Essa nova secretaria será comandada por Antônio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e conselheiro próximo de Bolsonaro. Conforme o comunicado, seu ministério trataria também das "atividades de identificação e demarcação de terras indígenas e quilombolas".

Participar do processo de demarcação dessas terras é um desejo antigo do setor de agronegócios. Com o apoio da bancada ruralista, há 18 anos tramita na Câmara a polêmica Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, por exemplo, que transfere a competência do processo de demarcação do Poder Executivo para o Legislativo.

Num primeiro momento, o futuro governo chegou a estudar a transferência da Funai para a pasta da Agricultura e depois cogitou mantê-la no Ministério da Justiça, que será chefiado por Sérgio Moro. O órgão, no entanto, acabou sendo incorporado à nova pasta de Direitos Humanos.

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Área é garantida a índios pela Constituição 

Daniela Chiaretti 

19/12/2018

 

 

A homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em área contínua em Roraima, é um direito originário e constitucional dos povos indígenas do Estado, consagrado pela Constituição Federal de 1988.

A mensagem está em nota à imprensa enviada pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) em resposta à intenção divulgada pela equipe de transição do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de preparar decreto para rever a criação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

O CIR é uma organização indígena autônoma que representa 237 comunidades indígenas e aproximadamente 50 mil indígenas de nove povos, entre eles, os wapichana, macuxi, wai-wai, taurepang e yanomami.

"O CIR também reafirma que a Raposa Serra do Sol não é 'reserva', e sim uma terra indígena". O processo de demarcação de uma terra indígena é longo e culmina com a homologação pelo presidente da República. É diferente das terras reservadas aos índios pela União conforme a sua conveniência.

"É retrógrado achar que indígena em sua terra demarcada não é integrado à sociedade", segue a nota do CIR. "Pelo contrário, será indígena em qualquer contexto social, cultural e político do país."

"As declarações do presidente Jair Bolsonaro são desrespeitosas e ameaçadoras. E alimentam o preconceito contra indígenas e atos de violência", diz o macuxi Edinho Batista de Souza, vice-coordenador do CIR.

"Nós povos indígenas somos completamente contra a exploração mineral nas terras indígenas", segue Edinho Macuxi. "'Desmarcar' os territórios indígenas é afrontar a Constituição Federal, rasgar a própria Constituição", segue.

A Terra Indígena Raposa Serra do Sol foi reconhecida pelo Estado brasileiro em 15 de abril de 2005, depois de mais de 30 anos de luta. Foi reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009.

A nota do CIR diz que os povos indígenas já estão organizando a celebração dos dez anos da decisão do STF, em 2019. Cita que nestes dez anos conseguiram a expansão da pecuária na região, chegando a 40 mil cabeças de gado.

Outro resultado foi a construção de centros regionais que ajudam "no fortalecimento do desenvolvimento sustentável das comunidades indígenas, principalmente o da produção agrícola". Ali eles vendem mandioca e farinha. Há muitos professores indígenas e agentes de saúde na região. "São pessoas produtivas, não estão vivendo da caça e pesca como muitos imaginam", diz um indigenista.

O CIR, por sua vez, foi criado em 1990 e é uma das organizações indígenas mais ativas do Brasil. "Estamos tentando conseguir o empoderamento do movimento indígena. Trabalhando a nossa autonomia, de produção, de criação de animais, do fortalecimento econômico, da gestão de territórios indígenas", segue Edinho Macuxi.