O globo, n. 31332, 20/05/2019. País, p. 4

 

Caminho mais rápido

Gustavo Maia

20/05/2019

 

 

Presidente oferece estrutura da Casa Civil para auxiliar deputados a propor decretos

O governo tem oferecido a deputados uma nova forma de legislar: a possibilidade de enviarem ao Executivo suas propostas para que entrem em vigor imediatamente na forma de decretos presidenciais.

A iniciativa foi anunciada em público pela primeira vez há quase um mês, na cerimônia em que o presidente Jair Bolsonaro assinou ato extinguindo o horário de verão. Antes disso, a proposta estava parada no Congresso. Um deputado federal então levou a demanda ao presidente, que determinou a expedição de um decreto do Executivo.

Nessa mesma ocasião, Bolsonaro ofereceu aos parlamentares a estrutura da Casa Civil, por meio da Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ), para analisar a viabilidade de transformar suas ideias em decreto. Segundo o presidente, o órgão levaria entre 15 e 20 dias para fazer

essa análise. Deputados foram avisados que as sugestões devem ser enviadas por meio das lideranças do governo no Congresso.

Bolsonaro se dirigiu a ex colegas e destacou “a dificuldade de um parlamentar aprovar uma lei ao longo de uma legislatura”, comparando o feito a ser sorteado na Mega-Sena. Em seguida, disse que seu governo está aberto para quem tiver “qualquer contribuição” para dar via decreto ou sugestões de alterações em atos presidenciais.

A oferta, feita repetidas vezes desde então, demonstra a intenção do presidente de se aproximar dos parlamentares. Até o momento, ele não conta com uma base de apoio.

Alguns dias depois, Bolsonaro assinou o decreto que flexibiliza o porte de armas no país, sem passar pelo Legislativo, o que suscitou críticas no Congresso. Líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO) disse que houve adições de última hora ao decreto por sugestão de deputados.

Segundo ele, um dos pleitos atendidos foi a ampliação do uso de armas de calibre restrito (até então permitidas apenas por forças de segurança) para outras categorias de usuários.

— O que eu quero dizer aos senhores? Eu estou à disposição. Qualquer projeto, qualquer decreto do passado que vocês acham (sic) que ele tenha sido feito de maneira que prejudica (...) nós estamos prontos — disse o presidente na ocasião da assinatura do decreto das armas, no início do mês.

Dentro do governo, há quem considere a estratégia arriscada. Como disse um servidor do Planalto ao GLOBO ,“atintada caneta do decreto é a mais fraca ”. Isso porque estes atos podem ser derrubados com relativa facilidade pela Justiça ou pelo Congresso, por meio de um projeto de decreto legislativo, que tem o poder de revogar atos do presidente.

A Câmara dispõe, em seu site, de um mecanismo para envio de propostas ao Executivo. Bolsonaro já afirmou ter usado a ferramenta ao longo de seus mandatos, sem que jamais nenhum presidente tenha se valido de suas ideias. Em 2019, a Câmara registrou 718 sugestões, e 49 delas mencionam decretos.

O chefe da SAJ, Jorge Oliveira, afirmou que a orientação é respondera todas a sugestões depois de acionar os ministérios envolvidos:

— Às vezes, tem matérias que o parlamentar apresentou um projeto de lei, mas, pelo que ele quer alcançar, um decreto do presidente já resolveria. É mais rápido.

Ele citou como exemplo de decreto que, “em breve”, deve ser formalizado, o que regulamenta a produção de sal em áreas demarcadas para preservação ambiental. Trata-se de uma proposta levada ao governo pelo deputado Beto Rosado (PP-RN).

Lideranças partidárias têm manifestado insatisfação com o que consideram uma forma de“governar por decreto ”, sem que as discussões passem pelo Congresso. Até abancada evangélica, mais alinhada ao governo, articula para derrubar o decreto das armas.

O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), diz que as competências delimitadas na Constituição não são ultrapassadas pelo presidente:

— Os decretos têm limites claros, baseados na lei. É um exercício normal de poder de regulamentação do Executivo. Não há qualquer intenção dese sobrepor ao Parlamento.

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Trump assinou mais de 150 ordens executivas

20/05/2019

 

 

Em dois anos e meio de governo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou mais de 150 ordens executivas e memorandos presidenciais, que equivalem a decretos no Brasil. Antes de completar um ano, ele já havia assinado 50 —o que o colocava no patamar de maior autor de decretos desde Lyndon Johnson, que governou entre 1963 e 1969.

O mais polêmico deles foi o que alterou a política de imigração, reduzindo direitos de imigrantes e dificultando a concessão de cidadania ou green card a determinadas nacionalidades.

Uma das principais bandeiras de campanha do presidente americano foi a construção de um muro na fronteira com o México. Diante da dificuldade de aprovar a medida no Congresso, Trump decretou estado de emergência, em fevereiro deste ano, para abrir uma brecha legal que permitisse a construção. A canetada foi alvo de ações judiciais que serão decididas na Justiça comum. Essa previsão legal, aliás, é um dos pontos fracos dos decretos.

Contra isso, Trump tem um plano. No início do mês, o vice-presidente Mike Pence disse que Trump vai pedir à Suprema Corte que proíba juízes federais de conceder liminares contra medidas de seu governo. Ele quer que os pedidos de liminar sejam requeridos diretamente à Suprema Corte.Um dos argumentos, segundo o vice-presidente, é o de que essas liminares o estão impedindo de governar.

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Governo tem até quarta para explicar ato sobre armas

20/05/2019

 

 

Pedido foi feito pela ministra Rosa Weber, do STF, em ação protocolada pela Rede, que contesta constitucionalidade do texto

Publicado há 12 dias no Diário Oficial, o decreto que flexibiliza regras para o porte de armas entrou em vigor na data de sua publicação, mas sua validade está em xeque tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) quanto no Congresso.

A ministra Rosa Weber requisitou que Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sergio Moro, apresentem explicações sobre o decreto, em ação protocolada pelo partido Rede, que pede a suspensão da eficácia da medida de forma liminar. O prazo vence na próxima quarta-feira. O argumento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é que o presidente cometeu “abuso de poder” com a edição do decreto.

A Constituição determina como uma das atribuições do presidente da República “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”. Contudo, o texto estabelece limites para esse poder. Decretos podem ser usados para organizar o funcionamento da administração federal; não podem criar mais despesas; podem extinguir e criar funções; e, em casos extremos, podem ser usados para colocar em vigor os estados de defesa, sítio e intervenção federal — todos os três devendo ser chancelados pelo Congresso.

Por essa razão, a ação da Rede sustenta que um decreto, “que deveria se limitar a detalhar as leis”, não pode “criar as leis”.

No dia 10 deste mês, Câmara e Senado divulgaram pareceres sobre o tema. A primeira apontou inconstitucionalidades relativas ao Estatuto do Desarmamento, e o segundo afirmou que Bolsonaro extrapolou seus poderes. Partidos e parlamentares também protocolaram projetos de decreto legislativo para sustar itens do texto — e até mesmo sua totalidade.

Quando assinou o decreto das armas, Bolsonaro já anteviu contestações:

— Deixo bem claro que nós fomos no limite da lei. Nós não inventamos nada e nem passamos por cima da lei. O que a lei abriu oportunidade para nós, nós fomos lá no limite.

Mas, após o pedido de Rosa Weber, o presidente mudou de tom. Afirmou que, se o decreto for inconstitucional, “tem que deixar de existir”.

—Quem vai dar a palavra final é o plenário da Câmara ou a Justiça —disse ele.

Para fazer frente às contestações, a equipe da Secretaria de Assuntos Jurídicos da Casa Civil prepara uma nota técnica para defender a validade do decreto.