O globo, n. 31331, 19/05/2019. País, p. 9

 

Senadores novatos se rebelam contra tradição da Casa

Amanda Almeida

Natália Portinari

19/05/2019

 

 

Eles preferem consultar as redes sociais a seguir orientação de líderes nas votações, o que tem provocado crises

No Senado, políticos experientes lutam para que seus colegas novatos se convençam: acordos entre líderes devem ser cumpridos. Mais focados em dar satisfação às redes sociais do que na articulação política tradicional, um grupo de “excelências” tem se rebelado contra o que é combinado entre quatro paredes com os colegas. Diferentemente do que ocorre na Câmara, onde esse tipo de insurgência é comum, os membros da Casa revisora tendiam a cumprir seus acordos. Não mais. Depois de um desentendimento na votação do projeto, aprovado em abril, que anistia partidos que não investiram o mínimo previsto em lei em ações para incentivar a participação da mulher na política, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pediu aos líderes que controlem seus liderados, sob risco de perderem a autoridade para negociar votações em nome de seus partidos.

Na ocasião, líderes haviam concordado em votar a pauta da anistia. No plenário, porém, Jorge Kajuru (PSBGO), Leila Barros (PSB-DF), Soraya Thronicke (PSL-MS) e outros novatos contestaram a votação.

—A gente não encontra os líderes aqui para compreender o que está acontecendo. E todo dia é um susto. A gente se prepara e, quando vê, há uma extrapauta dessa magnitude. Então, a culpa não é sua (Alcolumbre). Vocês acordaram algo lá, mas eu reitero que não há justificativa para essa urgência. É susto atrás de susto. Não dá — reclamou Soraya. Incomodado, Alcolumbre respondeu às reclamações:

—Vai chegar o momento em que a gente vai quebrar o último instrumento que o Parlamento tem de tocar com seriedade e com calma, que são os acordos dos líderes. Vai acabar criando uma crise de um acordo que se constrói, mas no plenário se quebra. Depois da prensa pública, Alcolumbre também pediu reservadamente aos colegas que controlassem suas bancadas. Kajuru diz que recebeu um “pelotão” de líderes queixosos.

—Os líderes vieram me pressionar, mas ainda não nasceu um homem nesse mundo que possa me pressionar —diz Kajuru, que gosta de repetir que tem 30 redes sociais, com 57 milhões de acessos.

—Como eu posso respeitar um acordo do qual eu não fiz parte? Aquilo contraria o que pensa a maioria da sociedade, então é lógico que os senadores tiveram que se manifestar contra o projeto (da anistia).

Como pano de fundo do episódio, há um desconforto entre senadores com os colegas que “votam com o celular na mão”, como classifica um parlamentar da velha guarda da Casa. Ele diz que o grupo é uma “minoria barulhenta”: faz um “carnaval” no plenário em votações polêmicas, de olho na vontade predominante nas redes sociais, mas, apesar da estridência, não tem número para impor suas pautas. Acordos feitos entre Alcolumbre e os líderes também foram contestados em outras situações, como a votação do projeto que engessa ainda mais o Orçamento da União e a articulação pela CPI dos Tribunais Superiores.

No caso da primeira, o grupo dos rebeldes também acusou a maioria de “atropelar” a pauta do dia e dar urgência a uma proposta sem debatê-la. Na segunda, o acordo para diminuir o embate com o Judiciário também foi exposto pelos insatisfeitos. Signatário da CPI, Major Olímpio (PSL-SP) admite o peso das redes:

—A população pressiona mesmo e, muitas vezes, o parlamentar não consegue pegar um avião, andar em público, que as pessoas vão cobrando. Não adianta dizer que ativistas de internet não vão me pressionar. Pressionam, sim, e o caboclo não consegue explicar o inexplicável. Para tentar diminuir a tensão no plenário em votações, Alcolumbre decidiu entregar previamente a pauta da semana aos líderes nas sextas-feiras que antecedem as análises.

—Acho que vão serenar os ânimos, porque as assessorias vão ter tempo para produzir notas técnicas sobre as propostas; e as bancadas, para debaterem —diz o líder do Podemos, Alvaro Dias (PR).